De 20 a 22 de Junho, nós participamos do DOFF 2025, uma das maiores feiras de jogo de tabuleiro da America Latina, que aconteceu em São Paulo, para lançar a versão física do Funocracy. O evento foi definitivamente um marco, o momento em que fomos de entusiastas de jogos de tabuleiro para criadores de jogos de tabuleiro. Entretanto, para chegar a esse ponto foi preciso mais do que entusiasmo, foi uma jornada definida por criatividade, colaboração e o desejo de aproximar pessoas.
O começo de tudo
O ponto de partida foi algo simples: jogatinas casuais depois do expediente, com petiscos e algumas partidas dos nossos jogos de tabuleiro favoritos. Mas, com o tempo, uma inquietação apareceu: era difícil encontrar jogos que incluíssem todos da mesa. Frequentemente, tínhamos que nos dividir em grupos menores ou continuar jogando os mesmos jogos sempre.
Ideias começaram a surgir, e colocamos nossas engrenagens para funcionar: E se nós criássemos nosso próprio jogo? Mais especificamente, e se nós transformássemos StopotS em um jogo de tabuleiro?
Para contextualizar: StopotS é o nosso jogo de palavras, também conhecido como Adedanha/Adedonha ou Stop, em que os jogadores preenchem categorias usando uma letra sorteada sob pressão do limite de tempo. Nós comumente vemos vídeos de pessoas jogando StopotS e percebemos que as melhores categorias são as que fogem do óbvio, em que as respostas inusitadas geram momentos engraçados. Decidimos então, juntar nossos mais de 16 anos de experiência com jogos para criar um protótipo.
O primeiro protótipo
Do lado esquerdo, a versão final do jogo. Do lado direito, o primeiro protótipo.
A primeira versão é bem diferente da experiência que o Funocracy é hoje. A ideia era que em cada rodada, os jogadores respondem a temas inusitados usando uma das três letras sorteadas. E aí que vem a pegadinha: você só pontua se os demais jogadores concordarem com sua resposta. Caso contrário, zero pontos pra você.
Além disso, uma premissa pricipal apareceu logo no início e permaneceu até hoje: o que importa é a verdade da mesa. Sem pesquisas ou consultas externas. Nós acreditamos que o jogo não deve impor as respostas corretas, mas deixar que os jogadores decidam por eles mesmos. O que se aproxima da dinâmica usada no StopotS, em que os jogadores validam as respostas uns dos outros antes de receber as pontuações. Com isso, estabelecemos que as melhores respostas não necessariamente são as mais corretas, mas as mais bem pensadas, engraçadas ou convincentes.
Criando o jogo
Começamos com cartas de tema divididas por dificuldades, cartas de letra com o alfabeto, cartas de votação, e cartas de “tô fora/tô dentro”.
Visualmente, o protótipo era assim:
E a versão final ficou assim:
As versões tem algumas similaridades e diferenças, e vamos nos aprofundar um pouco nisso. Inicialmente, as cartas de votação tinham dois lados: concordo e discordo. Porém, conforme fomos jogando, queríamos que ficasse claro que a votação é mais baseada em um “sentimento” do que em verdades empíricas, então atualizamos para “BOA!” e “MEHH…”
Acima, as cartas de votação finais. Abaixo, a primeira versão.
Uma das regras que removemos foi a eliminação de jogadores que não conseguiam responder ao tema ou tinham suas respostas rejeitadas. Percebemos que a eliminação é uma mecânica ultrapassada, e preferimos que todos se divirtam durante toda a partida. Agora, ninguém é eliminado — mesmo que não responda — e as cartas de “tô dentro/tô fora” também foram retiradas.
Removemos algumas mecânicas de jogo, mas adicionamos outras. Pensando em como a experiência poderia ser melhor, desenvolvemos um aplicativo. Inicialmente, era apenas um cronômetro simples, mas foi evoluindo — passou a ter diferentes pop-ups com instruções para ajudar os jogadores a entenderem as mecânicas e alguns botões a mais do que tem hoje.No entanto, mais uma vez percebemos que o simples funciona bem e voltamos a um cronômetro básico, com algumas funcionalidades adicionais, como a opção de adicionar temas, uma tabela de pontuação e sorteio de jogadores.
Comparação dos timers
Além disso tudo, você também pode perceber que o design mudou bastante. As cartas finais foram feitas pensando na melhor experiência do jogador:
- Apenas as cartas de tema têm a frente branca, pra facilitar na hora de identificar.
- Os versos das cartas de tema e letra seguem o mesmo estilo, para ficar fácil de identificar que são parte do jogo.
- As letras são bem grandes, com fonte e cores que contrastam com o fundo, o que deixa a leitura mais fácil. As bordas coloridas também ajudam na identificação, reforçando as cores dos pontos.
- Os tons de verde e vermelho foram escolhidos com base em associações visuais bem conhecidas: o verde transmite sensação de aprovação (BOA!). Já o vermelho carrega a ideia de alerta ou erro (MEHH). A paleta reforça essas interpretações de forma intuitiva, ajudando na leitura rápida do jogo.
As cartas de letra eram em azul, amarelo, rosa, verde, roxo, e vermelho — quase um arco-íris.
Porém, percebemos que havia muitos elementos na mesa, e as cores poderiam distrair ou confundir os jogadores. Então, mudamos a paleta de cores — agora as letras são em amarelo, azul e roxo, deixando o verde e vermelho para as cartas de votação.
Em ambas as versões, as letras têm um sistema de pontuação para deixar o jogo mais justo:
★ — Letras fáceis valem 1 ponto, porque são mais comuns no início das palavras.
★★ — Letras médias valem 2 pontos.
★★★ — E letras difíceis valem 3 pontos, pois são menos comuns no início das palavras.
Durante todo o processo, seguimos experimentando com os temas, e nossa lista passou por muitas mudanças. No final, eliminamos os níveis de dificuldade e focamos em temas que gerassem algum tipo de debate, com respostas menos óbvias e mais abertas à interpretação. Colocamos também alguns personagens para as cartas ficarem mais amigáveis!
Começamos os playtests: aprendendo, testando e refinando o jogo. Adicionamos ideias, descartamos outras, experimentamos regras e testamos incontáveis variações até encontrar o equilíbrio ideal.
Usamos todas as letras? Uma letra por vez? Só a próxima pessoa pode contestar uma resposta ou todos podem? Quatro temas? Não, três temas! Talvez a gente precise definir um tempo-limite para responder… Cada teste nos aproximava mais da fórmula certa. Aos poucos, a ideia foi se transformando em algo além de uma versão física do StopotS, tornando-se um jogo próprio. E com essa percepção, demos a ele um nome que capturasse seu espírito: Funocracy, uma mistura de diversão e democracia.
E aí, a logo nasceu! De um lado, o fun traz formas arredondadas e uma tipografia mais grossa e colorida, que passa a ideia de diversão e acolhimento. Do outro, o cracy usa uma fonte serifada, que remete à estrutura e seriedade — mas logo se desorganiza, refletindo a energia caótica do jogo, os debates acalorados e o movimento constante. Boa! e MEHH.. aparecem como opostos que cercam toda essa dinâmica.
Versão online
Enquanto isso, também desenvolvemos um protótipo da versão online do jogo. O que nos ajudou a visualizar a dinâmica da partida e a experimentar diferentes regras e temas. Por exemplo: jogar com uma certa quantidade de temas, aumentar ou reduzir o tempo para responder e remover letras difíceis.
Primeiro protótipo
Versão final
Para simular uma partida real, desenvolvemos BOTs com diferentes personalidades. Eles elaboram respostas com base nas características que definimos e votam nas respostas dos jogadores, participando ativamente do jogo. A versão online está disponível em https://funocracy.com e foi traduzida para 10 idiomas diferentes.
Do Protótipo ao Produto
Transformar o Funocracy em um produto final foi um desafio totalmente novo.
Depois de encontrarmos o equilíbrio da jogabilidade, os próximos passos foram tão empolgantes quanto assustadores: design, produção, escrita das regras… e o maior de todos — o compromisso de lançá-lo de fato. Passamos meses trabalhando nos detalhes finais e testamos tudo, da espessura das cartas até como a fonte ficava sob diferentes iluminações. Tinha que estar tudo certo!
Mas mesmo com tudo isso — o app, as cartas finais, as regras — continuávamos nos perguntando: Será que as pessoas iam gostar tanto quanto a gente? Será que faria desconhecidos rirem como a gente ria nas rodadas depois do expediente? Então escolhemos o lugar perfeito para descobrir: a maior convenção de jogos de tabuleiro da América Latina — a DOFF.
Lançamento
Depois de todo o trabalho, chegamos à DOFF 2025 — cercados por uma comunidade de criadores, fãs e amantes de jogos de tabuleiro.
No estande da Meeple BR, nossa parceira, tínhamos um espaço próprio com várias mesas rodando partidas ao vivo de Funocracy. Pudemos ver desde pequenos grupos até grupos maiores jogando, concretizando um dos nossos objetivos iniciais. Também tivemos uma versão gigante do Funocracy, com uma mesa especial conduzida por mediadores que mantiveram a energia lá no alto durante todo o evento!
Assistimos pessoas jogarem Funocracy pela primeira vez, darem risada com amigos e se envolverem com o universo que criamos. Finalmente, nosso jogo ganhou vida, e esse sentimento de realização vai ficar com a gente para sempre.
Restrospectiva
Mais do que um lançamento de produto, foi um fechamento de ciclo.
O que começou como uma forma de se conectar com colegas de trabalho se tornou algo real: um jogo que poderíamos compartilhar com o mundo. E sim, conseguimos responder àquela pergunta que nos rondava, vendo as pessoas se divertirem tanto quanto nós. Agora, estamos mais inspirados do que nunca para continuar criando experiências e novas formas de conectar pessoas.