fantafanta::Patrelcus::Gostei muito desse relato, e de fato isso reflete uma tendência de muitas indústrias.
Mas só gostaria de apontar que não creio que MVP seja aplicado numa base regular na indústria dos boardgames. E nem o teu segundo exemplo, o do brigadeiro.
O que mais vejo é o fracionamento do jogo em base e expansão. Com certeza o jogo já é concebido desta forma, com quais partes podem ser retiradas do produto base para serem depois vendidas à parte. Parece um pouco com MVP, mas não é.
Acho que a indústria de boardgames se diferencia das outras justamente porque cada novo jogo é "artesanal" no sentido de que é uma nova obra de criação. E é claro que numa indústria que cresceu tanto vão existir criações maravilhosas e outras nem tanto, com a maioria caindo na mediocridade e esquecimento.
Olá, Patrelcus! Tudo bem?
Que bom que curtiu meu relato e que bom que trouxe algumas questões para discutirmos! Eu gostei da sua provocação e por isso vou fazer a minha réplica.
Você não vai encontrar muitos relatos dessa prática de elaboração de MVP no meio dos boardgames. Não com esse nome pelo menos. Porém, na realidade, as empresas de jogos obedecem à mesma lógica de produção. Talvez apenas não tenha ficado bem claro na minha explicação anterior. Você certamente já ouviu falar da "prototipagem" dos jogos, não é mesmo? Para reduzir bastante o meu argumento, o MVP nada mais é que um produto final que se "aproxima" do protótipo, encurtando a distância entre a prototipagem e o lançamento por meio de cortes no processo de desenvolvimento, sob a justificativa de que há "excessos" ou aspectos do produto que são irrelevantes para os jogadores. Algumas editoras são notórias por adotar essa prática e está evidente que levam essa política bem a sério, mesmo que elas não deixem isso transparente para os clientes. Um dos reflexos disso é a existência de inúmeras edições de um mesmo jogo, em relativo curto espaço de tempo, com alterações para "correção" de regras e "balanceamento". Fantasy Flight, GMT, Stonemaier e Splotter são algumas que eu lembro de cabeça agora e que claramente fazem uso de desse recurso. A priori isso não é necessariamente algo ruim... dentro do contexto que vivemos é até esperado. O que estou tentando demonstrar apenas é o quão isso pode ser limitador e prejudicial para a criação e elaboração de "novos" jogos e o porque de termos tantas experiências frustrantes no hobby, que são decorrentes disso.
Há maneiras de mitigar, contornar e até mesmo reverter a situação. Porém acho que essa é outra discussão! hehehe
Já sobre o brigadeiro, tenho algumas coisas a dizer. Segundo o SEBRAE:
"A gastronomia é uma atividade classificada como economia criativa que nada mais é do que o conjunto de atividades ligadas à criatividade, cultura e tecnologia que geram receitas. Fazem parte do campo criativo da gastronomia, além das criações na cozinha, outras atividades correlatas como a produção de alimentos, a agricultura urbana, inclusão social, entre outras"
A gastronomia e a produção de jogos são práticas econômicas como outras quaisquer. Estão submetidas à mesma lógica de mercado e partilham desse elo "criativo" em comum. Inclusive há uma série de restaurantes cujos funcionários fazem treinamento ou obtém consultoria do SEBRAE para a montagem de planos de negócios, gestão financeira e veja só, elaboração de MVP! Assim como outras ferramentas de negócios. A questão aqui não é nem tanto se alguém utilizou essa ferramenta ou não na elaboração de um brigadeiro! Seria como usar uma bazuka para matar um mosquito! rs O ponto é que essa lógica está entranhada na filosofia do empreendedorismo e não tem muito como escapar dela, na atual circunstância, se você joga as regras do jogo. É algo que está intimamente ligado ao sistema econômico em que vivemos. Inclusive, apenas como anedota, já vi apresentações de MVPs de brigadeiro e até de calcinha! Por aí você tira como são as coisas... rs
Há um livro chamado Das coisas nascem coisas, cujo autor é Bruno Munari, um dos responsáveis por elaborar a teoria do Design, em que se traça um paralelo da ação de projetar e criar com a realização de uma receita de arroz verde. É muito famoso no meio justamente por ter feito essa alegoria em 1981.
O terceiro ponto é que a indústria de boardgames não é artesanal! rs Eu não concordo muito bem com o sentido que você quis aplicar... É claro que há etapas da elaboração que são manufaturadas, o que pode se confundir com artesanato. Não são a mesma coisa. Assim... nada impede que exista um jogo cuja elaboração e produção seja completamente artesanal, mas sinceramente eu desconheço algum que atualmente seja feito dessa forma. Você pode me citar alguns exemplos? Isso é algo até curioso, vale uma boa pesquisa. Hoje a produção de jogos é fortemente "maquinofaturada", automatizada mesmo. O processo criativo é fortemente condicionado e cerceado por esses processos. Ao ponto de que muitos Designers sequer tem acesso ao processo produtivo e estão completamente subordinados aos departamentos de Marketing das empresas. Talvez você esteja pensando que o criativo é alguém que está isolado, encastelado em sua torre de marfim, que tem uma ideia genial e então simplesmente a coloca em prática de forma independente. Mas não é bem assim. Na verdade é bem oposto disso.
Você comentou a respeito dos melhores jogos de 2024 e também de outros que gostaria de experimentar. Eu não vejo como eles fogem à regra alguma do que eu disse anteriormente. Nenhum deles representa uma mudança estrutural nas mecânicas dos jogos, por exemplo, e muito menos conseguem romper com a lógica ou paradigmas preexistentes na indústria. Talvez o que se aproxime mais disso seja o próprio Arcs, muito aclamado e já premiado por ser um jogo bastante inovador. Será que a longo prazo ele terá o mesmo impacto que Catan ou Carcassonne tiveram para o hobby? E mesmo esses não são assim tão mais aclamados hoje em dia...
Eu também posso listar uma pá de jogos entre os já citados, tais como Salton Sea, Duelo pela Terra-Média, Harmonies, Let's go to Japan, Saltfjord, Cascadero, Rock Hard, Daitoshi que, falando francamente, são mais do mesmo! rs Pelo menos na minha visão. rs Isso não faz deles maus jogos. Em alguns casos são até muito melhores que seus predecessores. Eles refinam e tornam mais sofisticadas experiências anteriores. Normal. Mas sei lá... podem ser totalmente esquecíveis... ou apenas irrelevantes justamente porque se confundem e se perdem em meio a tantos outros parecidos. Na verdade o ponto é que não importa muito se você tem um ou outro, as diferenças entre os jogos, dentre de seus gêneros, são cada vez mais sutis, de tal modo que tanto faz qual deles você compre. Vai se divertir de qualquer forma. Agora, tudo isso levanta uma discussão acerca de estratégia de cauda longa, F.O.M.O. e hyppe que vem cada vez mais atrapalhando a diversão no nosso hobby.
Espero ter sido cordial e fico à disposição para debater mais! hehehe
Excelentes pontos levantados.
Primeiramente observe que no meu texto abaixo, nada disso é endereçado a ti especificamente, a menos que explícito no texto.
Acho que divergimos somente na questão conceitual. MVP e playtest pode se confundir no caso de boardgames.
Playtests internos quando o jogo ainda está nos estágios iniciais de desenvolvimento não configuram MVP. Mas se um protótipo já funcional (simulando o lançamento real do produto) é testado com vistas a fazer ajustes para lançar o produto final, aí sim seria MVP.
Reedições que incorporam sugestões, correções de erros, faqs, não configuram MVP.
Mas independente de qualquer coisa, como vc disse, sempre que há a possibilidade de maximização dos lucros, todas as técnicas de mercado serão utilizadas. Só nunca me pareceu comum na indústria dos boardgames o lançamento prévio de uma versão imatura, para posterior lançamento da versão definitiva.O que vemos são jogos finalizados, que pelo seu sucesso dão margem a que as empresas "espremam a laranja até o bagaço", criando variações sobre o mesmo tema. Como os infinitos Ticket to Ride, Catan, Monopoly, Risk, etc...
Quanto ao caso do artesanal, acho que não me fiz entender. Quis dizer que é artesanal a criação e concepção do jogo. É feita pelos designers nos estágios iniciais e só depois passa para as editoras, e mesmo nas editoras é um trabalho feito por poucas mãos. Quis evocar a diferença entre, por exemplo, o Cole Wehrle e a Wehrlegig lançarem um novo jogo e a Chevrolet lançar um novo carro. Concordo que o processo criativo é influenciado pelas editoras, mas discordo do nível dessa influência. De fato, não precisa ser um cara numa torre de marfim, mas também não é um hijacking do conceito pela editora.
Mas só a título de curiosidade na questão de artesanal, no sentido de que quase tudo é feito pelo designer, me vem à cabeça o Marcos Macri no Brasil e o Alban Viard no exterior (designer do Clinic).
Quanto ao seu último comentário, minha intenção não foi listar jogos que fugissem a alguma regra (teve alguma regra?). Vi uma percepção pessoal, daí apresentei a minha percepção pessoal também. Como eu disse, eu não me importo com que os jogos tenham diferenças sutis. Eu consigo perceber a minha diferença na experiência de jogar cada um deles. Por exemplo, minha mecânica preferida é worker placement. Há uma diferença enorme entre Everdell, Lords of Waterdeep e Stone Age. Mas acho que isso se deve porque considero o jogo um sistema fechado e não a fragmentação das suas partes.
Se sua percepção é a de que jogos como
Salton Sea,
Duelo pela Terra-Média,
Harmonies,
Let's go to Japan,
Saltfjord,
Cascadero,
Rock Hard, Daitoshi são mais do mesmo, só tenho a dizer: "que bom pra ti!" Porque no meu caso ainda é muito dinheirinho saindo da carteira kkkkkkkkkkkkkkk
No fim o que importa é que cada um extraia do hobby o que os deixa mais satisfeitos. NO ENTANTO, a parte que me irrita é quando as pessoas reclamam disso, dessa proliferação de novos jogos, como algo negativo num tom do tipo: "a indústria deveria parar com isso." Ou o argumento de que isto estaria cerceando a criatividade por causa do consumismo.
Discordo veementemente. Todos os anos a indústria cinematográfica lança vários blockbusters com o intuito de pegar dinheiro do grande público. Isso impede que saiam filmes com histórias surpreendentes e inovadoras? Ou filmes de arte? A música pop impede que saiam álbuns de altíssima qualidade e aclamados todos os anos? Os livros de sagas estilo Crepúsculo (perdão a quem gosta), impede que novos clássicos sejam escritos a cada ano? Neste sentido não vejo como negativo nenhuma das estratégias que vc menciona ao fim do texto.
Então acho que vai de cada um. Se a pessoa quiser ser o comprador que só compra o jogo inovador, revolucionário, diferente de tudo em sua coleção, vai fundo! Faça sua pesquisa, seu garimpo e adquira somente esses jogos. Ou melhor ainda, não adquira e economize jogando o de um amigo como eu, que com certeza vou comprar o filme de arte e o pipocão também! kkkkkkkkkkk
Em suma, obrigado pelo debate e pelos conhecimentos compartilhados. Por favor, interprete apenas como uma sucessão de argumentos, respeito absolutamente sua opinião, embora divirja em vários momentos. Muito bom ter esse tipo de análise aqui na Ludo. Por mais tópicos como esse!