davimds::tuliobarros::Dizer que é "absolutamente contra a etiqueta" soa como ser contra a própria demonstração de cuidado e consideração que permite uma convivência harmoniosa. No contexto de um jogo, a etiqueta é o que garante que todos tenham uma experiência agradável. A cordialidade e o respeito são insuficientes para o bem estar do próximo.
Talvez sua rejeição seja mais ao protocolo (que pode ser excessivo em contextos íntimos) do que à etiqueta, que é simplesmente boa educação aplicada. Até em contextos de jogo, como luderias ou pubs, um mínimo de protocolo (regras de consumo, tempo de mesa) é necessário para que o ambiente funcione.
Opa, valeu pelo comentário!
Talvez no podcast isso não tenha ficado tão claro, mas existe uma diferença importante entre etiqueta e educação/boa convivência.
No uso cotidiano, muitas vezes tratamos “etiqueta” como sinônimo de educação. Mas, no sentido mais profundo, a etiqueta está ligada a um processo histórico longo, no qual as sociedades foram internalizando padrões de comportamento. Atitudes que antes eram feitas em público (como falar de funções corporais ou expressar impulsos agressivos) passaram a ser controladas e deslocadas para o espaço privado. Isso não aconteceu de forma individual, mas sim como resultado das pressões sociais, que se originaram nas cortes e depois se espalharam pelo conjunto da sociedade.
Nesse contexto, a etiqueta também acabou servindo como um instrumento de diferenciação social, marcando a distância entre a aristocracia e o povo. A partir do século XV, surgiram nas cortes europeias várias regras de convivência: como falar, se vestir, comer ou se portar. Quem dominava essas normas mostrava pertencer à nobreza, enquanto a maior parte da população não tinha acesso a esse repertório. No fim das contas, a etiqueta reforçava a distância entre “os de cima” e “os de baixo”
Essa análise é desenvolvida por Norbert Elias no livro O Processo Civilizador. Acabei não citando no episódio porque achei que poderia levar a uma discussão mais acadêmica, que fugia um pouco do tom do debate.
Espero que agora tenha ficado mais claro o meu ponto de ser contrário à ideia de etiqueta nesse sentido histórico e hierárquico, e não à educação ou à boa convivência em si.
Olá, Davi!
Agradeço demais por trazer essa camada do Elias sobre a internalização das normas. Esse talvez seja o ponto central que conecta nossas visões. Entendo que a origem da etiqueta tenha sido, e em alguns círculos ainda funcione, como um mecanismo de distinção social, e essa internalização do autocontrole mostra como o processo é profundo e vai muito além das meras regras de etiqueta. Mas Elias também afirma que os costumes também moldam nossa própria sensibilidade.
É exatamente essa internalização histórica que explica como, hoje, o termo "etiqueta" pode ser ressignificado na prática. O que era um código de exclusão aristocrático foi, através desse processo psíquico e social, absorvido e transformado no "senso comum" de convivência. Como bem lembrado aqui, "em Roma, faça como os romanos" - a etiqueta, nesse sentido funcional, é justamente a sensibilidade para decifrar e respeitar o código local de cada grupo, seja ele qual for.
É exatamente essa internalização histórica que explica como, hoje, o termo "etiqueta" pode ser ressignificado na prática. O que era um código de exclusão aristocrático foi, através desse processo psíquico e social, absorvido e transformado no "senso comum" de convivência. Como bem lembrado aqui, "em Roma, faça como os romanos" - a etiqueta, nesse sentido funcional, é justamente a sensibilidade para decifrar (o que seria "bom", "agradável" ou "adequado") e respeitar o código local de cada grupo, seja ele qual for.
Assim, acho que sua crítica é sólida ao lembrar da genealogia excludente do conceito, enquanto meu comentário partia de sua função prática internalizada - a ressignificação que damos a esse legado histórico no nosso dia a dia. Obrigado por expandir seu ponto de vista e obrigado pela dica de leitura!