Marcos Frantz::
Sinceramente não entendo. Na época que entrei nesse financiamento não tinha muito conhecimento sobre o hobby, ainda me considero pouco conhecedor inclusive, entrei por ser fã da série de jogos The Witcher. Vi uma boa oportunidade de ter um jogo de tabuleiro num universo que gosto muito. Nunca imaginei e nem fui informado que algo assim pudesse ocorrer, na minha cabeça estamos falando de um produto como outro qualquer, a empresa que licencia, produz e/ou distribui é responsável pela qualidade entregue. Estou me sentido enganado e lesado ainda mais após a demora dessa entrega e com tantos erros. Aí você vem e fala que a Conclave pode ou não resolver como se existisse essa escolha.
Porque quando estamos falando de Board Game as empresas responsáveis podem ou não resolver um problema com o produto de sua responsabilidade? Quem inventou essa regra? Já que você escreve tão bem e é ativo na comunidade pode me explicar? Você acha que essas suas frases de efeito não corroboram com as empresas? Não estamos aqui falando de um produto de consumo como outro qualquer? Esse inclusive no preço que se iguala a uma boa TV ou a uma geladeira. Agora te pergunto você compra uma geladeira, ela vem com vários defeitos de fabricação, a empresa responsável não tem que trocar o produto? Porque com os jogos isso não funciona?
Caro
Marcos Frantz
Meu camarada, é melhor sentar e se preparar porque lá vai história, e de arrepiar os cabelos.
A Era dos Jogos Modernos começou com o Catan em 1995, e durante os anos 1990 e 2000, as pessoas que quisessem esse tipo de jogo tinham de importar. Evidentemente esse jogos custavam o seu peso em ouro para trazer de fora. Por isso, apenas meia dúzia de entusiastas jogava jogos modernos, por aqui. Em 2013/2104 começaram a ser lançados os grandes jogos gringos no nosso país, e muita gente descobriu os board games e se maravilhou de que importar já não era a única opção. Essa foi uma época de muito amadorismo (e o mercado ainda é muito amador, mas o preço dos jogos é bastante profissional), e surgiam e fechavam editoras de jogo a torto e a direito. Acontecia um jogo com alguns componentes errados aqui e outro mal traduzido acolá, e tudo ficava por isso mesmo.
Com o passar do tempo, as grandes editoras de jogos começaram a perceber, que importar board games era muito caro, porque os impostos são extorsivos, e também é arriscado. Isso porque os Correios podem simplesmente perder a encomenda e a Receita Federal mandar devolver o jogo para a loja gringa, sem nem dar chance das pessoas consertarem eventuais omissões de informação ou pagar eventuais diferenças de imposto. Nesse cenário, os boardgamers não tinham outra opção a não ser comprar o jogo na mão dessas empresas. As editoras também perceberam que se elas errassem na produção, não precisariam consertar os erros porque, ante a inviabilidade de importar, os boardgamers tinham de escolher entre ficar com o jogo errado ou ficar sem ele. Nesse caso, a grande maioria das pessoas escolhiam ficar com o jogo mesmo que errado e consertarem eles mesmos as falhas de produção.
Para piorar a situação, as editoras também descobriram que as pessoas estavam disposta a pagar qualquer preço pelos board games modernos. Isso começou com o Twilight Imperium 4 no início de 2019, que rompeu a barreira dos R$ 700,00. Em maio de 2020 veio o Gloomhaven que ultrapassou a barreira dos R$ 900,00. No mesmo ano em novembro surgiu o Nemesis que venceu a barreira dos R$ 1.000,00 e depois, em 2021, o Descent: Lendas da Escuridão foi lançado custando absurdos R$ 1.200,00. Como todos esses jogos foram campeões de vendas, o Gloomhaven esgotou no dia do lançamento em algumas horas, menos o Descent, que forçou a barra demais, as editoras viram que poderiam cobrar o que quisessem, inclusive pelos jogos mais simples e com menos componentes, o que levou à escalada vertiginosa de preços que se verifica até hoje.
Isso tudo fez com que o marcado nacional de jogos se tornasse uma verdadeira terra de ninguém, onde as editoras podem literalmente fazer o que quiserem, sem que se possa fazer qualquer coisa a respeito. A única linguagem que as editoras entendem, e a única para a qual elas ligam, é a ameaça de devolução em massa de um jogo com erros. Então, apenas se um jogo com erros gerar uma repercussão muito grande, e as pessoas começarem a ameaçar devolver o jogo, é que as editoras se coçam para consertar os erros, que elas mesmas comentem, e pelos quais deveriam se responsabilizar.
Só para não dizer que eu estou falando genericamente, foi isso que aconteceu com o Everdell, o Ark Nova e o Nemesis. Os erros tiveram grande repercussão e as editoras não tiveram saída a n!ao ser consertar. Mas com outros jogos mais antigos, e outro nem tanto, como Masmorra do Mago Louco, Western Legends, Pathfinder, Starcadia Quest, Tail Feathers, Gold West, Tiranos de Umbeterna, Mistfall, The Few and The Cursed, entre outros, as editoras não consertaram nada e deixaram os jogos como estavam, justamente porque nesses casos não houve a mesma repercussão. E se você quiser emoções mais fortes, eu te recomendo dar uma olhada na ficha de jogos como Letters from Whitechapel, Tsukiji, Ludcidity e Campeões de Midgard, pra ver a que ponto pode chegar o amadorismo e o desrespeito das editoras para com a comunidade board gamer.
Por isso, eu não corroboro de forma alguma esse modus operandi das editoras nacionais de jogos, mas apenas relato como o mercado nacional funciona, conforme exemplos e um histórico que qualquer um pode verificar, bastando apenas acessar as fichas de alguns jogos. E é com base nesse histórico que eu afirmo que a Conclave só vai consertar os erros do The Witcher Old World se houver uma repercussão grande o suficiente. Basta dizer que os apoiadores já estão recebendo o jogo desde o DOFF 2024, e relatando os problemas, e não é crível imaginar que a Conclave já não sabe que esse jogo deu problema. Mas até onde se sabe, ainda não houve nenhuma manifestação por parte da editora, nem para dizer que está apurando o que realmente houve para tomar as devidas providências, e se houve essas manifestação, o que eu acho muito pouco provável certamente foi em algum local bem escondido que não informa a quase ninguém, porque aqui no Ludopedia, na ficha do jogo é que não foi.
Para terminar, isso que você relatou no seu comentário está perfeitamente correto e é assim que o mercado nacional de jogos deveria funcionar se ele fosse sério, o que a julgar pelo comportamento das editoras, ele definitivamente não é.
Espero ter sido útil e ter tirado as suas dúvidas.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio