Quem me acompanha por aqui deve saber que eu gosto muito do Jamey Stegmaier (inclusive ele foi o tema de um dos meus textos mais lidos na Ludopedia).
Além de fazer jogos que, além de divertidos, são verdadeiras obras de arte, Stegmaier possui um canal no Youtube onde ele fala sobre diversos temas de jogos de tabuleiro: faz rankings, comenta mecânicas que ele gosta e às vezes discute temas inusitados, como o que motivou esse artigo: no vídeo abaixo ele fez uma espécie de “perfil do jogador”, onde ele respondeu diversas questões seu público lhe pergunta sobre seus hábitos e preferências no hobby.
Eu achei que as perguntas traziam pontos interessantes e, mesmo sem vocês terem me perguntado nada disso, achei que seria legal respondê-las. O esforço de escrever muitas vezes nos ajuda a organizar o pensamento de uma forma que não seria possível se fossemos falar de improviso sobre aquele assunto. Segue o questionário!
1. Qual o seu jogo favorito da infância?
Essa pergunta é difícil para mim, pois eu gosto de jogos desde que me entendo por gente. Aliás, não só jogos, mas qualquer tipo de competição me fascina. Eu lembro como se fosse hoje da abertura das Olimpíadas de 1980, com aquele imenso painel humano onde aparecia o ursinho Misha.
Quando eu era jovem, eu gostava de ver na TV Manchete uma resenha esportiva que mostrava os esportes mais diferentes do mundo, como o futebol australiano e uma espécie de futevôlei tailandês onde as cortadas eram dadas com um voleio ou uma bicicleta.
O que me atraía naquilo era a capacidade humana de inventar formas de competir. A competição é inerente ao ser humano e aparece em quase tudo o que fazemos, mesmo que algumas culturas tentem esconder isso.
Voltando aos jogos, eu talvez devesse escolher o Master porque, nerd que sou, era o jogo em que eu vencia quase sempre. Porém, vou ficar com o Banco Imobiliário porque é o jogo do qual eu aprendi uma das maiores lições da minha vida.
Eu tinha um vizinho 3 anos mais velho que eu. Quando você tem 10, 11 anos, isso faz muita diferença. Jogamos Banco Imobiliário, eu e ele. Quando todas os terrenos e ações foram compradas ele me propôs: “te dou todo o meu dinheiro em troca de todas as suas propriedades”.
O idiota que vos fala topou. Bastaram umas duas ou três rodadas para eu perceber a besteira que tinha feito. No banco imobiliário, depois que não existem mais terrenos à venda, o dinheiro só serve para pagar despesas ou para colocar casas e hotéis. Sem ativos, seu destino é a bancarrota.
Hoje seria um claro exemplo de Bullying. Mas na época, valia tudo e me serviu para aprender uma lição importante: dinheiro é um meio, a real riqueza não está nele, mas no que ele pode comprar. Por mais ouro que tivesse, um nobre da idade média tinha uma vida pior do que um cidadão médio moderno.
Não reclamo desse meu vizinho (o nome dele é Alexandre, vai mais de 30 anos que não o vejo). Ele aprontava essas para mim diversas vezes, mas também me apresentou muita coisa legal: foi através dele que conheci o Deep Purple e conjuntos de Rock Progressivo. Ser o caçula da galera é chato, mas você aprende bastante coisa!
2. Primeiro jogo que você comprou?
O primeiro jogo que eu comprei foi um jogo chamado Waterloo, lançado aqui pela Grow nos idos do anos 80. Era uma espécie de controle de área e “dudes on the map” tendo como tema as guerras napoleônicas. Tenho que confessar que não lembrava quase nada do jogo, além do fato de terem as nações da europa em um mapa muito estilizado, mas encontrei ele no BGG (sob o nome de “Campaign”) e tem até um vídeo sobre ele. Na época me parecia complexo, mas é até bem simples para os padrões de hoje.
Entre esse período da infância e a minha fase de jogador moderno se passaram pelo menos 30 anos onde fiquei totalmente afastado dos jogos de tabuleiro. Eu até joguei um pouco (muito pouco) de RPG na época da escola técnica/início da faculdade (mas cheguei a comprar o livro MERP – Middle Earth Role Playing), e depois perdi contato com jogos de mesa.
Na faculdade jogava muito carteado (basicamente, Sueca) e acabei indo parar no Clube de Bridge do Rio de Janeiro. Por 2 anos fui um jogador dedicado quase exclusivamente ao Bridge, quando cheguei a jogar (muito mal) o campeonato brasileiro de duplas (fiquei em último lugar, sem chance de perder esse título – na verdade eu não tinha condições de estar ali, mas a minha namorada da época era uma jogadora forte, campeã sul-americana, e eu entrei no torneio de gaiato mesmo).
3. Qual jogo mudou sua vida?
Com certeza, foi o Bridge. É o jogo que formou meu caráter como jogador, onde trabalhei muito a minha memória e minha capacidade de planejamento, além de toda técnica necessária em jogos de vaza, além do que considero talvez o meu maior diferencial em relação a média dos jogadores: baixa aversão ao acaso.
Uma coisa que eu gostaria muito de ver acontecer seria os mundos dos clubes de Bridge e dos jogos modernos se juntarem. Acho que seria benéfico para todos. Os clubes têm estrutura, espaço, mesas, e precisam do que a gente tem: gente nova e interessada, competitiva e acostumada a encarar uma curva de aprendizado alta para aprender a jogar bem um jogo.
Talvez nem todos os jogadores de tabuleiro se tornassem bridgistas, mas uma programação híbrida traria aos clubes uma possibilidade de receita.
4. Um tema que lhe fascina?
Trens. Desde criança, sempre adorei os trens, muito mais do que carros. O lance de ter uma estação, horários programados e cumpridos, sempre me passou uma imagem de precisão e controle que achava muito maneiro.
Eu tive vários “Ferroramas” e adorava montar pistas com diversos desvios e desacoplamento de cargas. Sonhava em comprar aqueles modelos importados, mas isso era muito fora da capacidade dos meus pais.
Sendo assim, jogos de montagem de rota sempre me intrigam. Não sou especialista, ainda não joguei os 18xx, mas nem sei se isso é necessário, pois o Ticket to Ride já me diverte à beça. E, não à toa, o Brass é o eu jogo favorito.
A graça dos jogos mais leves é que mais gente consegue aproveitar melhor o jogo, entender o que está acontecendo e jogar de forma competitiva.
Hoje, um tema que me fascina são os jogos onde o autor tenta reproduzir um fato histórico real, te colocando na posição dos personagens que viveram aquela situação. Dou como exemplo Churchill, Pax Pamir, Versalhes 1918, Twilight Struggle e por aí vão… Nem sempre consigo jogá-los, mas o tema realmente me fascina.
5. Uma mecânica que lhe intriga.
Eu sou o tipo de jogador que prefere jogos com o espaço de decisão limitado. Jogos sandbox ou saladas de ponto muito abertas me incomodam, porque eu simplesmente não tenho saco de avaliar todas as possibilidades oferecidas. Acabo escolhendo a primeira boa ação que me aparece.
Talvez seja por isso que eu gosto muito de jogos de vazas ou onde você precisa gerenciar ações com base em cartas que te dizem o que você pode fazer. Brass, Concórdia, Lewis & Clarke, Wingspan, Brian Boru, The Crew, todos esses são jogos que representam bem o tipo de desafio que eu gosto de encarar.
Nesses jogos, eu posso me concentrar em fazer o melhor com o que eu tenho ao invés de ficar tendo que analisar todas as possibilidades do tabuleiro. Isso me liberta, pois eu posso avaliar um ou dois caminhos e trabalhá-los de acordo com as oportunidades que aparecem.
6. Cooperativo ou Competitivo?
Competitivo. Jogo cooperativo para mim só é bom quando não tem aquela coisa de ficar apagando incêndio o tempo todo, como no Pandemic. Eu gosto muito do The Crew por causa disso. Não tem como um alfa dominar tudo e todo mundo precisa jogar bem para dar certo, mas eu não sinto que o jogo fica criando problemas artificiais só para me fazer perder o jogo.
Uma dinâmica que nós usamos muito pouco no hobby é o jogo em parceria. Eu adoro isso, mas é algo que praticamente não se faz. Concórdia tem uma boa variante para jogar duplas, joguei duas vezes, uma foi bem legal e outra foi desastrosa. Gostaria que mais jogos oferecessem essa possibilidade.
7. Jogo mais novo na sua coleção
Acabei de comprar um Imperial, do Marc Gerdts, em um leilão. Eu adoro os designs desse cara.
8. Quantidade favorita de jogadores.
Eu sou fã de jogos com 4 pessoas, acho que é o que funciona melhor em quase todos os casos. Porém, eu não me preocupo muito com ideal player count não. Jogar sempre é bom.
9. Qual a cor de jogador que você costuma usar?
Sempre que possível, azul. Não tenho superstição, mas quando jogo com outras cores as vezes me confundo. Se não der para usar o azul, tento ficar com preto, branco, roxo…
10. Ler o manual ou ver um vídeo com as regras.
Vídeo ou receber a explicação de alguém que já tenha jogado. Eu gosto de ler o manual depois que eu joguei a primeira partida, para consolidar o entendimento e ver se perdi alguma coisa.
11. Tira-gosto preferido para a jogatina?
Amendoim. Acho o tira-gosto perfeito para a mesa de jogo, sendo o que traz menos risco de estragos.
Não sou muito fresco com os meus jogos não. Até sleevo a maioria, mas não fico alucinado se colocarem um copo na mesa, como um amigo meu.
12. Um jogo ainda não lançado pelo qual esteja ansioso?
Confesso que perdi um pouco dessa ansiedade por jogos novos.
A questão é que eu comprei tantos jogos nos últimos anos que eu literalmente não tenho mais espaço em casa para guardá-los (estou pensando até em fazer um grande leilão para dar uma esvaziada aqui) e muitos eu ainda não joguei então, o meu afã por buscar jogos novos realmente diminuiu um pouco. Estou esperando os jogos saírem por aqui, não fico mais garimpando jogo obscuro no BGG não.
Dito isso, um jogo que não foi lançado no Brasil que eu adoraria comprar é o Texas Showdown. Que jogo de vazas maneiro!
13. Abrir e destacar os componentes assim que o jogo chega, ou esperar a primeira partida.
Depende de quanto estou curioso pelo jogo. Não tenho uma rotina clara quanto a isso, mas ao menos abro o jogo para olhar o conteúdo.
14. O que você mais gosta no Hobby?
Essa eu acho que já respondi várias vezes aqui nesta coluna! Juntar pessoas numa mesa para jogar e depois discutir a partida. Adoro uma resenha!
Eu escrevo sobre jogos justamente para poder fazer isso com mais gente. Eu adoro falar sobre os jogos, tentar entender como as pessoas os abordam, o que elas enxergam, o quanto elas conseguem planejar e o quanto é apenas reação ao que o adversário está fazendo.
15. Algum outro Hobby além dos board games.
Como eu disse no início, eu gosto muito de esportes, principalmente futebol americano. Eu já fui participante de um podcast sobre a NFL entre os anos 2014/2016, chamado de Fumblecast. O programa era bem tosco, mas era muito divertido, pelo menos para nós que o gravamos.
Além disso, eu gosto muito de ler, principalmente livros de “não ficção’. Sou viciado em História, principalmente idade antiga e idade média, mas também curto a era moderna. Na verdade eu leio quase tudo que cai na minha mão (menos os manuais dos jogos… oh, coisa ruim de ler!!)
Conclusão
Este foi um texto bem diferente dos demais, onde eu toquei em questões muito mais pessoais. Espero que tenham gostado.
Convido a todos que se sintam à vontade para responder responder, se não aqui nos comentários, pelo menos para si mesmos, a essas perguntas. Achei um exercício bem interessante e seria muito legal saber como vocês veem essas questões.
Será que vale a pena?
Eduardo Vieira é analista de sistemas, e participa do Hobby desde 2018, mas vem tentando descontar o tempo perdido! É casado, mora no Rio de Janeiro e vive reclamando que não tem parceiros para jogar tudo que compra!