A abordagem do Automa II: Guias e dicas para criar modos solitários de jogos multiplayer
Jogadores solo verdadeiros estão acostumados a fazer bastante “contabilidade” durante a jogatina, de modo que mesmo um Automa complexo pode ser manejado com relativa facilidade. Isto, todavia, não é verdade para jogadores menos aguerridos. O tempo de jogo é valioso demais para ser consumido com o gerenciamento do Automa e este deve ser tão simples até parecer que ele próprio se gerencie, eximindo o jogador disto para que ele se concentre na experiência do jogo.
É muito difícil tornar papel e peças inteligentes, de modo que sempre é tentador permitir ao jogador fazer escolhas pelo Automa. No entanto, para mim, isto não serve. É o equivalente ao jogador assumir o papel de outros em um jogo multiplayer! Isto destrói a imersão proporcionada pelo jogo. Quanto mais envolvido pelo tema, melhor a experiência! Quando você passa a fazer escolhas pelo Automa, isto se perde completamente, pois a ilusão se perde e o engajamento no jogo diminui. Exceções a isto são quando os interesses do jogador e do Automa estão alinhados e quando, tematicamente, isto faz sentido. Um exemplo disto é quando a inteligência artificial do jogo controla zumbis e outras criaturas sem capacidade de raciocínio. Esta segunda situação deve ser justificada pela situação do jogo quanto pelo manual sempre.
Tenho duas principais razões para tentar usar os Automas quando faço uma modos solo de jogos multiplayer. A primeira é a vontade de replicar a experiência do jogo multiplayer. Em segundo lugar, porque tenho a impressão que não fazer isto pode resultar em um jogo quebra-cabeças de otimização insosso, não em um verdadeiro jogo.
Agricola é um bom exemplo deste ponto. Tem um modo solo oficial, mas a comunidade aprecia muito mais seu modo multiplayer do que o solo, pois ele realmente parece um quebra-cabeças de otimização de sistemas e recursos. A razão disto é que o modo solo é uma versão muito modificada do jogo, sem a adição de elementos que permitam simular o efeito da atuação de outros jogadores. Neste caso, o jogo solo parece agregar algum valor de mercado ao jogo, mas dificilmente você o compraria especificamente pela experiência solo.
Exceções ao que digo acima são os filler. É aceitável que jogos baratos e rápidos apresentem desafios simplificados para o jogador, principalmente se houver um elemento de randomização que permita um desafio diferente a cada partida. Dessa maneira o jogo não seguirá uma fórmula única que o jogador pode aprender e repetir sempre. Alguns exemplos de randomização para modos solo sem a necessidade da adição de Automas incluem o setup aleatório e o gameplay aleatório. No primeiro, a situação inicial variará, de modo que você nunca enfrentará o mesmo problema de saída duas vezes, o que se observa em jogos como Legendary: A Marvel Deckbuilding Game. O gameplay aleatório se caracteriza pela variabilidade das ações disponíveis para o jogador e que jamais serão previamente conhecidas por ele, que é o que se observa na maioria dos jogos multiplayer pelo efeito da ação dos jogadores sobre os elementos do jogo. A adaptação deve acontecer turno a turno.
Pontuação máxima versus vencer ou perder
Uma das característica do modo solo do Agricola é seu caráter de otimização máxima, isto é, o objetivo de pontuar o máximo possível, o que reforça sua característica de se tratar de quebra-cabeças de otimização de sistemas e recursos e não um verdadeiro jogo solo. Jogos de tabuleiro são sobre vencer ou perder. Se você não vence ou perde, apenas pontua, talvez a experiência seja vazia.
A maioria dos jogos baseados em pontuação também terá um teto de altos escores. Você poderá atingi-lo mediante jogar repetidamente, mas possivelmente atingirá um ponto a partir do qual não mais será possível melhorar.
Ademais, muitos jogadores creem que jogar contra sua melhor pontuação não é nem de longe tão tenso quanto jogar para vencer. Desenhar um modo solo para a obtenção de altas pontuações ao invés de um oponente artificial pode reduzir a tensão provocada pelo jogo.
Tensão
A criação de tensão é uma forma ótima de se criar uma boa experiência solo, mas os jogos solo tem desafios maiores do que os multiplayer neste quesito. Nos jogos multiplayer a tensão é inerente ao próprio jogo: suas vitórias, derrotas, erros e acertos são observados e contrapostos pelos demais jogadores, o que faz com que o jogo fique tenso mesmo quando não há muito acontecendo. Os jogos solitários são diferentes, não há ninguém para observá-lo e poucos se importam de vencer ou perder de uma pilha de cartas tanto quanto contra um oponente real. Se nada de ruim puder acontecer ao jogador solo em breve, a tensão desaparece e o entretenimento se esvai.
Desta forma, a tensão é importante nos jogos solo e recomendo que você considere sempre acrescentar uma camada extra da mesma a seus jogos. Uma forma de fazê-lo é incluir uma ameaça constante aos jogador, que pode impor-lhe uma derrota, mas não sem dar-lhe uma chance de responder.
No caso do Viticulture, por exemplo, acrescentei uma variante na qual se você encerrar um ano com menos pontos do que o automa, você perde o jogo automaticamente. Desta forma você sabe quantos pontos você precisa atingir ao final de cada ano e pode planejar suas ações desta forma. O desafio de consumir suas ações em curto prazo para gerar pontos pode interferir com sua estratégia de longo prazo, criando, desta forma uma outra camada de tensão para o jogo solo.
Uma forma mais radical de adicionar tensão ao jogo é ter um critério de fim de partida não binário (vitória ou derrota), mas sim níveis diferentes para as vitórias e derrotas. É importante, todavia, que seja claro que perder é perder e vencer é vencer e que isto não acabe como um jogo que visa a altas pontuações. Estes diferentes níveis de vitória e derrota podem ser embasados na temática do jogo. Um bom exemplo disso é o jogo Nemo’s War, no qual há até 20 finais diferentes a depender do caminho que você escolheu e o quão bem você se deu.
Finalmente, os modos de campanha podem ser boas adições, pois agregam tensão, uma vez que o desfecho de cada partida interfere com as partidas subsequentes. Agricola, que eu critiquei a cima, tem um modo campanha que me parece uma forma adequada de melhorar seus critérios de vitória.
Modos de campanha são melhores para jogadores solo do que para os multiplayer, uma vez que é muito difícil ter o mesmo grupo disposto a continuar jogando o mesmo jogo várias vezes.
Respeite o designer
Se você não desenhou o jogo para o qual está criando o modo solo é vital que você respeite o designer e sua visão do jogo. Você deve debater suas idéias se acreditar que ele está errado, mas, no final, o jogo é dele. Isto ocorreu durante a concepção do automa deck para o Viticulture, em que eu e Jamey Stegmaier discordamos, mas mantivemos seu desenho geral e, o produto que criei em discordância deste, tornou-se uma variante opcional.
Para quem quiser conferir o texto original, eis o link. Na próxima parte, Morten continua dando exemplos de como conceber modos solo para os jogos multiplayer.
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