Celio Wolff ::Penso que mesmo no uso mais clínico citado acima, o quanto seria importante a criação do hábito e a normalização do seu uso. Em mundo cada vez mais digital, ter a presença de pessoas interagido ludicamente e emocionalmente e uma fonte enorme de Possibilidades e Benefícios.
Sim, com certeza.
Só complementando, eu entendo que os jogos tem muito a contribuir para saúde mental dos jogadores.
Existe um conceito muito em voga que é o de Regulação Emocional. Regulação Emocional é aquilo que fazemos quando queremos nos sentir bem. Tem a ver com o instinto básico de buscar prazer e evitar prazer. Por exemplo, depois de um dia de trabalho estressante, ou após uma discussão familiar, é comum que nós humanos tenhamos diversos comportamentos para tentar sair do estado de frustração, raiva ou tristeza. Tem gente que bebe, tem gente que assiste tv, tem gente que vai pro futebol... e existimos nós, jogadores de boardgames.
O jogo é um exemplo de atividade que contribui para a Regulação Emocional. Se bem trabalhado, é uma atividade muito saudável (se mal trabalhado pode acarretar vícios como consumismo desenfreado, ou FOMO). Mas é muito interessante porque é uma atividade, assim como o esporte, que permite exercer tanto trabalho competitivo quanto cooperativo dentro de um ambiente controlado. Isso significa, por exemplo, que você pode direcionar um instinto, como agressividade e transformar em espírito competitivo (enquanto na vida real, uma agressividade mal dirigida se transformaria em violência).
Uma vez vi um depoimento muito interessante de um jogador de RPG, falando sobre como o RPG tinha contribuído para que ele mantivesse a saúde emocional durante a adolescência. Eu me identifico muito com esse depoimento. Na minha juventude o RPG ajudou demais a consolidar meus laços de amizade, exercitar minha criatividade, minha empatia, a pensar sobre resolução de problemas... Os boardgames modernos chegaram bem mais tarde para mim, mas também hoje me ajudam demais a manter a conexão com os amigos, relaxar, pensar estrategicamente.
Por fim, apesar de muito se falar em benefício dessas práticas, é difícil pensar num desenho de pesquisa para comprovar esses benefícios. Seria preciso comparar, por exemplo, grupos de jogadores e não jogadores para medir a variável a ser estudada. E mesmo assim não teria como afirmar se a correlação é ou não causal.
Um exemplo fictício: vamos estudar se existe correlação entre inteligência (QI) e jogos de tabuleiro. Mesmo depois de controlar outras variáveis (gênero, classe social, idade, etc) é difícil poder afirmar que a correlação, seja positiva ou negativa, se dê pela variável estudada. Vamos supor que os jogadores de boardgame apresentem QI maior que o grupo controle (gente, é só um exemplo, não tem nenhuma base empírica!!!), será que é o jogar boardgame que contribui para o QI aumentado ou será que existem outras variáveis não observadas? Como por exemplo, quem joga lê mais, ou dorme melhor, e ao invés do jogo, é esse outro hábito que tem correlação positiva com QI.
E mesmo assim, não seria possível afirmar se quem joga tem aumento de QI, ou se quem tem QI elevado costuma buscar mais esse tipo de entretenimento (isso daria outro estudo).
Devido a essas dificuldades (e talvez um certo desinteresse pelo tema do ponto de vista acadêmico), é muito mais fácil encontrar depoimentos do que estudos falando sobre os supostos benefícios de jogar.