Hegemony - Revolução Industrial (Século XVIII)
Série: Incidentes Históricos
Joguei Hegemony com mesa cheia pela quarta vez. Quanto mais jogo, mais gosto. Tenho enxergado as camadas que o jogo pode oferecer e os diversos caminhos à vitória em cada classe. Sou formado em filosofia e estudante de Ciências do Estado na UFMG, de modo que Hegemony também se torna uma oportunidade de experimentar, com sua devido proporção e estrutura lúdica, como que diversas classes sociais interagem entre si e com o Estado.
Quero fazer uma singela homenagem ao jogo: uma série sobre a expansão Incidentes Históricos, descrevendo histórica e mecanicamente as cartas, começando do evento mais antigo para o mais atual.
A expansão em questão adiciona uma carta na preparação inicial do jogo e uma nova no final da preparação de cada nova rodada. As cartas são divididas por grupos, de modo que temos o grupo da preparação inicial e outros grupos das 5 rodadas. Isso faz com que os eventos ocorram respeitando uma progressão histórica correta e uma intervenção mais apropriada no jogo.
A primeira carta é a
Revolução Industrial: século XVIII. A Revolução Industrial foi o resultado de um processo histórico de avanço científico e aposta na razão como força impulsora do desenvolvimento e emancipação humana a partir de um movimento filosófico um século antes conhecido por Iluminismo. Nas condições materiais desse processo temos o acúmulo tecnológico por meio de mãos talentosas, que usufruíram de um crescimento exponencial da integração dos mercados nacionais por meio do mercantilismo (que por sua vez favoreceu a troca de bens e conhecimento para que pudessem surgir inovadores maquinários).
Essa transformação produtiva nos lançou do capitalismo comercial para o industrial, no qual os meios de produção tomaram o lugar do comércio na tarefa de acumulação de capital. O termo “burguês” se referiu originalmente àqueles comerciantes que ficavam do lado externos das grandes cidades muradas, os
burgos, vendendo suas mercadorias. Agora, os donos dos meios de produção ganharam a dianteira na reprodução do capital, visto que seus maquinários e a divisão social do trabalho multiplicaram exponencialmente a fabricação de mercadorias. Esse fator é representado pela carta de incidente em questão através do efeito que a classe capitalista recebe. A carta diz: “
Capitalista: Antes de pegar cartas de Ação, procure no seu baralho de Ação 2 cartas
Progresso Tecnológico e acrescente-as à sua mão. Em seguida, embaralhe o monte e pegue mais 5 cartas de Ação. Receba 10 ¥.”
Essa carta de
Progresso Tecnológico é muito forte para o capitalista, permitindo que ele pague 20¥ ou 45¥ para ampliar a produção de uma ou duas empresas, respectivamente, com a ficha de maquinário. Como o evento é engatilhado na fase de preparação inicial, isso dá ao capitalista uma janela de planejamento muito boa, podendo aperfeiçoar suas quatros empresas iniciais se quiser. É demasiadamente caro investir 90¥ (mesmo recebendo 10¥) para automatizar suas empresas, mas se endividar logo no início da partida pode ser uma estratégia interessante para o capitalista. Isso faz com que o capitalista não precise abrir muitas empresas no início da partida, podendo ficar confortável com a política 2 (de salário mínimo) em B. E essa condição salarial é historicamente relevante, pois o ramo industrial ainda é o que paga os melhores salários na média. E sim, para se tornar um grande industrial, muitos capitalistas tiveram que investir muito e contrair empréstimos, o que provavelmente pode ocorrer na primeira rodada, fornecendo mais uma coincidência histórica.
Como balanceamento, a carta de incidente diz: “
Classe operária e Classe média: acrescente 2 cubos de Votação à bolsa.” Esse efeito é ainda mais interessante de analisar historicamente. A Revolução Industrial acompanhou o crescimento dos grandes centros urbanos, que produziram como consequência condições de habitação insalubres, casas sem janelas adequadas ou aquecimento para o inverno. O subúrbio operário inglês, por exemplo, o núcleo da hegemonia industrial durante a revolução, era triste, sujo, anárquico e violento. É nesse período que surge a sociologia, uma ciência que nos seus primórdios tinha o interesse em investigar as causas dos problemas sociais para que o novo sistema em formação pudesse enfrentar os desafios que ele havia criado e não viesse a ruir - uma finalidade conservadora. Um dos pais da sociologia, Émile Durkheim, foi o pioneiro no estudo do suicídio, um problema comum nas cidades urbanas. Karl Marx especulou que a Inglaterra seria o primeiro país a ver o socialismo irromper, visto que por estar na dianteira do processo revolucionário industrial também produziria mais rápido o esgotamento do seu modelo econômico. Foi nesse contexto de péssimas condições de habitação e trabalho, tendo jornadas de 14, 15, 16 horas diárias, que o operariado começa a se organizar e exigir mudanças. Esse movimento é representado pelo jogo ao adicionar cubos da classe operária e média à bolsa, indicando que elas devem se organizar e tentar passar leis que as favoreçam diante da automatização das empresas capitalistas, lutando por melhores salários ou melhores condições sociais com as políticas assistenciais 4 e 5.
Por fim, talvez o que faltou ser representado na carta é a importância do Estado em garantir o protecionismo econômico que os capitalistas nacionais precisaram para tocar esse processo. Também foi o Estado um importante investidor em estrutura logística para a alocação de mão de obra e escoamento de mercadorias, construindo estradas, portos e garantindo a ordem social burguesa materialmente através do endividamento estatal e também formalmente através do direito e proteção à propriedade privada. Esses 10¥ que o capitalista recebe poderia vir do Estado, e este ganhando legitimidade com a classe favorecida, porém é compreensível a dificuldade de representar de forma razoavelmente balanceada todas essas nuances.
A Revolução Gloriosa de 1688 foi a primeira grande revolução liberal do mundo, e ocorreu na Inglaterra, no contexto da Revolução Industrial. A próxima carta que vamos analisar, porém, fala da segunda revolução liberal e uma das mais marcantes: A
Revolução Norte-Americana 1775 - 1783. Um forte abraço e até a próxima.