Sendo essa minha primeira postagem neste canal, nada melhor que iniciar descascando camada por camada um dos meus próprio jogos, e logo vamos começar pelo o último lançamento da Black Mamba Games, o jogo Sadhana: O Caminho.
Antes de continuarmos , deixe-me apresentar: Olá Sou Gaetano Foschini (Cartano pelos companheiros de carteado) tenho 45 anos e pelo bem ou pelo mal trabalho profissionalmente com jogos há mais de 20 anos. (vide que encaro essa profissão tal como uma condição de dependência química, algo que vem me matando aos poucos ao longo dos anos). Atualmente trabalho como Game Designer para a Black Mamba Games, uma editora luso-brasileira de jogos analógicos e digitais com sede no Porto da qual sou co-fundador, mas já venho trabalhando como desenvolvedor de jogos freelancer desde o início dos anos 2000 para empresas como a extinta Decipher ( Lord of the Rings TCG), Wizards of the Coast (Magic: The Gathering) e agora para a Ravensburger participando ativamente no desenvolvimento das últimas expansões do card game Disney Lorcana, além de prestar serviços de consultoria para estúdios indies de jogos digitais. Porém, foi somente em 2019 que publiquei no mercado brasileiro seu primeiro jogo de tabuleiro chamado "La Muse" em um financiamento coletivo bem sucedido pelo Catarse em parceria com a Ludens Spirit. Logo em seguida tivemos a pandemia onde tive um grande hiato para somente retornar em 2024 novamente com a Black Mamba onde meu antigo sócio havia decidido em investir em jogos menores conhecidos aqui no Brasil como "carteados" então, porque não chamar aquele tal de Cartano para trabalhar?
Por sorte minha, nesse tempo da pandemia eu já estava trabalhando no desenvolvimento de jogos como Muamba, ElvenTrolls, NOH e por último o foco dessa primeira análise, Sadhana: O Caminho que foi publicado no primeiro semestre de 2025.
Então vamos a historinha :
Sadhana: O Caminho é um jogo de cartas com a mecânica de escalada para exatamente 3 jogadores, onde eles representam Lamas (monges budistas tibetanos) que deverão encontrar o equilíbrio ao percorrer seu caminho espiritual para a iluminação realizando as “Sadhanas” (ou práticas espirituais) através das cartas de ”Yidams” (deidades guias para visualizações meditativas) a cada um de seus muitos renascimentos, tentando alcançar e domar o marcador do elefante (uma alegoria para "A Mente Sutil") em uma trilha feita com cartas. Sadhana é uma corrida pela sabedoria, onde o vencedor não é quem chegar primeiro,(atingindo a liberação ou o “Nirvana”) mas sim aquele que conseguir domar sua mente através do equilíbrio no "Caminho" se tornando um Buda (um “desperto") para benefício de todos os seres.
A inspiração em si veio de outro projeto que eu estava desenvolvendo para seguir minha linha de euros médios chamado "Potala Palace" que tem a mesma temática da cultura tibetana e estava previsto para lançamento em 2025 na europa, mas devido a questões tarifárias e de logística tivemos que pausa-lo por enquanto. Assim decidi reaproveitar todos meus estudos relacionados ao tema e utilizar já algumas ideias desse jogo para compacta-lo em um carteado de fácil produção.
Sobre as mecânicas: Sim, Sadhana é um carteado de escalada e não, Sadhana não uma escalada convencional. Pois o jogo em si é contra-intuitivo (assim como o Budismo) em tudo que ele se propõe, gerando as vezes alguma dificuldade de entendimento principalmente por parte de jogadores mais experientes em carteados, pois ele vai na contra-mão da lógica que estão acostumados com jogos de escaladas convencionais. Neste jogo nem sempre é bom negócio superar o valor da escalada, nem sempre é bom negócio estar em primeiro na trilha e saber a hora certa de desistir da escalada pode ser um bom negócio na verdade. Pois o objetivo aqui é acompanhar o meeple de elefante que se movimenta todo turno até atingir a casa 2, onde os jogadores através dos efeitos de suas cartas também se movimentam nessa trilha, que no fim o jogador que estiver mais próximo atrás ou montado no elefante será o vencedor da partida. O problema se dá quando um jogador avançar de mais na trilha, correndo o risco de atingir a casa 1 a frente do elefante, que disparará o fim da partida fazendo que ele seja o último colocado. Por isso esse jogo requer muita atenção no que seus adversários estão fazendo e requer muito planejamento em suas jogadas.
A decisão por não numerar as cartas foi interessante, pois são poucos jogos que se utilizam desse recurso apenas iconográficos, ainda mais em uma jogo de escalada.(assim de cabeça me recordo do Maskman da Oik Games mesmo ainda sendo bem diferente). A idéia aqui foi trazer uma valor padrão para cada carta de 1 e esse valor ir variando conforme o posicionamento do jogador na trilha espiritual que tem suas casas cobertas aleatoriamente pelas fichas de sementes búdicas, onde cada uma correspondem aos 6 tipos de cartas (como se fossem os naipes), assim quando um jogador jogar uma carta daquele mesmo tipo, o valor da carta sofrerá uma alteração adicionando ao valor padrão de 1 + seu atual posicionamento. Por exemplo se sou o segundo colocado na trilha e estou em uma casa sob a ficha de semente búdica "Verde" minhas cartas desse mesmo tipo agora podem valer no meu turno de 1 à 3 (1 por padrão + minha posição atual de segundo colocado na trilha, no caso seria +2). Assim quando jogar uma carta "Verde", devo declarar quanto ela estará valendo na minha vez para me ajudar a igualar ou superar o valor total da escalada. (1, 2 ou 3 conforme minha necessidade).
Aqui que esta o pulo do gato desse jogo: Não apenas você deve igualar ou superar em 1 o valor total da escalada, mas também deve se atentar que só poderá jogar cartas de Yidams de um determinado tipo, se igualar ou superar em 1 a quantidade de cartas de mesmo tipo (mesma semente búdica) que os outros jogadores possuem em suas áreas de jogo. Por isso digo que as vezes o jogador pode optar por simplesmente desistir de continuar a escalada, pois as vezes ao jogar suas cartas, ele pode beneficiar outro jogador que tenha cartas do mesmo tipo que estavam travadas em sua mão e assim consiga joga-las para deter a maioria delas no final da segunda mão, para executar o efeito daquele Yidam. (São jogadas 2 mãos de oito cartas, as cartas jogadas na primeira mão permanecem na área de jogo dos jogadores, e somente ao final da segundo mão quando termina as cartas do deck que os efeitos das bênçãos do Yidams são disparados).
Outro ponto importante é que nem sempre o jogador quer executar o efeito dos seus Yidams, pois dependendo da ordem do turno, esse efeito pode prejudica-lo ou até beneficiar outro jogador. Assim é natural muitas vezes apenas querer "empatar"em número de cartas de um determinado tipo de Yidam com o de outro jogador, justamente para "bloquear" que ele execute aquele efeito. Lembrando que todos os efeitos são mandatórios se o jogador possuir a maioria (em quantidade de cartas não em valor) das cartas de um determinado tipo de Yidam no final da segunda mão. Após isso temos o "ciclo de renascimentos" que nada mais é que uma preparação para uma nova rodada, onde os meeples dos jogadores que estão a frente do elefante voltam para a casa mais próxima atrás dele, onde as cartas são embaralhadas e novamente distribuídas, e avançamos com o elefante uma vez. Aquele jogador que conseguiu terminar a rodada na mesma casa que o elefante é premiado por se movimentar junto com ele , alem de poder optar em voltar cartas de Yidam de sua área de jogo para sua mão (repondo do baralho até ficar novamente com 8 cartas).
Assim como dito antes, Sadhana é um jogo de planejamento com uma corrida contra-intuitiva (você não quer chegar em primeiro), ele oferece aos jogadores camadas estratégicas bem desafiadoras durante o processo de escalada e movimentação pela trilha, mesmo com regras relativamente simples, acaba sendo um jogo complexo de masterizar, um dos motivos que não foi a toa ter sido desenvolvido para exatamente 3 jogadores, alem das questões matemáticas de mão e quantidade de cartas no baralho, é necessário ter uma atenção plena e um grau de concentração quase de um Monge Budista as vezes para joga-lo bem. Assim recomendo joga-lo pelo menos 2 partidas para assimilar suas sutis nuanças.
Então isso é Sadhana. Não recomendaria como jogo de entrada, mas sim para quem quer apresentar um carteado diferente do convencional, tanto pelo tema, pela jogabilidade para exatamente 3 jogadores e por ser uma jogo de cartas sem valores numéricos impressos, focado na movimentação de meeples por uma trilha.
Espero que tenham gostado desse post de estréia do canal "Castelo de Cartas". Se me sentir motivado, devo continuar a escrever sobre outros cartedos que joguei ou sobre minhas experiencias como game designer.
Se tiver alguma sugestão de algum carteado para que eu faça uma análise e review, me diga ai nos comentários.
Abraços a todos e até a próxima.
