
O mercado de board e card games vive um momento de efervescência, com milhares de novos títulos lançados anualmente. Só no Brasil, mais de 300 jogos chegam às prateleiras a cada ano, um número impressionante que reflete a paixão e o crescimento deste hobby. No entanto, esse volume massivo de lançamentos parece atender principalmente a uma bolha específica: a dos colecionadores ávidos por novidades.
Para os jogadores eventuais, como pais e filhos que se reúnem em torno de uma mesa de jogos nos finais de semana, a realidade é bem diferente. A diversidade de títulos experimentados por esses grupos é limitada, não apenas pela questão financeira, mas também pela disponibilidade de tempo para explorar tantos jogos. Na minha experiência, como um colecionador inicial, percebo o desafio de jogar títulos ainda não explorados com minha família, especialmente quando há uma re-jogabilidade alta dos nossos favoritos. Recentemente, por exemplo, temos jogado quase exclusivamente o jogo de cartas chamado "Cabo", que se tornou um sucesso em nossa casa.
Essa dinâmica, onde a re-jogabilidade prevalece, limita a experimentação de novos jogos, mesmo que eles já estejam na coleção. E essa não é uma particularidade só da minha família; muitos jogadores ocasionais que conheço passam pela mesma situação. Isso reforça a percepção de que o mercado de board games está voltado principalmente para os colecionadores, aqueles que estão sempre em busca do próximo lançamento.
Os criadores de conteúdo, especialmente no YouTube, parecem seguir essa mesma linha, focando quase que exclusivamente em divulgar novos jogos. Entendo que essa abordagem parece colocá-los, de certa forma, como reféns das editoras, que supostamente exigem uma cobertura imediata dos seus últimos lançamentos. Mas isso levanta uma questão: o que mais pode ser feito? Criar conteúdo repetido sobre jogos já abordados, como gameplays ou tutoriais, pode parecer um desafio, mas talvez existam outras possibilidades. Explorar estratégias avançadas, criar desafios ou até promover torneios online para jogos já estabelecidos, podem ser consideradas algumas sugestões.
Mesmo os jogos premiados e populares parecem ter uma vida curta no mercado, muitas vezes esgotando-se rapidamente e sem chance de reimpressão, caindo em um limbo após os holofotes iniciais. Esse fenômeno levanta uma série de questões intrigantes: como é possível que jogos que receberam tanta atenção e que, em muitos casos, viraram febre mundial, desapareçam das prateleiras tão rapidamente? E, mais importante, qual o real motivo por trás disso? Existe alguma estratégia deliberada das editoras nesse sentido?
Para entender essa dinâmica, é preciso considerar alguns fatores que influenciam o ciclo de vida dos jogos de tabuleiro e cartas. Primeiramente, o mercado de jogos de tabuleiro é um nicho que, embora em crescimento, ainda enfrenta desafios significativos em termos de produção e distribuição. As tiragens iniciais de muitos jogos, mesmo os premiados, são geralmente limitadas. Isso ocorre porque as editoras precisam balancear o risco financeiro de produzir em larga escala com a incerteza da demanda real. Mesmo quando um jogo se torna popular, a produção adicional nem sempre é imediata ou garantida, seja por questões de custo, capacidade produtiva, ou mesmo por uma estratégia de criar escassez para aumentar a demanda e o valor percebido.
Outro aspecto a considerar é o ritmo acelerado de lançamentos no mercado. Com milhares de novos jogos sendo lançados a cada ano, há uma pressão constante para que as editoras foquem em novos produtos, muitas vezes relegando jogos antigos, ainda que populares, a segundo plano. Isso pode resultar em uma falta de reimpressões, pois o mercado está constantemente olhando para o próximo grande lançamento, deixando pouco espaço para jogos que já tiveram seu momento de destaque.
Há também a possibilidade de que a escassez seja usada como uma estratégia de marketing deliberada. Ao criar uma sensação de urgência, as editoras podem incentivar os consumidores a fazer compras por impulso, temendo perder a oportunidade de adquirir um jogo que pode nunca mais voltar ao mercado. Essa estratégia, muitas vezes chamada de "edição limitada", pode ser eficaz para aumentar as vendas a curto prazo, mas também pode contribuir para a frustração de jogadores que descobrem o hobby mais tarde e se veem incapazes de acessar jogos que se tornaram clássicos.
Além disso, o ciclo de vida curto pode estar relacionado ao foco no mercado de colecionadores. Esses jogadores, que estão sempre à procura do próximo grande jogo, são menos propensos a revisitar jogos antigos, o que reduz a demanda por reimpressões. Como resultado, as editoras podem optar por não investir em novas tiragens, direcionando seus recursos para novos lançamentos que prometem atrair a atenção desses consumidores ávidos.
O impacto dessa dinâmica é que muitos jogos, mesmo aqueles que foram amplamente elogiados e celebrados, acabam desaparecendo rapidamente das lojas e se tornando itens raros e cobiçados. Isso cria uma barreira de acesso para novos jogadores que, ao entrar no hobby, não conseguem experimentar jogos que foram cruciais para o crescimento e popularidade dos board games.
Portanto, embora existam vários fatores em jogo, a realidade é que o mercado de board games, como qualquer outro, é impulsionado por uma combinação de oferta, demanda, e estratégias de marketing. A questão da escassez e da vida curta dos jogos premiados pode ser tanto uma consequência natural do mercado quanto uma estratégia deliberada para manter a roda girando, sempre impulsionada pela novidade.
Voltando ao impacto disso tudo na comunidade, o lançamento frenético de novos jogos parece provocar algo semelhante a uma refeição de excelente qualidade que não é devidamente apreciada, experimentada com calma. Um grande jogo é lançado hoje, e amanhã já estamos à espera do próximo. Isso pode gerar uma sensação de superficialidade no consumo, onde a verdadeira essência e prazer de jogar são deixados de lado em prol da busca incessante por novidades.
Às vezes, esse anseio por novidades na comunidade aparenta ter uma origem quase clínica, como o fenômeno do FOMO (Fear of Missing Out) que vemos nas redes sociais. Os compradores compulsivos até brincam sobre isso, mas, por vezes, isso parece algo não tão inocente. Eu mesmo tenho muito mais jogos na coleção do que já tive a oportunidade de jogar, e essa constatação traz à tona uma reflexão sobre o real propósito de acumular tantos títulos.
Para evitar que essa "corrida" por novos jogos acabe sabotando o verdadeiro prazer de jogar, é importante adotar algumas práticas que valorizem a experiência de jogo em si. Focar na re-jogabilidade dos jogos que você e sua família já apreciam pode ser uma maneira poderosa de garantir que cada partida seja significativa.
Importante ressaltar que não há problema algum em atualizar sua coleção, independentemente do ritmo e dos valores investidos. Se você tem condições financeiras e se sente bem adquirindo as novidades, isso é perfeitamente entendível. Embora a instantaneidade dos lançamentos recentes seja o principal foco da crítica deste texto, é essencial reconhecer que o mercado de board games cresceu nos últimos anos em grande parte graças a esse perfil de jogador.
Quero deixar claro, também, minha profunda admiração por todos os criadores de conteúdo. Tenho total ciência dos desafios e sacrifícios que todos enfrentam para manter seus canais devidamente abastecidos com material de qualidade. O meu mais sincero: obrigado! Vocês ajudam a conectar famílias por meio dos board games, e esse é um trabalho lindo, cheio de propósito e significado.
Isso não é uma crítica direta ao trabalho dos criadores de conteúdo, mas sim uma constatação de uma superficialidade que, às vezes, parece pairar sobre o hobby. É frustrante ver tantos jogos sendo lançados e saber que muitos nunca chegarão à minha mesa, seja por limitações financeiras, de espaço ou de tempo.
Apesar disso, continuo acompanhando os canais especializados, pois, assim como não é preciso ser um atleta para gostar de futebol, não preciso ter todos os jogos para apreciar o conteúdo criado sobre eles. No entanto, acredito que o hobby poderia se beneficiar se uma pequena parte dessa atenção fosse voltada aos principais jogos já lançados, revivendo e recriando conteúdo, organizando campeonatos e ensinando estratégias.
Afinal, não é necessário que a disseminação do hobby se dê apenas por meio de um novíssimo jogo de R$ 500,00. Um simples jogo de cartas, lançado há alguns anos, também pode trazer diversão e conexão para as mesas de jogadores em todo o mundo.
Com o ritmo frenético de lançamentos, fica difícil até para os criadores de conteúdo acompanharem, quem dirá para nós, meros mortais.