BrunoJoani::Bruno Marchena::Lembrei do tema do Brazil Imperial, um desserviço. Dou nota baixa sim pelo tema, por que não daria? De onde tiraram a ideia de que há uma soberania da mecânica em detrimento de outras características dos jogos, como o tema?
Conheço dezenas de ameritrashers que não suportam jogar xadrez por achar "frio" de tema, mecânico demais e scriptado (com muitas aberturas e outras jogadas já padronizadas). Eu amo xadrez, mas eles estão errados? Se a variável de maior peso para eles for o tema, a resultante final numa avaliação do xadrez partindo de seus gostos pessoais será uma nota baixíssima. E tudo bem!
Eu amo jogos históricos e peso muito o tema nestes casos. Eu olho um jogo histórico dando centralidade ao tema e vejo se as mecânicas escolhidas engrenam bem com o desenvolvimento histórico do jogo, e não o contrário. Tento ver se há uma boa historiografia embasando as decisões do designer e se algo está incoerente demais com o que já se tem de informação historiográfica sobre o jogo. Wargamers, por exemplo, costumam também ser muito exigentes neste quesito.
Já num jogo do Feld, por exemplo, peso muito mais a avaliação na mecânica e na fluidez das relações dos vários "mini games" que ele concatena em sua obra. Se o jogo dele é sobre fadas acendendo fogueiras ou sobre uma escola de bruxas em ilhas, isso talvez considere pouco em minha avaliação.
Já jogos que trazem uma carga de apologia ou de sustentação do discurso que embasa preconceito, racismo, genocídio ou etnocídio, eu já avalio mal a obra logo de cara e pouco me importam as mecânicas, até porque pra mim tenho certeza que acharia facilmente jogos mecanicamente similares e bons o suficientes e que não trazem esse viés social e politicamente problemático. Nestes casos, mudo a escala de análise e penso nos impactos sociais dos board games que, ao contrário do que muitos pensam, vão além de proporcionar momentos de lazer e descontração. Na minha formação pessoal aprendi que não há lugar de diversão quando a ferramenta de diversão sustenta a dor alheia.
Caso seja um jogo infantil, meus critérios já são outros. Leo vai ao barbeiro, por exemplo, usa uma mecânica de jogo da memória, muito criticada nos jogos modernos (e com uma tendência de desuso?), mas para a idade a quem se propõe o jogo ele desenvolve habilidades cruciais à faixa etária, como a combinação de uma gestão de mão, planejamento de riscos de curto prazo, cooperação, diálogo e uso da memória, muito importantes para o desenvolvimento infantil. Como é um jogo para crianças pequenas, posso avaliá-lo com uma nota muito mais alta pelos motivos que expus que um jogo do Feld, que pode até ser mecanicamente mais redondo e complexo que o jogo infantil.
Posso jogar um wargame sobre a Guerra Civil Espanhola mecanicamente perfeito, mas com várias pedradas grosseiras na parte histórica. Como o que me diverte nos jogos históricos é a sensação de estar revivendo o momento histórico e aprendendo com o jogo sobre o desenrolar dos conflitos e os diversos vieses políticos em disputa, eu daria uma nota baixíssima a esse jogo pela baixa qualidade da retratação temática/histórica. E não terá mecânica perfeita que me trará diversão com ele.
Trouxe esse relato só para mostrar como não há e jamais haverá objetividade e equilíbrio nos pesos das variáveis que um jogador usa para avaliar suas experiências com jogos. Isso continua e continuará sempre impossível de ser feito.
É claro que muitos cristãos irão rechaçar um jogo sobre o inferno, historiadores praguejarão sobre jogos de proposta histórica porém deveras inverossímeis, assim como muitos monarquistas irão pavonear um jogo de tabuleiro que idolatra imperadores portugueses e colaboracionistas num período de escravagismo no Brasil.
Individualistas dirão que se você sofre com o tema de um jogo por ele fazer você reviver uma dor que você injustamente já sofre cotidianamente, basta simplesmente não o jogar. Outros dirão que é importante fortalecer um sentimento de comunidade em nosso hobby e que para isso é importante sermos inclusivos e termos empatia, e estes elogiarão as alterações temáticas como a de Mombasa, por exemplo.
As avaliações sempre terão esses disparates, fruto da heterogeneidade que é a nossa sociedade, cheia de congruências e divergências. Não tem para onde correr!
Diante disso, que perpassa por uma série de questões éticas e morais de tendências ideológicas diversas, talvez o menos importante de tudo seja uma mera nota. A centralidade da discussão talvez devesse estar num outro lugar.
Abraços
Seu texto é bom e relevante. Mas houve uma pequena confusão: Em nenhum momento foi dito aqui que está errado alguem dar uma nota ruim por conta do tema. O ponto que você levantou foi o QUANTO o tema casa com a proposta e mecânicas do jogo, tanto que citou ameritrashers que odeiam Xadrez por ter um tema totalmente desconexo com o jogo, e isso eu acho totalmente válido. Isso sim seria uma avaliação sincera e coerente.
Mas o problema aqui não foi esse. As avaliações e manifestações a respeito do Inferno quando citam o tema, não foram como se dissessem "não achei que o tema casou bem com as mecânicas" ou "não achei que o tema foi fiel à obra a qual o inspirou". Foi algo mais perto de "não conheço o jogo, nunca vi, não sei nem do que se trata, mas estou dando 1 porque fala de Inferno." Teve gente aqui no fórum mencionando desrespeito com a fé alheia, como se tudo girasse em torno do seu próprio mundo, das suas próprias crenças. O negócio não tem nada a ver com o Inferno Cristão, ou o Inferno de qualquer outra religião. É apenas um conto literário, com figuras mitológicas.
Agora, se você acha válido e interessante dar notas sem conhecer, apenas porque o nome do jogo não o agradou, aí entramos em um impasse. Vamos ficar discutindo aqui eternamente. Se for o caso, é melhor concordarmos que você acha válido avaliar coisas sem conhecimento, e eu não acho.
Olá!
"Queria entender o motivo de alguns bloquearem totalmente a ideia de jogar o jogo pelo tema".
Meus comentários foram centrados nessa primeira frase da postagem original deste fórum. Tentei trazer reflexões para ver se a gente junto consegue entender melhor o motivo de alguns bloquearem totalmente a ideia de jogar um jogo pelo tema. Nem sempre é preciso jogar o jogo para saber de que tema ele trata ou com qual viés de análise o tema é tratado. Leituras de manual combinadas com análises de playthrough, por exemplo, já podem ajudar bastante e já podem dar uma ideia bem clara sobre isso.
Mas para que fique claro, sou também completamente contra qualquer avaliação sem conhecer ao menos o básico sobre o assunto do qual se fala.
Abraços