"Ei cara, você gosta de pipoca?"
Fui pela primeira vez ao Diversão Offline em 2024, quando lancei meu primeiro jogo, ONDA, pela Samba Estúdios. Depois que o jogo esgotou, saí do stand e fui bater perna no evento. Vi a quantidade de jogos legais sendo anunciados, apresentados em protótipos, pessoas se divertindo — seja rindo ou em um nível de concentração absurdo em meio ao alto som de conversa na feira —, gente andando só dando uma olhada no que tinha nos estandes (eu incluso). Mas um lugar em que, no geral, a expressão facial da galera não era das melhores… era nas filas.
Filas para comprar jogos, filas de espera para jogar ou na praça de alimentação. Definitivamente, pelo olhar abatido das pessoas, parecia ser o local/situação em que menos se aproveitava o evento. Eu defendo que "fazer nada" é importante de vez em quando, mas fazer nada enquanto se espera por algo, acompanhado de expectativa, não costuma ser legal. Às vezes até rola uma conversa bacana com alguém que você está aguardando junto, que pode durar todo o momento de espera, mas muitas vezes é interrompida por um "caraca, que demora", ou qualquer frase do tipo que induz a uma onda de reclamações e frustrações — ou a um silêncio incômodo. Um silêncio que pertence só a quem espera, porque, dentro da fila, você ouve, vê e antecipa onde gostaria de estar (fora da fila).

Existem muitas opções do que fazer enquanto se espera usando um celular — jogos e redes sociais podem distrair por horas, até mesmo quando a espera não existe. Mas eu quis tentar criar um jogo analógico em que as pessoas pudessem jogar nessa situação, mesmo sem mesas, ou escoradas na parede enquanto aguardam. Não é para resolver o problema da espera, nem para durar todo o momento dela, mas para tentar proporcionar um momento agradável nesse espaço de tempo. Algo compacto, que pode ser aproveitado repetidas vezes, até mesmo quando não se espera nada — como uma pipoca.
Também queria que o jogo fosse compacto. Tinha feito o Malabares com a Piquinim há não muito tempo e achei que esse formato seria bom para a proposta. E como maluco por jogos de baralho, e o Malabares sendo uma vaza, eu também queria fazer um jogo micro que fosse uma escalada, minha mecânica favorita em jogos no momento. Mas escalada é uma mecânica que normalmente precisa de muitas cartas na mão e de várias formas e possibilidades de jogá-las — e claramente isso era um problema para um jogo no formato de 18 cartas. Se você distribuísse 9 cartas para cada, poderia saber se ganhou ou perdeu no momento em que as recebeu.
Partindo para referências: joguei Panda Spin e, além de achar um jogo excelente, achei legal o fato de usar a parte de baixo da carta para girá-la e evoluí-la. Dessa forma, o jogador readquire as cartas de volta para a mão, mas com uma compensação, possibilitando risco e planejamento. Esse conceito parecia se casar bem com o problema que eu tinha para resolver. Ao fazer isso com 18 cartas, eu poderia artificialmente ter um baralho de 36 cartas. Mas se fizesse isso com cima/baixo e frente/verso, o baralho de 18 cartas poderia ter até 72 cartas!

Créditos ao Julio, dono da mão que mais segura cartas nas fotos de jogos desconhecidos no BGG
Mas ainda era um jogo que, na teoria, não seria possível jogar sem mesa, porque precisava de um monte de descartes para removê-las da mão. Quando, um dia, escutando um episódio do podcast Tricktalkers, ouvi falar sobre o jogo Duel Boy, fui pesquisar no YouTube — e lá estava a solução para o meu problema: uma carta que marcaria a divisão entre o que era a sua própria mão e o que era seu descarte, enquanto você segura todas. Curioso que eu já tinha visto esse artifício da carta separadora em vários jogos, mas só associei que podia usar para o descarte quando vi um jogo que usava exatamente para isso.

Imagem do vídeo de explicação de DUEL BOY do canal Cards Unbarred
Com isso, precisei de duas cartas como separadores — uma para cada pessoa — e restaram 16 cartas numeradas, que trocavam de valores, tendo artificialmente um baralho de 64 cartas. Isso também foi suficiente para resolver o problema de rastrear o que está na mão da outra pessoa. Por mais que fosse fácil saber quais são as cartas iniciais dela, isso se perde muito rápido quando as cartas começam a subir de nível, e o quebra-cabeças fica bem mais interessante. A escolha dos valores das cartas e de cada nível foi feita com muito "teste solo", repassando o jogo várias vezes até encontrar um modelo que não permitisse combos óbvios e ainda assim oferecesse interações interessantes em uma experiência compacta.
Assim como no Onda, o tema veio por último, numa sugestão do meu amigo Maurício Nóbrega durante uma partida de playtest. E serviu como uma luva: tinha tudo a ver com a dinâmica de subir o nível das cartas estourando as pipocas, e o divisor das cartas marcando o que está dentro (mão) ou fora (descarte) da panela. Entrei em contato com a Marina das Artes, ilustradora cujo trabalho eu já acompanhava há algum tempo, e ela deu vida à personagem da pipoca super fofa, que vai estourando a cada nível da carta.

Fiz o design gráfico das cartas, escrevi o manual, dei um jeito de fazer a caixa e estava determinado a lançar o jogo de forma independente. Mas ainda havia um grande problema: eu queria distribuí-lo no DOFF, mas não tinha nenhum espaço lá para tentar vender, e as inscrições da Indie Alley já tinham acabado. Em paralelo, apresentei o jogo ao Torselli, editor de carteado da Samba Estúdios, que gostou do jogo — e com isso o Fel topou fazer em parceria com a Ludens Spirit aos 45 do segundo tempo, completando a última peça para conseguir lançar o jogo no DOFF. Mais uma vez fiquei muito grato com a confiança do pessoal nesse jogo que fiz de ponta a ponta.
Então é isso. O jogo vai ser lançado daqui a uns dias. Eu não faço ideia de como vai ser a aceitação, mas como alguém que sempre mantém a expectativa bem baixa em tudo, eu só queria ver duas pessoas jogando o Pipoca no DOFF sem estarem em uma mesa.
Uma pipoca sempre vai bem!