Já faz vários anos que eu parei de escrever textos sobre tabuleiros. Eu gostava de escrever algumas resenhas e análises em um tempo em que eu estava muito engajado com o grupo de tabuleiro local, a Curitiba Lúdica, porém esse tempo passou, desde 2017 nem anoto minhas partidas, dou notas nos jogos sem nem ao menos comentar sobre eles (ao menos ainda dou nota aos jogos que eu conheço). Meu volume de compras de jogos de tabuleiro diminuiu, na verdade acabei vendendo muitos dos meus jogos ao longo dos anos, mas uma coisa nunca mudou: continuo jogando tabuleiro com os amigos e com grupos locais, continuo conhecendo novos jogos e repetindo os velhos, talvez com um ritmo um pouco menor, já que ao longo desses 12 anos de hobby, a gente acumula responsabilidades novas e também outros hobbies.
Eu vivo repetindo que dificilmente algum jogo novo consiga nos surpreender da mesma forma que os primeiros jogos nos surpreenderam, faz parte da própria natureza das coisas, isso acontece com tudo, por exemplo bandas musicais, dificilmente o 14° álbum de uma banda que você goste vai te surpreender como os primeiros álbuns que você escutou dessa banda.
Não que meu top 10 jogos favoritos não tenham sofrido nenhuma mudança ao longo dos anos, já que sempre reavalio o que mais gosto de jogar de tempos em tempos, e 12 anos é tempo suficiente para muitas mudanças e novas experiências. Mas alguns jogos que conheci há muito tempo nunca saíram desse top 10, é o caso do grande Race for the Galaxy, Through the Ages, Eclipse.
Mas há um ano conheci um jogo que me surpreendeu muito, me fez reavaliar alguns de meus gostos por mecânicas e jogos de tabuleiro e fez com que alguns dos jogos que eu tinha em mais alta conta, não significassem mais tanto para mim. Esse jogo é o High Frontier (como vocês adivinharam?), que eu conheci nessa quarta edição, chamada High Frontier 4 All.
O espaço sempre me encantou, desde quando conheci Star Wars na infância, trilhando por um longo caminho por vários livros, jogos, séries e filmes de ficção científica no espaço ao longo da vida. Mas meu gosto por espaço é diferente hoje em dia do que o de muita gente, eu gosto do espaço pelo que ele é, e não pela forma fantasiosa que muitas mídias usam do espaço para criar suas histórias de fantasia espacial. Não que eu não goste da parte de ficção ou de uma história épica, mas eu gosto de ficções mais pautadas na física e na realidade do que tecnologias tão impossíveis que jamais poderíamos conceber ou diferenciar de magia. Resumindo, meu gosto é mais Hard Sci Fi, mais The Expanse, Kerbal Space Program, Outer Wilds, Trilogia do problema dos 3 corpos, Interstellar e menos Star Wars.
Esse ano vendi alguns tabuleiros e parte desse dinheiro foi usada para comprar um telescópio Refletor Dobsoniano de 8”, o que me impulsionou ainda mais para a astronomia amadora, foram várias noites observando o céu e tirando algumas fotos de astros tanto aqui do sistema solar quanto de céu profundo.
Esse é o contexto em que surge High Frontier na minha vida, e não tem como não se apaixonar por ele depois de entender o conceito do jogo alinhando com meus gostos pessoais descritos acima! High Frontier é um jogo de ficção científica espacial pautado em ciência! Tanto ciência de foguete, quanto ciência de espaço, órbitas e energia. Nossa missão é construir fábricas para criar peças ainda mais impressionantes de foguete e colonizar o sistema solar impulsionando a humanidade cada vez mais longe em suas conquistas.
O título desse artigo é: High Frontier 4 All, subindo um degrau de cada vez, e o motivo dessa escolha é que é a forma como eu joguei esse jogo ao longo do ano. Essa quarta edição tem uma proposta mais inclusiva de tentar trazer o jogo para perto de outros jogadores mais casuais que se assustam com o nível de complexidade e peso do jogo (4.81 no BGG no momento da publicação deste texto).
O trocadilho 4 All faz juz ao nome, já que além de o jogo estar todo modularizado para atender a diferentes demandas de complexidade, o jogo conta com 2 modos de jogo totalmente separados chamados Diamantes Espaciais e Corrida para a Glória que funcionam como uma forma mais introdutória do jogo e consequentemente bem mais simples. Eu joguei todos os modos e trarei aqui uma descrição de toda essa jornada.
Diamantes Espaciais, joguei com os meus filhos, na época eles tinham 6 anos, esse modo de jogo é extremamente introdutório, não tem quase nada das mecânicas do High Frontier, exceto pela movimentação pelo espaço. Até o espaço disponível é bem mais restrito, com as velas solares (ou foguetes se vocês quiserem incluir um pouquinho de complexidade) podendo chegar no máximo até a zona heliocêntrica de Ceres. Quando joguei com meus filhos, foi o modo mais simples, com velas espaciais. No turno de cada jogador as velas ganhavam pontos de movimento dependendo da zona heliocêntrica que estavam. Não demorou muito para meus filhos perceberem que, quanto mais perto do sol, mais eficiente era o movimento. Aterrissagem e Decolagem é simples, não leva tamanho da localidade em conta e ao aterrissar em alguma localidade, você podia pegar um token especial, que valia alguns pontos aleatórios ou tinham alguns efeitos diversos, seu objetivo era trazer esses pontos de volta para LEO (Órbita baixa da Terra "Low Earth Orbit"). Depois de alguns tokens desses trazidos de volta para LEO, ativa o fim da partida e cada um soma os pontos. Esse modo de jogo é de fato bem introdutório, especialmente útil para treinar a movimentação, mas é extremamente aleatório, sendo divertido principalmente com crianças (que conseguem jogar esse jogo sem muito problema).
Corrida para a Glória joguei especificamente o cenário de corrida para Marte, foi quando eu e mais 2 amigos estávamos aprendendo a jogar, esse já é um modo quase igual ao jogo base, com a diferença principal de que não existem apoios, só existem as 3 cartas principais: Robonautas, Refinarias e Propulsores. Além disso, não existem eventos e também nada de rolagem de cinturão radioativo. Só essas mudanças já são o suficiente para deixar o jogo bem mais simples e dá para se divertir bem já tendo um bom sentimento de como é o jogo completo. Único problema aqui é que as cartas estão completamente desequilibradas, já que o equilíbrio da maioria dos melhores propulsores, robonautas e refinarias são a quantidade de apoios que essas cartas necessitam e sem apoios existem cartas que claramente são bem superiores, e aí a sorte de você achar uma dessas no seu turno sem os outros poderem competir no leilão por estarem já com o limite acadêmico cheio pode fazer bastante diferença.
High Frontier, sem nenhum módulo: Esse joguei apenas uma vez, antes de incluir pelo menos o módulo 0. O sentimento do jogo é que, beleza, agora podemos jogar com os apoios, rolando os eventos e rolagens de cinturão, o mapa é gigante e vai ser difícil chegar super longe, mas somos livres para tentar. A progressão é bem lenta, o começo é pegar cartas no leilão para montar um foguete funcional com um robonauta e refinaria, possivelmente um bom propulsor para economizar combustível e, de acordo com o ISRU do robonauta procurar algum alvo para tentar prospectar. Meu maior medo no começo era pegar o foguete, calcular a rota para um lugar muito pequeno e não conseguir prospectar por causa da chance no dado, então eu ia direto para as localidades grandes onde a prospecção era garantida, Marte era perfeito nisso. Aí a gente se deparava com outro desafio: sair de lá, era fácil descer, difícil de subir, mas com apenas as regras base, existe uma ação chamada remessa que você pode enviar seus produtos ET para LEO, porém gasta uma operação para cada peça, e a produção de várias peças já é bem lenta, enviar peça por peça fica ainda mais lento. Minha sensação é que o jogo base é super lento de fazer qualquer coisa no mapa e ter um foguete minimamente decente, o fato de você não poder vender 2 peças por 5 aquas (usando a legislação de Liberdade no Módulo 0) também torna o giro da economia bem mais lento.
High Frontier com módulo 0: Esse foi o modo que mais joguei ano passado, como o módulo 0 não acrescenta tanta complexidade assim, usávamos a disputa política principalmente para impulsionar a economia nas primeiras rodadas, mexendo uns pauzinhos para colocar a Liderança como legislação ativa (permite vender 2 cartas por 5 aquas). Mais tarde com colônias trazendo novos delegados, existia uma disputa política maior para tirar alguma vantagem da pontuação final. Em todos os outros aspectos do jogo, mantinha a sensação de que o jogo demorava demais para engrenar, eram muitas operações para trazer peças para LEO e montar um foguete melhor com cartas pretas. Foi com essa configuração que joguei minha única partida em 4 jogadores (todas as outras foram ou em 2 ou em 3 jogadores), e só recomendo em 4 com todo mundo já sabendo bem o que faz, em 4 tem bastante downtime nas rodadas.
High Frontier com módulo 0 e 1: Não lembro exatamente quando comecei a incluir o módulo 1 em minhas partidas, mas sei que foi um caminho sem volta. Eu demorei para conseguir traçar uma boa estratégia com os propulsores GW e TW, mas os cargueiros eu peguei o jeito rapidinho, lembro quando comecei meus elevadores espaciais em Marte, aquilo era uma mão na roda. Dei Marte como exemplo mais uma vez, mas nessa altura da brincadeira eu já tinha vários outros alvos iniciais dependendo das letras das cartas que eu pegava no leilão e do robonauta que eu tinha, não tinha mais medo de depender de um 1 no dado para conseguir prospectar alguns asteroides, pq eu ia lá com uma arma de feixe e tentaria vários alvos, geralmente algum eu conseguia, se não conseguisse, me movia para o próximo cluster de asteroides. Mas lembro quando fiz meu primeiro propulsor GW e depois transformei ele em TW, se mover pelo espaço virou uma piada, dava para chegar em qualquer lugar do mapa com pouquíssimo esforço e essa sensação é muito legal, mas ela aconteceu de forma incremental. Foi um degrau de cada vez até chegar em um propulsor desses, e essa sensação de conquista é provavelmente a melhor coisa que o High Frontier consegue proporcionar. A sensação de lentidão do jogo ficou menor, apesar de ainda demorar para produzir as peças, com a prática a gente foi descentralizando a ideia de ter que levar tudo para LEO para montar o foguete e o fato de ter os cargueiros transportando as peças aliviava uma operação que era usada como remessa para fazer outras coisas, como escolher um propulsor GW, ou apoios melhores no leilão enquanto o cargueiro transportava as peças com o movimento.
High Frontier com módulo 0, 1, 2 e Futuros: Não joguei com o módulo 2 sem futuros ainda, provavelmente o farei quando jogar em mais pessoas, mas joguei com todos esses módulos partidas solo, no cenário CEO (obrigado, Victor, por esse excelente cenário). Vale dizer que o jogo muda bastante, ao invés de seguirmos de forma imparável em busca de mais zonas prospectadas, fábricas e colônias, como é o jogo sem os módulos, aqui as conquistas finais que buscamos são os futuros, presentes em cargueiros, propulsores TW e colonizadores. A sensação de conseguir realizar um feito incrível como acelerar um cometa em direção ao Sol e criar um mini buraco negro que servirá de fonte de energia para a civilização do futuro é o que justifica esse jogo ser tão incrível. Mais uma vez é importante ressaltar o quanto as conquistas dos futuros são incrementais, igual quando eu dei o exemplo de quando adquiri o primeiro propulsor TW, você não vai completar o futuro DO NADA, no começo da partida, e é por isso que se justifica jogar com 7 ciclos solares, 84 anos. A sensação que eu tenho é que a partida com todos esses módulos fica mais fluída, apesar de claramente mais longa, já que em muitos momentos você consegue levar colonizadores que tem um emprego que agilizam algumas tarefas economizando operações (e consequentemente rodadas/anos) ao longo do tempo, por exemplo se você tem um industrialista a bordo, pode fazer uma industrialização como ação livre, se você tiver um engenheiro, pode produzir mais de uma carta ET com uma única operação, etc. Além de tudo, por você estar ocupado nas rodadas mais avançadas com produção ET, não tem tempo de ficar comprando carta do mercado para ficar gerando Aqua, por isso, ter um bernal inicial ancorado faz muita diferença, a cada rodada pinga uma Aqua no seu banco, além de adquirir uma habilidade de bernal e habilitar a habilidade da tripulação, fazer exomigração de colonizador e poder lançar seu foguete direto para a zona do Bernal (pelo dobro do preço), geralmente pulando uma rolagem de Cinturão de Radiação. São tantos benefícios que acaba facilitando seu planejamento. O fato de você geralmente ter aquas no banco ajuda muito a mitigar sorte nas rolagens de perigo, meus foguetes pararam de se destruir por bobagem em jogos com o módulo 2, porque sobrava mais aqua no banco para evitar rolagens de perigo (Falhar não é uma opção).
Concluindo, parece contra intuitivo que acrescentar mais módulos possa facilitar sua vida, principalmente porque obviamente acrescenta-se mais complexidade no jogo, mais escolhas, mais tempo de jogo. Mas ao mesmo tempo, essas possibilidades representam soluções mais elegantes para resolver problemas em suas missões. O Módulo 0, através dos decretos acrescenta novas possibilidades econômicas que podem possibilitar gerar mais aqua em menos tempo, o Módulo 1 acrescenta os cargueiros que vão ajudar na sua logística de transporte e propulsores GW/TW que vão te fazer se mover pelo mapa como se estivesse deslizando em manteiga, e o Módulo 2 vai acrescentar os bernais e colonizadores que vão te ajudar na economia e a te economizar operações, movimento e rolagens de dado, além de os Futuros que representam novos objetivos a serem alcançados que vão te dar um foco do que seguir em um jogo sandbox. No fim, o jogo foi modularizado para facilitar o aprendizado e se adequar a diferentes demandas de diferentes tipos de jogadores, mas High Frontier só parece completo mesmo ao acrescentar tudo isso junto com os Futuros, o problema vai ser o tempo de jogo…
Edit 1: Arrumada a formatação e tamanho da fonte.
Edit 2: Resolvi colocar umas fotos tiradas com meu telescópio.
Telescópio Refletor Dobsoniano 8" Sky-Watcher Flextube 200p F/5.9
Fotos tiradas com um Celular Galaxy S10+ usando um adaptador em lente de 6mm (aproximadamente 200x de magnificação)
A foto da lua foi utilizando uma lente ocular de 6mm e uma Barlow 2x (400x de magnificação). A foto de Urano é simples, as de Saturno e Jupiter foram processadas utilizando stack de vídeos. Na imagem de Jupiter reparem a lua Io bem fraquinha no lado direito em baixo, Jupiter dá para ver as 4 luas galileanas sem problemas no telescópio, mas a captura da imagem é mais complicado porque para aparecer as luas, acaba estourando a imagem do planeta, por causa do ISO e tempo de exposição. Saturno é possível ver 5 luas, mas na imagem mesma coisa, se aumentar ISO e exposição demais, estoura a imagem.



