Trazemos hoje uma postagem diferente, um diário de design dos modos solo alternativos do WHITE CASTLE. Da mesma forma que a influência junto ao Daimyo é construída aos poucos até atingir sua culminância, assim foram feitos esses modos alternativos: passo a passo.
Os Porquês do desenvolvimento
A ideia toda surgiu diante da insatisfação com o desenrolar da partida solo, que apresenta o seu resultado comumente favorável ao automa. Enquanto ele sempre vai ter um desempenho ok (médio) ou bom (algumas vezes, muito bom), o jogador flutua nos sorteios do setup que podem gerar entregas mais sinérgicas ou menos sinérgicas. Esse momento inicial já determina muita coisa do resultado! A questão é que em uma partida multijogador todos teriam que lidar com apertos e jogadas que resolvem meio desencaixadas, porém no modo solo vira um grande “tente outra vez” (só falta o som de ‘fué fué fué ao fundo). Então, não é sobre perder, pois um jogador entusiasmado pode depositar seus ânimos no viés de que está sendo desafiado. A problemática acontece pela MANEIRA QUE VOCÊ PERDE, em meio a disparidades de desempenho relativamente gritantes. É como se o automa fosse graficamente uma linha diagonal elevando-se e o jogador com seus altos e baixos parecendo aquela linha de aparelhos médicos medindo sinais vitais.
Essa problemática leva a uma percepção que chega em no máximo 2 ou 3 partidas: o automa é simplesmente FORTE DEMAIS em qualquer dos 3 níveis de dificuldade possíveis. Uma parcela generosa disso se deve a ele fazer jogadas que não existem como a retirada do dado no meio da ponte somado a poder jogar várias ações se “falhar”. As cartas já resolvem com 2 ações, mas basta ele se endereçar a um dado não disponível que mediante essa “falha” seguirá virando cartas e já é garantido que irá fazer 4 ações. White Castle é, em partes, sobre 9 turnos/dados do jogador e é muito mais sobre cavar ações extras (nota: E eu achava que os 16 dados do Tekhenu eram pouco!). Considerando isso, é claro que o jogador não resolverá apenas 9 jogadas, pois buscará desdobramentos (os famosos ‘combinhos’). O automa não é diferente, mas calculando rapidamente para ele, em seus 9 “movimentos”, dá pra resolver de 18 a 36 “coisas”, distribuídas em obtenções de recursos, alocações de meeples e ganho de pontos. A sensação é que o jogador pode acabar ficando mais preocupado em que não aconteça os extras desse oponente solo do que qualquer outra coisa na partida. Inclusive, alguns usuários de fórum internacional consideram que é melhor quando esse algoz é o primeiro jogador, visto que se joga o primeiro turno sem a possibilidade de ação extra, pois não tem como falhar a ação com as 3 pontes tendo todos os dados. Se o automa do Red Cathedral padece de uma dificuldade mais acentuada, o do White Castle ficou com uma katana afiada demais.
(Esse deve ser quem controla o automa original. Puro suco de apelância!)
Evidentemente que esse caos todo levou a gente a se debruçar na pergunta: QUAL A SOLUÇÃO? Ficamos pensando se resolver a “””falha””” de uma forma menos impactante não seria o caminho. Muita gente na fã-base do jogo simplesmente adota que se precisar virar cartas além da primeira, ao invés de resolver 2, resolve só a última. Ainda assim os resultados produzidos podem destoar em 15, 20 pontos em cima da sua pontuação final (e o jogo não é daqueles de pontuação de 3 dígitos, então isso é muito). O problema não é a síndrome de mau perdedor por serem muitos pontos e tudo mais, é sobre (de novo) a forma que você perde (leia: miseravelmente).
Explicando melhor, o sentimento que bate é que simplesmente que o automa decidiu "arrotar" mais alto, diante de uma performance aleatória que pode tanto emular um desempenho próximo do jogador, quanto causar a sensação de trator passando por cima (ou qualquer outro veículo puxado por animais para ficar dentro do tema do jogo). Logo, abolir a ação falha era um caminho que mitigaria, mas ainda não solucionaria. Foi nesse ponto que sentimos que dentro do gamedesign que estávamos desenvolvendo, havia a necessidade de não apenas ignorar a resolução de carta adicional, mas seria preciso de algo diferente. Isso levou ao uso de um meeple adicional, de uma terceira cor, que vai “andando” pelos dados disponíveis nas pontes e pega o dado onde parar, de tal forma que seja impossível que o ‘bot’ realize a impossível ação de retirar um dado do centro da ponte, por dois motivos: 1. Essa é uma ação que o jogador não é capaz de fazer, logo esse ‘bot’ não está realmente tentando emular um jogador real; 2. A retirada de um dado do centro da ponte estraga a brincadeira de deixar dados de valor maior do lado esquerdo (junto à lanterna), ação importante para o jogador, por ativar um bônus de lanterna utilizando um dado de valor mais alto. Esse é um elemento novo que chamamos simplesmente de “meeple do rival”.
Esse foi um grande passo na direção certa, mas ainda faltava algo, e isso foi sendo visualizado à medida que testávamos mais e mais. Nesse ponto já tínhamos uma dezena de partidas de teste e houve certo grau de cansaço em relação as tentativas de regular o desempenho, pois o bot simplesmente ainda poderia proceder de formas surreais na partida. Ao invés de ares de desistência, decidimos encarar como um desafio criativo, e isso nos levou a uma bifurcação: se poderia haver um modo sem automa ou se o “fix” dele ainda funcionaria com uns toques finais de amarração. Como um galho de cerejeira que não se estende numa única direção, acabamos fazendo as 2 coisas! O modo com automa se tornou o VISITANTES OFICIAIS e o modo “sem” surgiu como o LEGADO DA FAMÍLIA.
(Um print da tela do Adobe Illustrator, programa utilizado para diagramação do manual)
Os Dois Modos Solo
O detalhe final no VISITANTES OFICIAIS (modo que mantém o bot/automa), foi a ideia de regular um pouco a aleatoriedade, mas como fazer isso sem interferir demais na liberdade do sorteio da carta? Criou-se o esquema de usar 6 das 9 cartas na segunda rodada (deixando de fora as 3 que foram resolvidas na primeira rodada) e para as da terceira rodada, restam apenas 3. Como poderia não ser interessante que os jogadores pudessem saber exatamente o que o automa vai fazer, então se reembaralha essas 3 com as 3 da primeira rodada para formar novamente um baralho com 6 possibilidades. Nem foi sobre não haver repetições, mas sobre evitar que algumas das cartas mais fortes possam ser resolvidas 3 vezes, ou até mais de 3 vezes, visto que no sistema original você pode reembaralhar o baralho numa mesma rodada (apesar de bem raro). Nesse novo modo, onde a retirada do dado não falha, você sempre resolve apenas 1 carta.
Tudo bem que automas guiados por carta acabem por ter cartas mais fortes, de maior impacto, e mediante sorteio elas podem vir com maior frequência, porém em The White Castle isso pode ser sentido demais e gerar a pontuação meteórica que já citamos. Pode ser observado também, que com o meeple do rival selecionando dados, não é mais necessária a informação do lado da carta que mostra o dado que seria coletado. Como toda boa variante a ideia é não usar, ou usar o mínimo possível de componentes adicionais, então foi lançado com a opção de imprimir um novo verso para as cartas (e colocar junto da carta original sleevada) ou não, caso achem trabalhoso, optando por ao realizar a compra de carta, a fazer puxando uma carta do fundo, de tal forma que ainda exista um ‘segredo’ sobre qual será a carta que irá vir.
No modo LEGADO DA FAMÍLIA (sem automa), antes de fazer qualquer coisa pesquisamos bastante e chegamos a ver um modo de um usuário que retirava automa e só usava 2 dados em cada ponte. O problema é que acabava simplificando demais e matando totalmente a trilha da passagem do tempo (aquela da garça), o que é muito ruidoso, pois avançar nessa trilha faz parte das ações possíveis do jogador, seja na lanterna seja em várias cartas do castelo. Se eu não disputo iniciativa, nem consigo piorar as trocas de moedas por pontos que automa faz, a trilha morre, visto que fica desinteressante andar nela apenas para ganhar poucos pontos de vitória e a um custo muito alto (várias ações de movimento nessa trilha e alguns selos). Para gente, se for pra jogar sem automa havia a necessidade de incorporar outros (e novos) elementos que deixassem a jogabilidade mais encorpada e atrativa. A solução era que a trilha da iniciativa permanecesse, mas fosse dando bônus ao jogador ao longo dos espaços, recompensando o esforço do cidadão em caminhar por ali.
(Foco nessas graças de garças (ba dum tss
)
Uma ideia foi sortear com os cubinhos do domínio do jogador (o tabuleiro individual) e colocar em algumas casas, se bem recordo na terceira, quinta e sétima. Daí o jogador ganharia por exemplo 1 de arroz/comida, depois o primeiro e o segundo recurso, depois os 3... isso garantiria algum interesse em fazer ao menos 7 avanços nessa trilha. Só que ainda não agradava, pois resolver o ícone de garça andando 1 ou 2 casas as vezes era muito custoso para compensar essa geração de recurso. Criamos uma versão 2.0 com a mesma ideia, mas a troca seria primeiro por 1 dos tiles sorteados do poço, depois pelos 2 tiles, e na terceira instância pelo poço todo (selo do daimyo + 2 tiles sorteados), mas apenas ficou "menos ruim". Lembrando: sempre haviam diversas partidas de teste, sempre na base da tentativa e erro. A trilha seguia como um mero detalhe, com uma chance razoável de ser desprezada dentro da estratégia do jogador. Cogitamos outros tipos de bônus e foi então que veio o advento das GRAÇAS DA GARÇA (não tente dizer rápido
). O embrião desses bônus foi quando conversamos sobre o modo solo poder ter uma campanha e existirem possíveis recompensas de uma partida pra outra, mas acabaram indo pra uma trilha e pra usufruto instantâneo, dentro da mesma partida. Pensamos em uns 15 a 20 bônus diferentes, mas ficaram os 6 mais interessantes. Havia coisas fracas demais, fortes demais e outras que acabaram sendo reutilizadas com algumas alterações.
Outro cuidado em não distorcer a jogabilidade devido à ausência de um oponente efetivo, é que as cartas do castelo apresentassem um certo dinamismo em sua mudança. O automa troca essas cartas quando sobe com cortesões, e aqui isso não acontece. Deixar a mudança apenas por conta do jogador, acabaria deixando essa questão meio travada. A solução encontrada foi descartar uma carta caso o baralho de rival coloque um dado em um dos 5 espaços com cartas no castelo, e tal medida se mostrou simples e funcional. Ainda outro ponto que notamos depois de testar exaustivamente foi a questão das rolagens dos dados propriamente dita. Numa partida multiplayer se as pontes tiverem dados com valores baixos (imagine algo como 2/2/3, 1/1/4, 1/3/3) a mesa inteira vai sofrer as consequências e ter que gerenciar esses valores, ou seja é danoso, mas passa a fazer parte da estratégia e desenrolar da partida. Há um prejuízo considerável para o jogador, pois o automa não paga moedas se alocar valores baixos, mas ao menos ele deixa de ganhar moedas, então também estará "sentindo o prejuízo" em um grau menor... e como ele pega aleatoriamente, pode acontecer de pegar os mais baixos e ainda deixar uns razoáveis para o jogador.
Se você joga apenas contra você mesmo, uma reserva de dados baixos remete apenas ao fato de que teve azar com a rolagem e vai ter que se virar, produzindo partidas com menos pontos em relação a outras partidas onde as rolagens foram mais generosas. Devido a isso foi implementada a AJUDA DOS ANCESTRAIS (que é só um nome temático pra dizer que existe uma rerolagem de dados pra melhorar o total numérico desse “corre” de cada ponte). Isso evita o amargo gosto de ter que dizer que “aconteceu” de rolar dados muito baixos e ficar torcendo pra que isso não aconteça muito na próxima rodada ou na próxima partida. Um tempero final foi adicionado a esse modo sem automa, fazendo jus ao próprio nome dele, existem “marcos”, que são o legado da família, com o jogador podendo cumprir essa expectativa/missão, superá-la ou não fazer, sendo recompensado ou punido nessas 3 instâncias.
ENCERRANDO
Então é isso, esperamos que as variantes figurem como uma contribuição legal tanto pra comunidade solo, quanto mais especificamente pra fãs do The White Castle!
Podem aguardar por mais variantes! Desde as mais simples traduções, adaptações com algum insight e algum tempero diferente até as de maior empenho cerebral e “físico” como esses dois novos modos solo. Eles foram elaborados em pouco mais de 5-6 semanas, um pouco antes do final de 2023 até final de janeiro. Ressaltamos que a premissa da Oficina de Variantes não é ter presunção em relação a fazer materiais melhores do que o original, mas sempre de respeito e complemento às obras. É como criar ou alterar um primeiro andar sem esquecer que ele só existe por ter antes dele existido a construção do térreo, uma base original que proporcionou que fossem feitas as alterações, as novidades.
Esses foram os bastidores do desenvolvimento e resolvemos trazer esse relato para externar para vocês como funcionou o processo, que pode ter parecido curto (aproximadamente um mês e meio), mas que só foi possível devido ao trabalho diário, sejam com conversas, sugestões, partidas, muito lápis e muita borracha (acreditem, se vão muuuitas horas no desenvolvimento, horas tanto prazerosas quanto esforçadas).
Esperamos que curtam e, reforçando: quem tiver interesse (e tempo) para participar conosco nessas empreitadas, só nos procurar! 
DOWNLOAD DO MODO LEGADO FAMILIAR
DOWNLOAD DO MODO VISITANTES OFICIAIS
Texto por: Rafael Arruda
Revisão: Raphael Gurian
