Frostpunk Board Game chegou ao Brasil envolto numa tempestade de polêmicas comerciais, e isso motivou muita gente a criticar o jogo só pra tentar afundar as vendas. E não é que funcionou? O jogo chegou custando R$ 800, e logo despencou de preço, sendo encontrado lacrado por R$ 360. Eu aproveitei o flop. E vou ser direto: você também deveria aproveitar.
Por quê? Porque é um jogaço, extremamente denso, profundo e desafiador. Está barato, e provavelmente a Galápagos não vai mais trazer. Vai virar peça de colecionador, um jogo raro nos próximos anos.
O que é Frostpunk?
Frostpunk é um jogo monstruoso em todos os sentidos: nos componentes, nas decisões, no tempo, na curva de aprendizado e no espaço que ocupa. É um verdadeiro devorador de mesa, e ainda mais: um devorador de cérebros. Ele tem uma nota de 4.3 de peso no BGG, o que significa que é um dos jogos mais pesados do mercado.
É um jogo sobre sobrevivência em um mundo congelado, onde você tenta manter viva e funcionando uma última cidade da humanidade. Mas é claro, tudo vai dar errado. E é justamente aí que ele brilha.
Pra quem NÃO é esse jogo?
Frostpunk não é um jogo para qualquer um. Aliás, ele é altamente específico no público que vai realmente curtir a experiência. Ele não se encaixa nos seguintes perfis:
- Não é para eurogamers clássicos, que gostam de ficar no seu cantinho construindo motores de ponto, isolados do mundo, sem interação. Aqui não existe “ficar no seu quadrado”. Cada decisão afeta tudo.
- Não é para amerigamers padrão, que procuram por ação, magias, porrada em monstro, loot e adrenalina. Frostpunk é o completo oposto disso. Nada é rápido ou empolgante no sentido hollywoodiano. Aqui, a emoção é tensa, opressiva, densa.
- Não é para quem odeia jogos cooperativos. Se você prefere jogos de competição ou acha cooperativo chato, fuja. Frostpunk é 100% cooperativo e o sucesso depende da sinergia do grupo.
- Não é para quem odeia jogos longos. As partidas podem durar de 4 a 5 horas com facilidade, e esse tempo voa, mas apenas se você estiver imerso. Caso contrário, vai parecer uma eternidade congelante.
- Não é para quem não gosta de cartas cheias de texto. Sim, as cartas têm bastante leitura e, pior ainda, são textos que geralmente descrevem tragédias, dilemas morais ou consequências catastróficas.
- E principalmente: NÃO é para quem joga apenas para se divertir no sentido leve da palavra. Você não vai sorrir jogando Frostpunk. Você vai suar, sentir dor de cabeça, vai ficar com raiva, vai sentir o peso da liderança. O jogo é burocrático, complexo, cansativo e exige decisões duras o tempo todo.
Você vai lidar com mortes, com fome, com esperança morrendo, com corpos empilhados na neve. A diversão aqui é psicológica, sombria, tensa.
Mas e pra quem é então?
Frostpunk é um prato cheio para um tipo muito específico de jogador. É um jogo para:
- Pessoas introspectivas e analíticas, que gostam de pensar por horas a fio.
- Pessoas que não se importam em perder, mas que amam o processo, o desafio, o caminho.
- Jogadores que gostam de otimizar decisões difíceis, entender sistemas complexos e perceber sua evolução ao longo do tempo.
- Gente que valoriza imersão narrativa e temática intensa.
É um jogo para quem quer liderar uma cidade pós-apocalíptica congelada, tomar decisões dolorosas e ver, partida após partida, que está ficando mais eficiente. É sobre melhoria pessoal, resiliência, adaptabilidade. Aqui, a vitória não é o objetivo – é o bônus. O verdadeiro objetivo é sobreviver um turno a mais que antes.
Nível de desafio: absurdo
Frostpunk é um dos jogos cooperativos mais difíceis que já joguei na vida. Robinson Crusoé e Eldritch Horror parecem brinquedo de criança perto dele. Se você vencer uma partida de Frostpunk, celebre. Vá para um bom restaurante. Brinde com seus amigos. Poste nas redes sociais com orgulho. Mas já aviso: isso raramente vai acontecer.
Aqui, vencer não é o foco!
Se você vai jogar esse jogo pensando em vencer... bom, a frustração vai ser enorme. A vitória aqui é um raro e suado bônus. Se você conseguir ficar em pé depois de apanhar por uns 13 turnos, aí sim, talvez, só talvez, possa sonhar com uma vitória... que ainda vai depender da última carta do cenário, que geralmente aparece só pra girar a faca mais um pouco.
Entenda: a vitória é secundária! Aqui, o objetivo é sobreviver o máximo possível. Se você entrar no jogo com essa consciência, vai amar a experiência. Agora, se entrar esperando vitória... é melhor passar longe ou já anunciar pra venda depois da primeira partida — como muita gente fez.
Você vai perder, e vai perder muito. Mas vai perder melhor a cada vez. Vai perceber pequenas melhorias, vai refinar suas decisões, vai aprender com os erros.
Frostpunk é como a vida real. Você trabalha duro, investe tempo, energia, dedicação, e às vezes só sobrevive. E tudo bem. Porque isso também é vitória. A beleza está no processo.
Como o jogo funciona?
O jogo é dividido em turnos, e cada turno possui nove fases, todas dolorosas. Vamos lá:
- Aurora – Avance o marcador de rodada e aplique os efeitos quando ele encontrar outros marcadores.
- Manhã – Revele uma carta de evento. Algo ruim vai acontecer.
- Gerador – Abasteça com carvão. Veja quem está com frio e quem adoeceu. Jogue cubos dentro do gerador, mas se caírem na gaveta, você se ferrou.
- Clima – Revele uma carta de clima. Talvez ganhe algo. Talvez se ferre mais. Provavelmente ambos.
- Preparação – Veja quantos trabalhadores você ainda tem. Os doentes não fazem nada. A maioria estará doente.
- Ação – A parte mais estratégica. Alocar trabalhadores para construir, explorar, aplicar leis, buscar comida, montar expedições... tudo tem consequências.
- Crepúsculo – Outra carta de evento aparece. Mais caos.
- Fome – Alimente a população. Se não conseguir, prepare-se para consequências brutais. 30 alimentos por turno, fácil. Se não der, gente morre.
- Noite – As pessoas precisam dormir em abrigos aquecidos. Se dormirem no frio, adoecem ou morrem.
E aí, começa tudo de novo. É um ciclo de sofrimento e tentativas frustradas de equilibrar o caos.
Como você perde?
Existem seis formas de perder – e você vai cair em pelo menos três ao mesmo tempo:
- O povo perdeu a esperança.
- O nível de descontentamento explodiu.
- Gente demais morreu.
- A fome saiu de controle.
- A cidade está doente demais.
- O gerador explodiu.
E como vence?
Na teoria é simples: equilibre esperança, fome, calor e doenças por 12 ou 13 turnos, cumprindo alguns objetivos secundários. Mas na prática? É impossível equilibrar tudo. Se você aquece bem, falta comida. Se tem comida, o povo morre de frio. O jogo não te dá descanso. É punição atrás de punição.
Polêmica: jogo solo disfarçado?
Alguns dizem que Frostpunk é um jogo solo disfarçado de cooperativo. Eu discordo. O que ele exige é um grupo com o perfil certo: calmo, analítico, que goste de discutir, avaliar e tomar decisões em conjunto sem ego. Se o grupo estiver na mesma vibe, a experiência é sensacional.
Agora, se você joga com gente impaciente, que quer resolver tudo em cinco minutos, ou que não gosta de ser contrariado, aí sim... talvez o solo funcione melhor. Mas já aviso: jogar solo é um fardo. Você vai controlar tudo sozinho e o jogo tem MUITA coisa pra pensar e gerenciar.
Pontos a considerar:
- Minha mesa tem 90x160cm e quase não coube o jogo. Ele é gigantesco.
- É obrigatório ter insert. São muitos componentes e o setup demora 30 minutos fácil sem um.
- Cada partida leva de 4 a 5 horas.
- Você vai perder. Muito. Não jogue esperando vitória.
- Alpha player reina absoluto, mas isso é um problema comum em 95% dos jogos cooperativos.
- Imersão absurda. Você sente o peso real da liderança em uma cidade condenada.
- Estratégia e tática com profundidade autêntica.
- Desafio mental delicioso – se você gosta de jogos difíceis, vai amar.
- É uma experiência única no mundo dos board games.
Se você está procurando um jogo épico, dark, desafiador, que não perdoa erros, Frostpunk Board Game é um dos melhores investimentos que você pode fazer agora.
Ele vai sumir do mercado. Aproveita enquanto dá tempo.