Markgame::Vejo que os amigos conhecem bem o assunto, e agradeço por compartilharem essas informações e dicas importantes das quais falam tão apropriadamente. Pelo que entendi, posso registrar um desenho (arte) do tabuleiro na Biblioteca Nacional e, para desencargo de consciência, fazer também um registro da descrição das regras em cartório. Certo?
Curiosidade: os amigos mencionaram o jogo Detetive. Quando criança tive o Scotland Yard da Grow e, embora nunca tenha jogado o Detetive, sempre suspeitei haver alguma semelhança entre eles. Ou seriam apenas do mesmo gênero e, como eu disse antes, gênero é gênero e plágio é plágio!
Caro
Markgame
Rapaz, essa questão do nosso Scotland Yard é meio complicada, mas exemplifica bem, essa questão de como funcionavam os direitos autorais no passado e com eles funcionam atualmente. Mas é melhor ler sentado porque a história é um pouco longa.
Os principais jogos de tabuleiros, que nós conhecemos como clássicos, foram lançados no Brasil nos anos 70 e 80. O Banco Imibiliário é um pouco mais velho, tendo sido lançado a primeira vez em 1944, pela Estrela. Nessa época 60/70, o mundo era muito diferente. Quase não havia transmissões ao vivo de outros países (os satélites de comunicação ainda eram precários), linha telefônica era um artigo só para ricos, um interurbano era um suplício para conseguir, e uma chamada internacional além de caríssima era quase impossível de fazer. COm isso, as pessoas não ficavam sabendo muito rapidamente o que acontecia nos outros países.
Por conta disso, Estrela e Grow (que curiosamente foi fundada com os lucros do WAR, que era quase um cópia do Risk, como algumas modificações) lançavam jogos estrangeiros de sucesso no exterior, como se fossem dela, sem pagar um centavo de royalties ou diretos autorais. Foi isso que aconteceu com o WAR (Risk), Banco Imobiliário (Monopoly), Detetive (Clue), entre outros. Elas faziam isso simplesmente porque a Hasbro, Parker & Brothers, e outras empesas estrangeiras não faziam a menor ideia do que acontecia no mercado brasileiro de brinquedos e jogos. Posteriormente, após o desenvolvimento das comunicações e principalmente com a popularização da Internet, a coisa mudou de figura. No início dos anos 2000 a Hasbro decidiu aumentar a sua presença no mercado brasileiro de jogos e brinquedos, o que deu origem a um processo judicial contra a Estrela, que dura até hoje.
Mas e o Scotland Yard com isso????
Pois bem, como eu te disse, nos anos 70/80, o mercado nacional de jogos era uma "terra de ninguém", por isso as empresas brasileiras lançavam os jogos na cara-dura mesmo. Em 1975, surgiu um jogo excelente de uma editora britânica a Gibsons, que se chamava 221b Baker Street. Esse era o endereço fictício de Sherlock Holmes (embora hoje em dia ele exista e é um museu dedicado ao famoso perosnagem). Esse jogo fez um grande sucesso e despertou o interesse da Grow, porém a empresa achou que o nome seria um problema. Qualquer pessoa no Reino Unido faz imediatamente a ligação entre esse endereço e Sherlock Holmes, mas no Brasil as pessoas não estavam tão familiarizadas assim, com o personagem de Sir Arthur Conan Doyle. Desse modo, para tornar o jogo mais vendável, a Grow resolveu mudar o nome e lançá-lo como Scotland Yard. Apesar disso fazer sentido do ponto de vista comercial, por outro lado não tem a menor razão de ser do ponto de vista do personagem. Isso porque Sherlock Holmes, que é um ponto central do jogo, nunca trabalhou na Scotland Yard, mas vamos pular essa parte.
O jogo vendeu muito bem no Brasil e tudo ia de vento em popa para a Grow. Entretanto, em 1983 foi lançado na Alemanha pela editora Ravesnburger um outro jogo chamado Scotland Yard, que não tinha nada a ver com o 221b Baker Street, nem como "nosso Scotland Yard". A Grow també resolveu lançar esse jogo, mas obviamente não poderia usar esse nome, porque já havia lançado anteriormente outro jogo com esse nome. Para resolver isso, a Grow resolveu lançar o Scotlnad Yard alemão, com o nome de Interpol, que também fez algum sucesso aqui no Brasil. Hoje em dia esse episódio ainda causa discussão, porque em 1983 o "Scotland Yard alemão" (que seria o nosso Interpol), ganhou o prestigiado prêmio Spiel des Jahres, que é o "Oscar do board game". Com isso, quem não sabe da historia fica achando que quem ganhou o prêmio foi o nosso Scotland Yard, quando na verdade o jogo ganhador, apesar de ter esse nome, é o jogo que aqui conhecemos como Interpol.
No mais, os dois jogos são bem diferentes apesar de terem essa mesma aura de mistério e resolução de um crime. A principal diferença é que o Scotland Yard tem um número finito de casos a serem resolvidos, enquanto que o Detetive é um jogo que a cada partida tem novo um conjunto de informações a serem descobertas (suspeito, arma e local). O que torna os jogos parecidos, é porque os dois se passam em um ambiente mais antigo, o Scotlad Yard na Londres do final do século XIX e o Detetive em uma mansão vitoriana nos anos 30/40). Além disso, os dois utiliza a mecânica role e mova, que era muito comum, nos jogos anteriores a 1995, quando se iniciou a Era dos Board Games Modernos, como lançamento do Catan. Fora isso, os jogos são bem diferentes.
Por fim, sem quere fazer jabá "em a causa própria", mas já fazendo, se você quiser saber mais, eu escrevi uma série de textos, aqui no Ludopedia (dica p/ novos jogadores), para esclarecer as pessoas sobre como funciona o hobby dos board games, e acho que talvez você ache essa série de textos muito legal. O primeiro está em:
https://ludopedia.com.br/topico/46232/1-dica-p-novos-jogadores-conheca-melhor-o-hobby
Um forte abraço e boas jogatinas
Iuri Buscácio