Este texto (#5) foi inspirado numa briga digna de Orkut entre fãs de Terraforming Mars, adoradores de SETI, devotos de Ark Nova e outros cultistas do eurogame raiz.
Gente se ofendendo e tretando online por causa de jogos ruins. Mas eu também sou ruim. Em eurogames, principalmente.
Então tá tudo certo 
Volta e meia aparece alguém nos fóruns, grupos e mesas de bar virtual dizendo:
- “Ah, não dá pra comparar board game com jantar.”
- “Não faz sentido comparar um jogo com uma blusa.”
- “Board game é hobby, não é necessidade.”
Mas cinema é? Rodízio japonês é? Aquelas meia dúzia de folhas murchas do brunch de domingo são?
Chega de moralismo de consumo gourmetizado 
Vamos aos fatos & buchos:
Board game é comprado com dinheiro.
Jantar também.
Camisa social idem.
Assinatura de streaming, ingresso de show, corte de cabelo de R$280, hambúrguer artesanal e até terapia online — tudo isso vem do mesmo lugar: seu salário.
E seu salário vem do quê?
Do seu tempo. Do seu estresse. Do seu cansaço.
Você troca vida por grana. Logo, tudo que você compra é, em alguma medida, um investimento em como você quer viver.
Então sim, você pode comparar o preço de um Ark Nova com o de duas saídas pro cinema com pipoca.
Pode comparar com o iFood da sexta-feira.
Pode comparar com o sutiã bege / cueca de seda que você comprou achando que seria confortável (não foi).
Porque no fim das contas, tudo isso está disputando o mesmo recurso: sua energia, sua grana e seu tesão de viver.
Aliás, vamos falar de experiência? \o/
Quem diz que não dá pra comparar jogos com “experiência de vida” ignora que, pra muita gente, uma partida de 2 horas com os amigos é o momento mais vivo da semana.
Tem gente que chora assistindo Oppenheimer, tem gente que chora perdendo no TRIO. Ambos são válidos. Ambos custam. Ambos viram lembrança.
Mas também tem o inverso. Às vezes, você compra um jogo de R$400, joga uma vez, percebe que é um Excel disfarçado de entretenimento... e ele vira apoio de porta.
Enquanto isso, aquele jantar caríssimo que você quase desistiu de ir te rendeu uma conversa que mudou sua forma de ver a vida.
O problema não é comparar board game com outras coisas.
O problema é comparar com julgamento enviesado, fingindo que existe uma régua objetiva pra definir o que é “válido” gastar.
A verdade é que quem reclama da comparação geralmente está preso na ideia de que gastar com o que gosta precisa de justificativa moral — enquanto gastar com o “esperado” ganha passe livre automático.
Logo, se você trabalha e quer transformar esse suado suor em cubos coloridos, cartas plastificadas e manual traduzido com amor — você pode. E deve.
Porque a comparação não é com “coisas similares”. É com qualquer coisa que te faça viver melhor.
Se R$300 num jogo que te diverte por anos parece caro, mas R$300 num jantar que você esquece em 3 dias é “experiência”, talvez a conta não esteja no valor — e sim no julgamento.
Mas também vale o contrário:
Às vezes, os mesmos R$300 que você ia gastar num jogo lacrado que vai mofar na estante podem te dar um fim de semana olhando o mar, abraçando sua avó, ou comendo aquele prato absurdo que você sempre quis experimentar.
E aí, spoiler: talvez essa experiência valha mais do que abrir um unboxing que termina num uninteressante.
Quer gastar R$500 num jogo solo porque você mora longe dos amigos e jogar te mantém são? Maravilhoso.
Quer gastar os mesmos R$500 num show de 90 minutos porque te lembra quem você é? Incrível.
Quer comprar um jogo só pela arte, mesmo sabendo que não vai jogar tanto? Parabéns: você está comprando beleza. E beleza também vale.
Você trabalha.
Você paga suas contas. (ou não se ainda mora com os pais
)
Você tem boleto demais e tempo de menos.
Se o que você quer é uma caixa cheia de cubos coloridos que te fazem esquecer do caos por 90 minutos, isso não é futilidade — é autodefesa emocional.
Ah, e sobre o argumento clássico: “Board game é caro.”
Sim.
Tudo é caro.
Experiência é cara.
Aluguel é caro.
Ar-condicionado portátil é quase uma heresia econômica.
Você não precisa justificar nenhum deles com uma TED Talk no grupo de amigos.
Resumo não solicitado: você pode (e deve) comparar board game com o que quiser: cinema, vinho, aplicativo, micro-ondas, planta ornamental, boneco colecionável, mochila ergonômica ou até curso online de meditação com coaching.
O nome disso é viver.
E viver custa.
Escolha sua fatura com amor