"Então, Malkuzar, um Mago do Caos velho e sábio se pronunciou. A razão de ser chamado de sábio era resultado de ter sobrevivido a cinco ou mais de seus próprios experimentos. 'Não existe mais nada a ser feito. Ter vizinhos não é necessariamente ruim para nós, é bom para o comércio. Quando construirmos nossos próprios assentamentos, poderemos economizar muito ouro comercializando'" (Manual, p. 1).
Terra Mystica, um verdadeiro clássico dentre os jogos de tabuleiro modernos, possui uma temática interessante: retrata a terraformação e o povoamento de um mundo mágico por diferentes facções. A partir de uma narrativa de fantasia medieval, o objeto dos jogadores é o de conseguir mais sucesso no seu desenvolvimento que os seus oponentes, todavia, com um detalhe importante: todo o progresso no jogo é feito de forma pacífica. Além disso, quanto mais as construções das diversas facções se aproximam, mais surgem oportunidades de vantagens mútuas. As facções que optarem por receber essa vantagem, todavia, devem abrir mão de avanços individuais, perdendo alguns preciosos pontos de vitória.

Tal valorização da cooperação é representada em Terra Mystica por meio do chamado ´Poder das Estruturas', que se dá da seguinte forma: sempre que um jogador construir estruturas diretamente adjacentes a estruturas de um oponente, o oponente pode ganhar poder, conforme o valor das estruturas que possui diretamente adjacentes àquela que está sendo construída. Todavia, como citei anteriormente, esse poder tem um preço: é necessário ao jogador que aceita receber o poder perder uma quantidade de pontos de vitória igual ao número de poderes recebidos menos um, sendo vedado, entretanto, que termine com um valor negativo quando perder pontos de vitória dessa maneira. A facção dos Cultistas se favorece, especialmente, desse princípio colaborativo, pois possui a habilidade de avançar na Trilha do Culto ou de ganhar poder sempre que ativar o Poder das Estruturas aos seus oponentes.

Tenho a impressão que os jogos competitivos formam uma esmagadora maioria dentre os modernos, nada que seja surpreendente numa sociedade neoliberal como a nossa, onde a concorrência entre os indivíduos aprofundou-se ao ponto de modificar as nossas formas de agir, pensar, falar e, principalmente, de nos relacionar. Terra Mystica é mais um dentre tais incontáveis jogos competitivos lançados, mas com esse pequeno e interessante diferencial, que é o princípio de cooperação entre as facções. O jogo não chega a ser um semi-cooperativo, mas destaca o senso de cooperação nos jogadores, de modo seja possível um desenvolvimento mútuo e não bélico entre facções tão diferentes entre si. Enfim, imagino que, se houvesse uma historiografia da Terra Mystyca, não poderia ser dos grandes conflitos, mas da cooperação entre os povos.
Por: Linauro. Apaixonado por literatura, música e jogos, desde sempre. Descobriu nos jogos de tabuleiro uma desculpa perfeita para passar mais tempo com amigos e pessoas amadas.
Imagens: acervo pessoal.