Antes de ter um podcast, ou um canal no YouTube, criar conteúdo sobre jogos ou mesmo jogar com tanto afinco, sempre gostei de escrever. Sinto que com o tempo a arte da escrita é cada vez mais subestimada, confesso que mesmo eu sinto dificuldade em ler review atrás de review, ou mesmo textos analíticos e profundos, mas, torcendo para que mais pessoas não sejam como eu, resolvi escrever também por aqui.
Apesar de que devo falar sobre esse assunto em outros conteúdos, para quem é de texto, vamos de texto. Hoje quero falar sobre minha experiência após ter jogado 1000 jogos (e contando). Sempre gostei muito de desafios, em especial desafios que sei que não serão fáceis, mas são possíveis. No passado, por exemplo, me desafiei a assistir mais de 1000 filmes e listá-los em um sistema que usava no meu Raspberry Pi, e consegui (na verdade ultrapassei a marca dos 2000, com uma coleção de aproximadamente 2500 - que perdi junto com um HD que queimou). Também decidi arbitrariamente que queria ouvir um álbum de música de cada país do mundo (alguns países que eu nunca tinha ouvido falar ainda não consegui, mas ainda quero retomar essa maluquice). Por fim, hoje sempre que compro um jogo de videogame, 99% das vezes eu busco a platina, às vezes, até além dessa platina. E nos jogos de tabuleiro não foi diferente.
Recordo-me que alguns anos atrás assisti um video do AfterMatch falando sobre ter jogado 600 jogos e também outros conteúdos sobre jogar quantidades que na época pareciam absurdas, os top 100 no Coelho e posteriormente no Covil, e aquilo acendeu um chama fútil mas ao mesmo tempo promissora de que, para que eu tivesse realmente ideia do que era ou não top pra mim, eu precisava minimamente jogar 500 jogos, mas 1000 seria a quantidade ideal. Num top 100, ao jogar 1000 jogos, eu eliminaria 9 a cada 10 jogos, o que me pareceu uma quantidade razoável. Fazer um top 100 com 200 jogados não me parecia uma ideia correta. A amostra precisava maior. Mas tirando os tops de lado, eventualmente, depois de muitos anos jogando, chegamos a essa marca de 500 jogos, e poucos anos depois, a marca de 1000 jogos.

Hamster Roll, jogo 1000
Recentemente, para um conteúdo que pretendo lançar no podcast, comecei a fazer o meu novo top 50, eliminando 19 jogos a cada 20. Excelente. E para isso, estou usando a ferramenta
PubMeeple, em que você lança uma lista de jogos, cadastro do BGG ou como preferir, e então o sistema sugere um número de comparações entre dois jogos com base na quantidade que você colocou. No meu caso, são 5000 comparações aproximadamente - e estou longe de acabar. Enquanto faço essas comparações, me peguei refletindo sobre alguns pontos muito importantes dessa jornada dos 1000 jogos, principalmente se comparada com a jornada dos 500.
Quantidade x Qualidade
Me perguntaram se dentre esses 1000 jogos, qual era a porcentagem de jogos “lixo”. Não gosto de utilizar esse termo para descrever jogos, apesar de alguns me parecerem ser dignos do termo, mas se for pensar na porcentagem de jogos que eu jogaria novamente vs a quantidade de jogos que não jogaria, sem dúvida tem muito mais jogos que eu NÃO jogaria novamente.
Isso porque nessa jornada, eu quis jogar de tudo, não recusar nada, experimentar. Sem dúvida essa experimentação trouxe a tona com muito mais vigor aquilo que se destaca. Quando jogo um jogo que realmente eu quero jogar de novo, e acho muito bom, ele emerge dentre centenas de caixas. Imagine uma piscina de bolinhas, em que cada caixa de jogo nova é uma bolinha, mas dentre centenas de bolinhas, uma delas tem um prêmio dentro, que é aquela experiência que faz você pensar o quão bom é jogar.
Fazendo as comparações no PubMeeple, boa parte do tempo não estou comparando jogos que eu gostaria de jogar mais do que outro, mas me parece que passo mais tempo escolhendo entre o menos pior, reflexo de jogar, jogar e jogar, sem fazer um filtro, mas será que, ao filtrar jogos, eu teria encontrado alguns dos que hoje considero meus jogos favoritos?
Esses jogos que não jogaria novamente tem diversas origens. Existem jogos nacionais, feitos por brasileiros, novos ou velhos, existem jogos importados, que nunca foram cogitados lançar no Brasil, hypes que me decepcionaram. É uma amostra bem mista. Minha conclusão é a mesma de antes de chegar aos 500: existe um abismo entre jogar e comprar, ainda mais considerando os preços atuais. Valorize os jogos que você gosta, pois talvez aquele jogo que você jogou em 2018, ainda seja melhor do que muitos dos jogos lançados depois dele.
Ding, vaza que olha, ainda bem que todo mundo concordou em encerrar kkkk
Estilos e preconceitos
Comecei a enxergar os jogos de tabuleiro da forma como um leitor ávido desse site enxerga com o Zombicide. Descobri os jogos narrativos e os “ameritrashes” e logo vieram termos como eurogame, party game, escolas de designs e outros. Inicialmente, eu achava que eu seria o cara do amei, que a pegada era colecionar Zombicides, centenas de miniaturas, cooperar e batalhar em mapas e dungeons, mas não apenas estava enganado que todo jogo agradaria meu grupo, mas também que havia vida fora da caverna do Zombicide.
Eu já tinha alguns jogos em casa, como Hanabi, Deep Sea Adventure, Saboteur, alguns importados desconhecidos, mas não caracterizava aquilo como uma coleção. Eram jogos que a gente tinha que eram fáceis de levar pra lá e pra cá. Com a compra de um Carcassone ali, um Azul aqui, um Catan, um Burgundy, outras portas começaram a se abrir.
Depois de 1000 jogos, percebi que eu não tenho como escolher um estilo favorito de jogo. Talvez hoje eu tenho buscado muito mais por jogos de vaza, mas isso não tira o brilho de ter conhecido Sleeping Gods esse ano, ou conseguido um Ora et Labora, ou ótimas experiências com o Ito. Sempre que encontro um novo jogo, não olho mais por autor, estilo, mecânica. Se está disponível para jogar, e eu tenho o tempo e as pessoas pra jogar, bora jogar!
Quem diria que seria uma aventura e tanto no Sleeping Gods!
Sem dúvida algumas pessoas vão se identificar mais com um estilo ou outro. Conheço muitas pessoas que só de ouvir a palavra party já se contorcem na cadeira, ou alguns amigos que se eu falo que o jogo é um euro eles nem olham mais para a caixa, como se fosse alguma blasfêmia. Acontece. Se você se identifica com isso, sem dúvida tem seus motivos, alguma joga que foi desastrosa, alguma mecânica que estragou a noite. Paciência. Mas se puder, sempre jogue o que tiver, os jogos sempre podem surpreender.
É só um número
Acho que quantidade muitas vezes é usado como carteirada para chancelar alguma opinião, principalmente em detrimento da opinião alheia. “Você não sabe o que está falando, eu sei porque já joguei 1000 jogos”. Jogar e estudar também são duas coisas diferentes. O intuito de jogar pode ser diferente entre as pessoas. Alguns querem competir, outros querem se divertir, tem quem se diverte competindo, tem quem se estressa se divertindo, também é algo muito pessoal e complicado de julgar, mas se tem uma coisa que é fácil de afirmar é que 1000 é apenas um número, é um fato, são 1000 unidades e é isso.
Ter jogado 1000 jogos no fim das contas para mim é um desafio cumprido, um obsessão maluca, fútil, divertida e dispendiosa, uma diversão que fechou com um número, mas que continua contando. Já joguei mais uns 15 jogos após os 1000 e tem mais uns 15 esperando na fila para serem jogados. Talvez quando chegar nos 1500 alguma coisa especial aconteça na minha cabeça fissurada por esses números, ou talvez só nos 2000, mas agora me resta um sentimento de que talvez o desafio não faz tanto sentido numericamente falando.
Como comentei, entre os 500 e os 1000 jogos, pouca coisa realmente se destacou e isso foi uma pequena decepção. Conhecer muitos jogos foi legal, mas esperava encontrar mais jogos que se tornassem meus top 50. Talvez algo tenha mudado no valor que eu dou para determinado jogo que antes não dava, ou tenha encontrado algo extremamente impactante, mas o esforço sem dúvida foi grande para encontrar essa emoção.
Assim como na música hoje eu tenho uma busca homérica para encontrar novos sons que se destaquem mais do que o que já ouvi nos últimos 30 anos, nos jogos de tabuleiro a busca pelos 1000 jogos também tem raiz na mesma premissa de que não consigo aceitar que não conseguirei repetir certas emoções de jogos que já joguei e mudaram a minha vida, ou álbuns de música que ouvi e ainda ouço, centenas e centenas de vezes no repeat até se encher e pensar “Será que existe algo para mim, melhor do que isso que já tenho?”
Mas se levar em consideração que a busca é mais importante que o objetivo e encontrar o jogo perfeito seria o fim, quero finalizar este texto com uma frase maravilhosa que encontrei num lugar muito inesperado, um anime (Bleach):
“Qual o significado de algo perfeito?
Nenhum! Eu tenho aversão a perfeição!
Se algo for perfeito, não há nada acima disso.
Não haveria espaço para a criação.
Significa que não poderíamos usar a inteligência ou
talento! Consegue entender?
A perfeição é uma desgraça para todos nós..."
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Se curtiu o texto e quer que eu desenferruje a escrita para seguir escrevendo alguns textos aqui, seja textos assim ou mesmo algum review diferente, comenta aí e dá um feedback.