No fundo, somos todos "mamães reborn"? Um react sobre o mercado de brinquedos para adultos, ou para "Kidults".
Nesta semana, uma reportagem da DW Brasil sobre o crescimento do mercado de "brinquedos" para adultos no Brasil viralizou e, para nossa surpresa (ou não), ela fala muito sobre nós, os nobres hobbistas de jogos de tabuleiro. Sim, por mais que a gente se esforce para diferenciar "jogo" de "brinquedo", para o mercado, estamos todos na mesma prateleira. E o que talvez seja mais incômodo: a nível sociopsicológico, estamos vivendo a mesma experiência dos colecionadores de Funko Pop, Labubu e das "mamães reborn". Bem-vindos ao fenômeno contemporâneo chamado "Kidult", um mercado que nos abraça com carinho e, claro, com uma maquininha de cartão na mão.
E que mercado! A reportagem da DW Brasil números que surpreendem, mas que rapidinho conversa com a realidade que conhecemos aqui:
76% dos brasileiros entre 18 e 65 anos se veem como potenciais compradores de brinquedos.
O mercado de colecionáveis no Brasil cresceu 51% desde 2021, enquanto no resto do mundo o crescimento foi de "apenas" 9% - comprovando aquela sensação que tivemos do boom dos jogadores de tabuleiro na pandemia. Quantos de nós não devemos ter entrado na Ludopedia exatamente desse período, ein?
Os brinquedos para "kidults" são, em média, 60% mais caros que os brinquedos infantis - olha aí aquela su percepção dos jogos estarem ficando mais caros, não é só por você, certeza as editoras olham para os "kidults" em geral.
Como hobbista, admito: ser colocado no mesmo balaio que essas outras tribos me deu um certo desconforto. Mas, pensando bem, é um incômodo saudável. É como se olhar no espelho e ver uma "mamãe reborn" piscando de volta. É um choque de realidade que nos força a encarar o consumismo desenfreado que ronda o nosso hobby. Por mais que você se esforce para ser um jogador consciente, a verdade é que grandes mentes, com muita tecnologia, estão mirando diretamente no seu desejo de preencher um vazio existencial com caixas e mais caixas de papelão e plástico.
A reportagem, no entanto, não é de todo trágica. Ela apresenta um pêndulo complexo. De um lado, aponta para um vazio de sentido na vida adulta, uma frustração com a rotina e a busca por uma felicidade que parece sempre estar na próxima caixa, no próximo Kickstarter. Do outro lado, lembra que o brincar é inerente ao ser humano, não apenas uma fase da vida. E, para aliviar um pouco a nossa barra, nós dos jogos de tabuleiro, fomos usados na reportagem mais como o exemplo "saudável" desse pêndulo.
Mas, como todo bom pêndulo, ele oscila. E basta um rápido passeio pelo nosso nicho para ver que a corda pode arrebentar para o nosso lado a qualquer momento, como vemos nas pautas dos criadores de conteúdo do hobby constantemente, na mesma página do YouTube que me recomendou a reportagem da DW, havia desde criadores mais novos como o @Thiag0Prado lembrando1000 jogos lançados no Brasil em um só ano, até os mais experientes como o @AugustoRaugust satirizando o fim da Galápagos e as estratégias de mercado com flops e supervalorizações programadas ( O NOVO NOME da maior editora de jogos do Brasil). Este que, por acaso, tá sempre em dia com a pauta do consumismo no nosso hobby. Isso tudo mostra o quão volátil e insano é esse mercado. O perigo é real, e a responsabilidade de não transformar o hobby em uma muleta para as dores da vida adulta é inteiramente nossa.
No fim das contas, talvez a grande vitória seja conseguir sentar à mesa, abrir um jogo e encontrar nele apenas isso: um bom jogo. E não a cura para as angústias da vida adulta, a afirmação de um status social ou a peça que faltava para calar aquele vazio que, convenhamos, nenhuma coleção de jogos no mundo será capaz de preencher. E se, mesmo assim, a tentação de comprar mais um jogo for grande, lembre-se: em algum lugar, uma "mamãe reborn" está sorrindo para você, em um misto de cumplicidade e pena. E isso, meu caro hobbista, deveria ser o suficiente para, pelo menos, te fazer pensar duas vezes. Ou não.
Valeu pela menção! No caso do consumismo pelos jogos de tabuleiro, creio que tenha relação com o sentimento que eles trazem. As pessoas sentem a cabeça explodindo, no bom sentido, ao descobrirem os jogos modernos. E a parte de colecionar pode ter relação com as pessoas sentirem que os jogos são como algo precioso e único.
Eu tenho certeza absoluta que meus jogos e bonecos são brinquedos, vários dos quais eu gostaria de ter adquirido quando era criança. Adoro brincar com meus jogos e me tornar criança novamente estando na pele de um bravo guerreiro por uma tarde. Nem por um minuto imagino ou fantasio que sejam nada além disso.
Uma "mamãe reborn" imagino que veja suas bonecas como filhas, lendo sobre algumas histórias onde as "alimentam" e até levam no médico para tratar de problemas de saúde. Pra mim aí fica uma distinção clara. Se algum adulto trata seus jogos e brinquedos como algo além de papel e plástico que representam uma fantasia, acho que aí estariam no mesmo grupo de "mamães reborn".