rmxavier92::Consegui acesso ao processo integral.
Pelo documento que está lá, a Estrela conseguiu registro de marca para uso exclusivo da marca DETETIVE para "jogos, brinquedos e passatempos", "jogos eletrônicos on-line" e "jogos eletrônicos; jogos para celulares; games e videogames", etc.
São 3 registros diferentes, com vigências até 25/06/2026, 09/01/2028 e 29/09/2027.
O primeiro deles a Estrela conseguiu em 1976, para "jogos, brinquedos e passatempos".
Por outro lado, ao ler a sentença, ela me parece bem genérica. Focou muito no que dispõe a lei, mas sem levar em consideração as peculiaridades inerentes ao mercado de jogos.
Também é meio confusa, porque reconheceu que não há imitação do jogo da Estrela e que o Detective da Galápagos "reproduz jogo de tabuleiro mundialmente famoso no nicho em que atua, não se tratando, em absoluto, de reprodução do jogo das Autoras"; mas, mesmo assim, considerou que houve concorrência desleal. (????????)
Inclusive, e agora? Se não pode usar o termo Detective, parece que a Galápagos vai ter um pepino para resolver com o licenciante internacional para continuar a distribuição do jogo no Brasil.
SmokeApe:: Registro no INPI da Estrela, de 1976
J. MARQUES::
Você faz confusão de evocar a legislação de direito autoral, o caso é sobre uso de marcas.
Um coisa é direito autoral, outra coisa é uso/registro de marca e outra ainda tolamente diferente é patente.
Não li os autos, nem a decisão do processo em discussão, mas a juiza deve ter considerado que o uso de Marca semelhante (Detetive - Detective) num mesmo segmento de mercado (jogos de tabuleiro) pode configurar em prejuizo ao detentor da marca anterior. Sendo assim tem chances do tribunal manter a decisão.
Caros
rmxavier92,
SmokeApe e
J. MARQUES
Não seja por isso, segue abaixo a legislação sobre o uso de marcas.
No meu comentário eu fiz alusão à Lei de Direito Autoral que é de 1998, mas a própria Lei de Propriedade Industrial, que é um pouquinho mais antiga (1996), também trata dessa questão do uso exclusivo de marcas genéricas. Por outro lado, o registro do nome Detetive aconteceu vinte anos antes dessas leis, quando essa matéria ainda não estava muito bem regulamentada. É preciso lembrar que em 1976 ainda não havia transmissão simultânea via satélite para TV o que só ocorreu nos anos 80 e nem mesmo telefone fixo em casa as pessoas tinham.
Nesse cenário, as notícias demoravam muito mais para chagarem até nós, e o fluxo de in formações era absurdamente lento. Por isso, até uma empresa americana ou europeia saber que uma empresa brasileira estava usando um jogo seu demorava anos, e às vezes décadas. Isso sem contar que praticamente apenas Grow e Estrela fabricavam jogos nos anos 70, portanto, provavelmente as autoridades competentes devem ter achado natural uma empresa registrar uma palavra como uma marca exclusiva, simplesmente porque haviam pouquíssimos jogos de tabuleiro naquela época e nenhum deles utilizava esse termo como título.
Só que muita coisa mudou dos anos 70 para agora. Desse modo, atualmente, uma marca é algo exclusivo criado para um determinado produto que não existia antes, como é o caso de Xerox, Bombril e Nescau. Esses termos são inequívocos e só quem criou ou detém a patente digamos assim é quem pode explorá-los comercialmente. Com as palavras de uso comum a coisa é diferente. Um exemplo muito utilizado é o Nescafé. Uma empresa que produz café não pode registrar a palavra CAFÉ e usar como uma marca exclusiva. É necessário que se coloque algum outro termo dentro da marca para torná-la exclusiva como foi o caso do Nescafé.
As seções II e III da Lei 9279/96 estabelecem o seguinte:
Seção I
Dos Sinais Registráveis Como Marca
Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.
Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;
II - marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e
III - marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.
Seção II
Dos Sinais Não Registráveis Como Marca
Art. 124. Não são registráveis como marca:
I - brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;
II - letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
III - expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração;
IV - designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público;
V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;
VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
VII - sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda;
VIII - cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo;
IX - indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica;
X - sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina;
XI - reprodução ou imitação de cunho oficial, regularmente adotada para garantia de padrão de qualquer gênero ou natureza;
XII - reprodução ou imitação de sinal que tenha sido registrado como marca coletiva ou de certificação por terceiro, observado o disposto no art. 154;
XIII - nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento;
XIV - reprodução ou imitação de título, apólice, moeda e cédula da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, ou de país;
XV - nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;
XVI - pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;
XVII - obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular;
XVIII - termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir;
XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
XX - dualidade de marcas de um só titular para o mesmo produto ou serviço, salvo quando, no caso de marcas de mesma natureza, se revestirem de suficiente forma distintiva;
XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico;
XXII - objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de terceiro; e
XXIII - sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia.
Como se pode ver a questão em torno de uma marca é sempre vinculada ao caráter distintivo dessa marca, que a torna única e diferente dos demais termos relacionados a um determinado produto. Você pode registrar Xerox como marca exclusiva, mas não pode fazer isso com a palavra "Cópia", porque nessa palavra não há absolutamente nada de distintivo.
Porém, como eu disse antes, infelizmente nossos magistrados usam o conceito de "livre convencimento", como uma justificativa para decidirem literalmente qualquer coisa que lhes venha à cabeça, mesmo quando contrário à letra da lei. Um exemplo disso é o crime de racismo que é inafiançável, ou seja, a pessoa não pode responder em liberdade. Porém, para dar um jeitinho e livrar a cara de quem chama os outros de "macaco" ou "preto sujo", quando alguém é preso em flagrante fazendo isso, a pessoa não responde por racismo, mas sim por injúria, que não é inafiançável. Aí o sujeito acaba pagando meia dúzia de cestas básicas e está tudo certo.
Muito provavelmente a juíza pegou olhou e decidiu que como o registro da Estrela é muito anterior, e provavelmente como a juíza não faz a menor ideia do que seja um board game moderno, ela resolveu decidir em favor da Estrela sem levar em conta outras considerações, como a generalidade da marca, os nichos econômicos diferentes, e principalmente o fato de que o Detetive da Estrela é comercializado em um tipo de loja que muito dificilmente vende o Detective da Calango, e vice versa. Isso exclui a possibilidade de algum comprador se confundir, até porque o Detetive da Estrela é um jogo famosíssimo, um dos principais jogos de tabuleiro da história brasileira, que dificilmente seria confundido com outro jogo, mesmo com um nome igual.
Por fim, eu acredito totalmente que a probabilidade dessa decisão se manter no tribunal, quando a Calango recorrer, é pequena, muito embora isso ainda é possível, afinal de contas desembargadores também são magistrados.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. A diferença entre um juiz e um desembargador, é que o juiz só pensa que é Deus, já o desembargador tem certeza disso.