Primeiramente os meus parabéns! Esse talvez tenha sido o episódio mais legal do podcast até agora.
Você levantou muitos pontos interessantes, que por sua vez puxam muitas discussões boas!
Nem sei por onde começar a comentar, mas uma coisa que você falou me chamou atenção: catalogar ou generalizar jogos de destreza a partir de mecânicas diretamente relacionadas ao verbos foi uma sacada realmente muito boa! Só que ao ao mesmo tempo isso me deixou um pouco pensativo e confuso, pois acaba deixando meio nebulosa a definição do que é um"jogo de destreza" e até mesmo do que vem a ser um jogo.
Por exemplo, jogos de empurrar, empilhar, equilibrar e "petelecar" são até comuns... mas é possível que existam jogos com mecânicas mais inusitadas como... assoprar, girar, pular, correr, apontar... e outras ainda mais bizarras como... digitar, respirar, piscar e até mesmo dormir?? Sim, é possível. Eles já existem aos montes na verdade, mas não são necessariamente jogos de tabuleiro e esse é o ponto que quero levantar. Jogos de destreza desafiam os nossos conceitos pois eles estão localizados na fronteira entre aquilo que se pode definir como um jogo, um esporte ou brincadeira. Para referenciar o argumento do colega tuliobarros, essa é realmente uma discussão ontológica. E para não ficar em cima do muro, na minha visão, o que diferencia jogos de destreza dos jogos de tabuleiro mais "convencionais" é simplesmente o fato de... existir um tabuleiro em primeiro lugar. Em segundo lugar, mas não menos importante, o fato de existir um foco claro no desafio de coordenação motora e não no raciocínio lógico dedutivo.
Eu não considero Crokinole, Futebol de prego, Klask e Pitch Car jogos de tabuleiro. Para mim não faz muito sentido colocá-los no mesmo balaio de Xadrez e Terra Mystica porque eles aguçam competências e habilidades de naturezas diferentes.
Por outro lado seria muita ingenuidade ou má fé da minha parte não reconhecer a existência de estratégias, táticas, planejamento e metajogo em jogos de destreza! Como eu falei, acredito que esse apenas não é o foco principal da coisa.
Eu curto jogos de destreza no geral, me divirto muito com eles, mas precisamos tirar o elefante branco da sala: acredito que a comunidade do nosso hobby não valoriza os jogos de destreza por puro preconceito ou incompetência. Nesse caso, falando francamente, os jogadores do nosso hobby no geral não são reconhecidos pelos seus talentos e aptidões físicas. Esse desdém que muitos demonstram revela, para mim, que há uma certa inveja ou ranço daquilo que não conseguem dominar, uma dificuldade em admitir que algo esteja fora do seu controle. Há também uma dualidade na qualificação da divisão do trabalho, entre o manual e o intelectual, que é permeada de contradições e que de alguma forma se reflete em nosso hobby, altamente elitizado, composto de pessoas educadas para se apropriar do trabalho manufaturado. Dessa forma as atividades de lazer que compreendem realizar algo manualmente são categorizadas como atividades "inferiores" ou indesejáveis. Às vezes como um passatempo e, justamente por isso, quase sempre ficam relegadas à nossa infância, quando temos mais tempo para experimentar e descobrir o mundo com menos amarras. Enquanto isso, jogos de planejamento podem ser compreendidos como treinamento para a realização do capital e não por acaso muitas vezes são vistos como "trabalho". Não é preciso dizer que essa divisão tal como está configurada é uma grande bobagem e que serve a manutenção de relações de poder pré-estabelecidas.
Enfim, essa conversa vai longe... espero ter contribuído de alguma forma com o debate.