Patrelcus::iuribuscacio::A autorregulação do mercado é uma falácia, já demonstrada exaustivamente, que só favorece quem detém o poder econômico.
Amigo iuribuscacio,
Acho que vc está se confundindo aqui. O que está acontecendo e acontece sempre é justamente a autorregulação do mercado. Não tem nada de falácia. O nicho dos boardgames BR é um exemplo claro.
Demanda determina o preço.
Se tem quem pague 300 reais num Forest Shuffle, então esse é o preço. Na verdade podia ser 1000, mas aí talvez a quantidade de pessoas dispostas não justificaria manter a esse preço, então se baixa a 900, ops, ainda não, 800, 700, 600, 500, 400, pouca gente.... opa, 300! Aí sim, muita gente está disposto a comprar. Pronto. Determinou-se o preço. Autorregulação de mercado na sua mais pura forma.
Inclusive eu achei engraçado quando o Lula veio com aquela do "Tá caro, não compre", porque ao dizer isso ele validou justamente a "mão invisível do mercado". Dele, conforme preconiza a esquerda, eu esperava intervenção estatal pra baixar os preços artificialmente, mas não veio.... Será nosso presidente um capitalista disfarçado? hehehe
Caro
Patrelcus
Meu amigo, entendo o seu ponto de vista e gostei da sua argumentação. Eu inclusive acho até que na teoria as coisas talvez funcionassem assim, mas apenas na teoria, porque na realidade a história é muito diferente. Mas antes de prosseguir quero te assegurar que escrevo com todo o respeito, e peço desculpas antecipadamente se eu, mesmo sem querer, carregar demais nas tintas ou me exceder, na minha contra argumentação.
Dito isso, em se tratando do mercado de board games, talvez a autorregulamentação funcionasse, ao menos em tese, se as pessoas não comprassem movidas por um imenso HYPE e um FOMO gigantesco, que são financiados e promovidos pelas editoras através de seus parceiros. Assim sendo, do jeito que você fala é como se a empresa lançasse um jogo muito caro, as pessoas naturalmente chegassem à conclusão que o jogo estava caro demais e ninguém comprasse, e com isso o jogo iria baixando até atingir o tal preço autorregulamentado ideal.
Só que não é isso que acontece, porque quem detém o poder econômico é quem dita as regras do jogo. As editoras podem simplesmente manipular as tiragens, disponibilizando uma pequena parte, para que o jogo se esgote em tempo recorde, porque existem poucas cópias disponíveis, muito menos do que a demanda. Com isso o jogo esgota artificialmente e pouco tempo depois ele reaparece nas lojas custando mais caro. Esse é o tipo de covardia a que os consumidores estão sujeitos em um mercado autorregulamentado.
Além disso, esse "acomodamento natural" do preço decorrente da autorregulação eu só vejo na teoria, porque na prática o que eu vejo, foi o desastre da Crise de 2008, causado por essa chamada autorregulação do setor imobiliário e bancário norte-americano. Essa crise, que se iniciou nos EUA, teve um efeito cascata mergulhando o mundo inteiro em uma crise, com precedentes somente vistos no crash da bolsa em 1929. Acredito que você tenha assistido, mas se não viu eu te recomendo fortemente assistir ao documentário Inside Job de 2010, e a série "Na Rota do Dinheiro Sujo", da Netflix, especialmente o episódio sobre a indústria farmacêutica. Agindo dentro da lei, e com base na autorregulamentação do mercado, empresas elevaram centenas de vezes o preço de medicamentos essenciais à vida das pessoas. No mesmo sentido, a autorregulamentação transformou a saúde nos Estados Unidos, em uma das mais caras do mundo, a ponto o Barack Obama ter tentado copiar, veja só, o nosso SUS, através do Obamacare. Em outras palavras, o Presidente dos Estados Unidos da América queria fazer algo nos moldes daquele mesmo SUS do qual tanta gente reclama, mas que não é baseado na autorregulamentação de mercado. De todo modo, esses são documentários sérios, baseados em fatos e informações reais, e não filmes de ficção como A Grande Aposta, que apesar disso também vale uma conferida.
Só para dar outro exemplo, o Brasil é o maior produtor de soja do mundo, e mesmo com a regulamentação estatal, um litro de óleo de soja custa quase R$10,00, ou até mais dependendo de onde se more. O Brasil é produtor de petróleo, mas o preço da gasolina é tão alto, mais uma vez mesmo com a regulamentação estatal, que países como o Paraguai conseguem comprar a nossa gasolina, imbutir a sua própria carga tributária, e ainda assim vender a gasolina mais barata, do que o preço do mercado brasileiro. Alguns anos atrás, os brasileiros cruzavam a fronteira para encher o tanque do carro no Paraguai, porque a gasolina (que era originalmente nossa), era mais barata do que aqui. Ainda no tema combustíveis, alguns anos atrás o GNV era tão mais barato que a gasolina, que todo mundo colocava o kit gás no carro. Isso porque os problemas que o GNV poderia gerar no veículo eram compensados, pelo preço muito mais barato. Só que hoje a diferença do GNV para a gasolina não é tanta assim, e o desgaste do carro não compensa. Isso faz com que o GNV seja muito menos procurado do que antes. Segundo a sua teoria, como as pessoas não estão comprando GNV o preço deveria ter voltado à época em que ele era muito mais barato, mas não foi isso que se viu.
Agora imagine como seriam os preços da soja, da gasolina e do GNV, se não houvesse uma mínima regulamentação estatal. As pessoas literalmente estariam voltando a cozinhar com banha de porco, o que inclusive talvez fosse mais saudável, porque ninguém sabe o que se coloca no óleo de soja hoje em dia.
Mas ainda tem outra coisa que mina essa sua teoria de aplicação da autorregulação na sua mais pura forma. A Galápagos é uma só, e os consumidores milhares. Considerando isso, para que o seu exemplo funcionasse, todos os consumidores, ou uma grande parte deles teria de pensar e agir da mesma forma e deixar o jogo baixar, até atingir o seu preço de mercado ideal autorregulamentado. Mas as pessoas não pensam igual, não tem as mesmas condições sócio econômicas, nem os mesmo gostos, o que inviabiliza essa ação conjunta como forma de influenciar na autorregulamentação do mercado. E se isso não fosse o bastante, o público consumidor ainda têm de lidar com fatiamento de mercado, manipulação de tiragens, muito HYPE e muito FOMO, financiado pelas editoras, que desse modo acabam moldando o mercado sempre no seu benefício. Não fosse assim, os jogos não teriam preços altíssimos no lançamento, não haveria uma cacetada de vídeos saindo quase que ao mesmo tempo promovendo o jogo, só para ver esse preço despencar, depois que a onda passasse e o "jogo da vez" fosse outro.
É por isso que eu digo que autorregulamentação de mercado só é bom para quem detém o poder econômico, porque para quem está do outro lado da corda isso sempre foi um péssimo negócio. Basta dar uma olhada na situação da sociedade brasileira, onde a grande maioria da população consome quase que o mínimo para a subsistência, e onde o consumo baseado na exclusão é uma realidade. Está aí o mercado de board games que não me deixa mentir.
Por fim, numa boa, no caso do mercado de board games, que segundo a sua opinião (bem defendida por sinal, mesmo eu não concordando), até hoje eu só vi as editoras levando vantagem, só elas e mais ninguém. Por isso, talvez a falácia não seja de que não haja autorregulamentação, mas sim de que ela seja benéfica para ambas as partes, empresas e consumidores, e muito mais ainda, de que estes últimos tenham alguma possibilidade real e viável (não o velho "se ninguém comprar...", porque já está mais do que claro que isso só funciona aqui nos comentários do Ludopedia), de mudar o cenário atual do mercado nacional de jogos.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. Em tempo, e mais uma vez numa boa, eu te pergunto se você realmente acha que a autorregulamentação que você defende é uma coisa boa para você e para as outras pessoas ao seu redor, que compram board games? Você realmente acha que os preços atuais dos jogos são justos e de acordo com o que eles entregam? Você realmente acha que está tudo bem com o mercado de jogos e que ele está indo de vento em popa, tanto para as editoras e para os compradores? Porque, com toda a sinceridade, meu camarada não é isso que eu vejo, e acho que muita gente concorda comigo...