No início de 2012, fui abduzido para o universo dos jogos de tabuleiro. Digo "abduzido" sem exagero, pois todos os hobbies que eu tanto amava – música, cinema, mágica – ficaram em stand-by por um bom tempo, absolutamente em segundo plano.
Ao me deparar com a Redomanet (antiga Ludopedia) e, em seguida, o
BoardGameGeek, meu mundo se expandiu. Fiquei fascinado – quase obcecado – com os jogos modernos e as infinitas possibilidades de mecânicas e temas. Tudo era novidade; era difícil conter a ansiedade. Morar no Brasil dificultava bastante o início do hobby: poucos lançamentos nacionais, preços altos, demora para receber jogos importados, financiamentos coletivos frustrantes, entre muitos outros obstáculos. No entanto, segui firme e obstinado.
Passei por todas as fases clichês do hobby (não aplicáveis a todos os jogadores, obviamente): deslumbramento, horas de pesquisa, entusiasmo pelos jogos de entrada consagrados, consumismo desenfreado, coleção imensa, ansiedade por não conseguir jogar e dar vazão aos jogos comprados, "FOMO" (medo de perder algo), descoberta do meu perfil de jogador, iluminação súbita e milagrosa de consciência, redução drástica da coleção e, finalmente, uma fase mais orgânica e saudável do hobby (em que já estou há alguns bons anos, felizmente).
Mas chega de contextualizar. A ideia aqui é falar um pouco sobre minha trajetória como um (quase) designer. "Quase" porque, apesar de já ter alguns jogos em estágio avançado de desenvolvimento, ainda não lancei nenhum oficialmente, embora agora essa seja a ideia (torçam por mim!).
Ao mergulhar de cabeça, corpo e alma no hobby, e por sempre ter me envolvido com a parte artística e criativa em outras áreas da minha vida, surgiu em mim uma grande vontade de criar um jogo próprio. Assim, no início de 2014, comecei a desenvolver o Colt .45, um worker placement com dados (ou dice placement) situado em um cenário de velho oeste.
Colt .45 - Protótipo.
Era um jogo relativamente simples, em fase muito inicial de desenvolvimento, com algumas boas ideias que, surpreendentemente, encontrei em outros jogos lançados anos depois.
No entanto, logo percebi que "algumas boas ideias" não seriam suficientes para tornar um jogo mecanicamente viável e com apelo comercial. É preciso investir muita energia no emaranhado de mecânicas, temática, e na quantidade quase infinita de playtests. Além disso, é essencial ter bastante apoio em todas essas etapas. Mas, principalmente, é preciso ter bagagem. Na época, com apenas dois anos no hobby – e todas as dificuldades do mercado nacional que mencionei acima – eu provavelmente conhecia menos de 100 jogos, todos dentro daquele perfil inicial de jogos familiares ou festivos, com algumas raras exceções. Meu conhecimento e experiência eram ínfimos, limitados, insuficientes para criar algo realmente novo ou, ao menos, que se sustentasse durante uma partida inteira. Hoje entendo isso claramente.
Infelizmente, essa não é uma história de sucesso em que agora, dez anos depois, lançarei o Colt .45 e ele fará um sucesso estrondoso de público e crítica. Não... Naquele mesmo ano, alguns meses depois, o projeto foi abortado e hoje descansa em paz (foi bom enquanto durou, me diverti bastante).
Fato é que, no início de 2023, o monstro do game design voltou a me assombrar. Assombrar, sim, porque é algo que vai te incomodando e você resiste com todas as suas forças, pois sabe o quanto dará trabalho e sugará seu tempo livre, até o momento em que ele te dá um bote e, quando você menos espera, já sucumbiu e está desenvolvendo dois, três jogos ao mesmo tempo.
Nesse "renascimento", o primeiro jogo que comecei a tirar do mundo das ideias e colocar no papel foi o Star Olympics, uma espécie de Olimpíadas com cinco modalidades, disputada no espaço entre várias raças diferentes, cada uma com habilidades e mecânicas próprias.
Star Olympics - Protótipo.
O Star Olympics também não progrediu muito (embora eu ainda tenha boas ideias para continuar a desenvolvê-lo). Contudo, deixou dois importantes legados: o
Raízes da Resistência e o
Protocolo Scintilla.
O
Raízes da Resistência foi o meu primeiro jogo “pronto”, em que, depois de muitas e muitas horas de desenvolvimento, ajustes nas regras, correção de falhas, tentativa e erro para criar o design gráfico no Canva (sem qualquer experiência prévia) e incontáveis
playtests, olhei com orgulho e pensei: “É isso! Está muito bom!”.
Ele começou muito diferente do que é hoje. No início, era um desdobramento sem alma e sem personalidade do Star Olympics, utilizando alguns dos seus conceitos e componentes.
Raízes da Resistência - Protótipo.
Após alguns ajustes iniciais, ele começou a ganhar corpo e adquirir identidade.
Raízes da Resistência - Protótipo.
Em um segundo momento, ele começou a se aproximar bastante da sua versão final, especialmente em termos de mecânicas.
Raízes da Resistência - Protótipo.
Com o auxílio da minha irmã, Júlia, que pinta aquarelas, e as mecânicas já avançadas e bem lapidadas, o protótipo foi elevado a outro nível.
Raízes da Resistência - Protótipo.
Estou muito satisfeito com o resultado de
Raízes da Resistência e o impacto que ele vem causando em quem joga. A verdade é que, com o tempo, você acaba se esquecendo dos jogos e das partidas, mas
sempre se lembrará das histórias e das emoções que sentiu ao jogá-los. A tensão que o jogo provoca a cada decisão tem cativado o público, e ao finalizar a partida, muitos já pedem um exemplar imediatamente!
Criei a página do jogo na Ludopedia e fiz o
upload do
manual. Quem tiver interesse em conhecê-lo melhor, fique à vontade para dar uma passada por lá!
No próximo post ("
Parte II"), explicarei um pouco mais sobre o processo de desenvolvimento das regras e temática do
Raízes da Resistência. Na "
Parte III", falarei sobre o
Protocolo Scintilla, o meu segundo jogo em fase avançada de design.
Para encerrar este post inaugural, compartilho alguns aprendizados e descobertas durante esse breve (porém intenso) período desenvolvendo jogos de tabuleiro:
- Foco: saber quando parar de adicionar elementos e, principalmente, quando desistir de outros é o principal aprendizado. Isso requer a intenção e prática, mas só assim um jogo alcançará a excelência. Acredite;
- Persistência: Tom Lehmann, designer do Race for the Galaxy e Res Arcana, pergunta aos aspirantes a designer se eles já jogaram 100 vezes o jogo criado. O raciocínio é simples: se você não se interessa pelo seu jogo e não está ansioso para jogá-lo novamente pela enésima vez, por que alguém teria esse interesse?
- Investimento: você vai gastar dinheiro com componentes, impressões, deslocamentos, etc. Esse valor pode variar conforme a quantidade de ajustes e seu perfeccionismo com o aspecto visual do protótipo, mas é um custo inevitável;
- Apoio: você precisará de apoio de parentes, amigos e parceiros para testar, divulgar e criticar o jogo de forma intensa e reiterada. É um trabalho longo, contínuo e repetitivo;
- Autonomia: independentemente do apoio, teste o seu jogo sozinho. É uma ótima maneira de identificar detalhes que podem passar despercebidos durante partidas com a mesa cheia;
- Tempo: se você realmente pretende levar a sério a atividade de game designer e, eventualmente, lançar um jogo, saiba que isso demandará muito do seu tempo. É difícil acreditar que um jogo, por mais simples que seja, venha de uma inspiração divina repentina, com uma ideia pronta e acabada, sem a necessidade de centenas de testes e ajustes.
Até a próxima! Abraços.
Filipe Oliveira