fantafanta::Acho que todos foram muito assertivos em suas respostas. Tenho muito pouco a acrescentar, além do que já foi dito.
A pressão da indústria sobre os Designers e outros desenvolvedores para criar jogos novos que sejam um sucesso é enorme. Essa eterna busca pelo El Dorado pode até cessar quando uma empresa encontra a sua "galinha dos ovos de ouro", já que há muito esforço e dinheiro despendido nesse processo. Mas essa pressão não é menor que a necessidade de padronização do gosto para explorar a extração de mais valor no seu limite. Como você mesmo pode perceber, em outras palavras, as empresas precisam fazer o retorno do seu investimento acontecer e quanto maior for o retorno, melhor. Então até aí nada de novo, não tem polêmica alguma. Quer dizer, tem. Só que não vou entrar nesse mérito! hehehe
Agora, sobre a super exploração de uma propriedade intelectual, que é um assunto recorrente, não é exclusividade da indústria dos jogos de tabuleiro, como você mesmo apontou.
As sucessivas reimplementações de um mesmo jogo me incomodam? Não. Simplesmente não vejo isso como um problema... a princípio. Está mais para uma distração. Isso seria um problema caso houvesse apenas esses produtos sendo vendidos, o que não é verdade. Já chego lá. Embora eu já esteja de saco cheio de "muito mais do mesmo", o que acontece é que eu passo um pente fino sobre a oferta do mercado para aproveitar somente aquilo que me interessa. Muito menos do que 1/10 do que é publicado, mas tudo bem pois nem que eu quisesse poderia comprar mais do que isso.
Esse projeto de consumo, como eu gosto de chamar, é prerrogativa dos clientes na sociedade de consumo. É assim que nos é vendido. Porém, é preciso lembrar que nós temos à disposição uma infinidade de títulos sendo lançados a todo momento nesse mercado. Há uma enxurrada de novidades surgindo o tempo todo, até mesmo no mercado nacional. Tanto que fica até difícil de acompanhar o que está acontecendo (se não impossível)! Então quando essa tarefa se torna um fardo, convenientemente surgem os curadores para nos "ajudar" com a tarefa de guiar o nosso consumo, sendo nós mesmo "incapazes" disso. Acho engraçado, até mesmo irônico, quando vejo muitas pessoas pedindo ajuda ou indicações a criadores de conteúdo sobre jogo x, y ou z. A princípio nenhum problema em pedir ajuda ou tirar dúvidas, mas a pessoa está abrindo mão do único papel exclusivo que exerce dentro da cadeia produtiva, o de validação final do negócio, para simplesmente não correr o risco de perder dinheiro... como se o jogo fosse um investimento de fato (termo que detesto). Se esquece de que é possível se divertir mesmo a despeito da opinião de fulano ou ciclano e que também é preciso errar durante esse processo de compra para apreender o que é melhor para si mesmo. Ou até de que é possível refutar o que está sendo divulgado a respeito de um jogo qualquer que está sendo muito bem falado, por exemplo. Está abrindo mão do seu senso crítico. Enfim...
Há essa reflexão a ser feita, no sentido de avaliar se os jogos que estão sendo lançados realmente fazem alguma diferença para a nossa vida no dia a dia. No entanto o que me incomoda mais são questões de outra ordem pois para mim é claro que eles não fazem taaaaanta diferença assim e tudo bem. Passei mais de 30 anos da minha vida sem comprar jogos de tabuleiro e acredito que consigo passar mais outros 30. Compreendo que os jogos movem paixões e é sempre difícil abrir mão daquilo que muitas vezes pode ser nosso único jeito de nos divertirmos e de relaxar. Mas acho difícil de acreditar que essa seja a realidade da maioria das pessoas dentro desse hobby. Para falar a verdade o que me incomoda mais são a precarização do trabalho das pessoas envolvidas na indústria criativa; as propagandas enganosas realizadas pelas empresas; o péssimo relacionamento por parte das editoras para com os clientes; os preços praticados que são cada vez mais inacessíveis; a construção e imposição de gosto; a inexistência de senso comunitário solidário; a discriminação promovida por alguns grupos de pessoas dentro do hobby e por aí vai...
Caro
fantafanta
Rapaz, você está coberto de razão quanto a essa "terceirização" do poder decisório, referente à compra de board games, que é muito comum no hobby. O fato é que as pessoas literalmente caem de paraquedas aqui no Ludopedia, porque jogaram uma partida de Dixit ou Coup na casa de um amigo, e ficam fascinadas e assombradas com todo esse universo dos jogos que elas nunca souberam que existia. Jogo de tabuleiro para ela era Detetive, WAR, Banco Imobiliário, Scotland Yard, Jogo da Vida, Imagem & Ação, Perfil e assemelhados.
Nesse momento a pessoa pensa: "Meu Deus, como eu consegui passar pela pandemia sem conhecer esses jogos maravilhosos". Aí ocorre a "síndrome do tempo perdido", muito comum também quando as pessoas começam a aprender um idioma ou a tocar um instrumento musical e querem fazer isso o tempo todo. A pessoa literalmente quer comprar tudo o que estiver pela frente e que seu bolso conseguir, então ela já está prontinha para cair nas armadilhas do FOMO e do HYPE. Basta apenas um "empurrãozinho". É justamente aí que ela topa com aquele cara do canal de vídeos, que só está ali fazendo o seu trabalho de divulgação, mas que para o recém chegado soa como uma verdade absoluta vinda diretamente do Altíssimo. E nisso cabe a reflexão sobre até que ponto as pessoas realmente
são influenciadas pelos canais e o quanto elas na verdade
querem ser influenciadas pelos canais. Eu não duvido de que aconteça muito da pessoa, que tem algum tempo de hobby, já estar com vontade de comprar o jogo, faltando apenas algum tipo de validação, que ela encontra justamente no vídeo daquele canal que ela acompanha. Depois a pessoa que já possuía altos níveis de FOMO e HYPE na veia, descobre que o jogo não era exatamente aquilo que ela pensava. Aí a culpa passa a ser do canal que a "influenciou indevidamente", "que é feito por mercenários vendidos" e "está a serviço das editoras porque receberam o jogo de graça". A culpa nunca é da pessoa, nem é do fato dela não ter pesquisado e pensado melhor, se a compra daquele jogo valia mesmo a pena.
Isso aconteceu inclusive comigo em relação ao Blackout Hong Kong. Quando o jogo chegou era um absurdo de caro e eu nem perdi meu tempo. O jogo foi um fiasco de vendas, o preço despencou e um belo dia, durante a pandemia (não dava para experimentar em nenhuma luderia), eu me peguei assistindo um vídeo sobre jogos com bom custo e benefício, e o Blackout Hong Kong foi um dos citados. Depois disso, eu assisti alguns gameplays e fiquei pensando, "caramba o jogo é do Pfister, e está menos de R$ 200,00", "ele não pode ser tão ruim assim, e qualquer coisa se eu não gostar eu vendo", "como já tem gente comprando, então o problema deve ter sido mesmo o preço alto de lançamento que deu má fama ao jogo". Depois de pensar isso tudo, fui lá e comprei o jogo, e quando chegou eu descobri que ele não era tão ruim quanto eu pensava, ele era pior, muito pior. Hoje eu não consigo vender nem pela metade do preço que eu paguei. E nem tenho coragem de dar de presente um jogo tão mequetrefe. Isso para você ver que até macaco velho bota a mão em cumbuca às vezes.
Quanto às demais restrições que você apresentou, esse é o retrato das grande editoras nacionais de jogos. As condições de trabalho são precárias, porque as traduções são feitas na base do "me quebra um galho aí, e pode até usar o Google Tradutor que tá de boa". Revisão não existe e os prazos para entrega são sempre para ontem. A impressão que eu fico é que as editoras nacionais ficam até o último minuto para decidir se vão participar ou não da tiragem mundial dos jogos gringos. Aí a tradução cai no colo do coitado do funcionário da contabilidade que sabe um pouco mais que "the book is on the table", que tem dois dias para traduzir 300 cartas, e passar para o diagramador acertar o texto e mandar para a gráfica chinesa. A gráfica chinesa por sua vez devolve por último, a prova que ela recebeu por último, aí ninguém confere nada, dá só uma passada de olhos e acende uma vela para São Klaus Teuber fazer o milagre de não ter nenhum defeito, porque revisão que é bom ninguém faz. Eu acho que essa é a única explicação para alguns jogos que são verdadeiros exemplo de como não produzir um board game.
E aí entram as outras restrições porque o boardgamer brasileiro só aceita comprar aquele jogo específico de alocação de trabalhadores ou dungeon crawler, mesmo havendo uma infinidade de jogos no mesmo estilo, lançados todos os anos. Mas não adianta porque o sujeito só quer aquele jogo. Se não for o Food Chain Magnate ou o Frostpunk, não adianta ter um armário com mais de 200 jogos de alocação de trabalhadores, que a pessoa nunca fica satisfeita. Como apenas uma editora lança cada jogo, não tem jeito, o camarada tem de pagar o preço de um rim, e rindo. E se o jogo vier mofado, ele que se vire com Sanol, porque aquele jogo só sai por aquela editora.
Então não é de admirar que as grandes editoras tratem mal seus clientes, porque a maioria deles agem exatamente como viciados em alguns jogos. Como não há alternativa as editoras pintam e bordam. E nesse caso a culpa é toda nossa e só nossa, que enquanto comunidade, nos sujeitamos a esses absurdos.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. Só para não dizer que eu não mencionei, hoje em dia, infelizmente é melhor nem pensar nas condições de trabalho nas fábricas chinesas e demais países do sudeste asiático, para não se revoltar, principalmente com a nossa impotência, porque praticamente todos os pequenos bens de consumo (roupas, tênis, etc) são feitos lá, a troco de muitas lágrimas, suor, sangue e sofrimento. Tudo isso para as grandes empresas aumentarem a sua margem de lucro.