Ótimo texto, gosto bastante desse olhar crítico sobre temas e mecânicas, bastante necessário. Não conheço On Mars, mas posso e farei alguns apontamentos sobre o Terraforming Mars, só para contrastar com a sua análise. 
De fato, em TFM reprensentamos essas mega corporações colonizando e extraindo o máximo de lucro possível do planeta vermelho. É desagradável desempenhar esse papel e é preciso ficar incomodado mesmo, como você ficou. O ponto de virada, a meu ver, é que os autores em nenhum momento glorificam esse comportamento predatório das mega corporações ou mesmo da colonização, pelo contrário, o lore do jogo apresenta um tom jocoso, irônico e sarcástico em relação a tudo o que está acontecendo. Eles estão o tempo todo colocando o dedo na ferida, principalmente nas cartas que dizem respeito a relações sociais, de comércio ou trabalho. Vou citar como exemplo uma das cartas que me tira um sorriso "sem graça", quase nervoso: Servidão por Contrato, cuja descrição diz: "Há muitos que trabalhariam para nós quase de graça em troca de uma passagem para Marte.
As referentes às ciências químicas e biológicas, etc, possuem informações mais técnicas, mas mesmo essas podem ser usadas por interesses capitalistas.
Agora, olhando para o nosso tempo mesmo, é possível dizer que a corrida pela colonização de Marte já começou. Historicamente estamos vivendo o embrião disso tudo. E o que se apresenta é extremamente condizente com o futuro distópico de TFM. Cito dois elementos, o motivo para as viagens espaciais e terraformação e a forma como está acontecendo. O motivo é que o modo de produção capitalista é e sempre será predatório, é o acúmulo incessante de capital pela exploração de recursos, falando bem simploriamente. Isso coloca nosso planeta em risco porque, a extração é infinita, os recursos são finitos. Precisamos de um novo planeta. Só por aí já deveríamos ficar com o pé atrás ante qualquer menção à colonização de outros planetas, que não leve em conta a preservação do nosso. A forma como isso ocorre hoje é que os grandes bilionários (Elon Musk como garoto propaganda) do mundo investem em pesquisa, tecnologia e exploração espacial. Para quem sair do planeta?
Então, quando eu olho para o hoje, penso que TFM é uma janela mais provável para o futuro. E isso faz dele um alerta. Precisamos de exemplos do que não fazer, tanto quanto precisamos de exemplos do que fazer, e isso torna essa duas obras de arte tão necessárias. Repito, é bom que TFM desagrade, cause revolta e incômodo no modo como os papéis são desempenhados, nos motivos ou nas dinâmicas agressivas, porque talvez não façamos o mesmo fora do jogo. 
 

É um meme e não é. 

Lpporto::

O que eu tenho visto como conceito de design interativo mais a cara do euro game é o conceito de interação positiva. A interação positiva é o famoso levantar a bola. Isso não é novo é claro, Brass tinha isso 200 anos atrás. Mas a busca de uma interação, sem que eu precise destruir o castelinho de areia do amiguinho tem sido por aí.

Como vc falou Puerto Rico tem isso. Vc vai na aba do cara. On Mars tem isso também. Tudo que você constroi abre novas possibilidades para os amigos. Carnegie é outro que vai nessa linha.

Obvio que no final, pra jogador competitivo a gente acha maneira até de marcar a interação positiva né. Espera o cara tá zerado pra levantar a bola e deixar ele puto pq perdeu a oportunidade, essas coisas. No Brass então, ficava marcando a ordem de jogador pra fazer 4 ações seguidas e levantar a bola pra si mesmo. Mas pelo menos ninguém fica puto de que foi prejudicado. 

Unico problema dessas levantadas é que, numa mesa competitiva, um elo fraco, pode jogar de levantador pro jogador seguinte. E aí, vc só vai assistir o jogo vendo o narrador gritando Giiiiiiiiiiiiiiibbbaaaaa!

Essa marcação em jogo de interação positiva pra mim é fantástica. Como vc bem pontuou, não é algo exclusivo do On Mars e nem algo novo, mas é executado tão bem e casa muito bem com a temática e a perspectiva do jogo pra mim.

Isso do elo fraco poder "estragar" algumas mesas é realmente um problema na maioria desses jogos. Eu diria que no On Mars não senti muito disso, a minha impressão foi que a levantada de bola é relevante mesmo dali a 2 rodadas e até adiante. Acho que o segredo do tempero ta no equilíbrio.

Diego Ni::Parabéns pelo texto e pela disposição em trazer uma discussão dessas pra cá.

A primeira vez que eu me atinei pra essa crítica que vc faz a esses temas de jogos foi quando joguei Pulsar. Eu achei deprimente como quase sempre que um autor se dispõe e tem a liberdade pra imaginar um futuro possível, ele fica preso à lógica capitalista. Qualquer outra realidade é uma extrapolação de nossa própria, e muitas vezes isso é até glamourizado. Quanto mais você explorar, devastar e concentrar riqueza, mais incrível vc é. Consciente ou inconscientemente tratam esse sistema como se fosse algo natural.

Pra quem se interessou pelo seu texto e gostaria de aprofundar, recomendo fortemente o livro Realismo Capitalista, do Mark Fisher.

Sobre o jogo, nunca tinha despertado meu interesse até ler sua resenha

É natural que a arte imite a vida... mas eu me vejo querendo e gostando, cada vez mais, da arte que foge daquilo que a gente já conhece. Imaginar novos mundos, imaginar novas realidades, afinal, além das inúmeras utilidades, acho que a arte tem o propósito escapista em alguma medida.

Isso que você falou sobre as pessoas ainda se verem presas à lógica capitalista, em vários momentos quando reflito sobre meus próprios pensamentos me vejo caindo nessa armadilha. Eu refleti sobre isso quando se aflorou a discussão sobre pirataria com o vídeo do mimimidias sobre direitos autorais e percebi que a gente realmente continua reproduzindo pensamentos que são problemas que o sistema criou e que a gente poderia muito bem viver sem eles, mas nem conseguimos perceber isso.

Vou colocar essa recomendação aqui na minha lista de livros.

Marcuz::Ótimo texto, gosto bastante desse olhar crítico sobre temas e mecânicas, bastante necessário. Não conheço On Mars, mas posso e farei alguns apontamentos sobre o Terraforming Mars, só para contrastar com a sua análise. 
De fato, em TFM reprensentamos essas mega corporações colonizando e extraindo o máximo de lucro possível do planeta vermelho. É desagradável desempenhar esse papel e é preciso ficar incomodado mesmo, como você ficou. O ponto de virada, a meu ver, é que os autores em nenhum momento glorificam esse comportamento predatório das mega corporações ou mesmo da colonização, pelo contrário, o lore do jogo apresenta um tom jocoso, irônico e sarcástico em relação a tudo o que está acontecendo. Eles estão o tempo todo colocando o dedo na ferida, principalmente nas cartas que dizem respeito a relações sociais, de comércio ou trabalho. Vou citar como exemplo uma das cartas que me tira um sorriso "sem graça", quase nervoso: Servidão por Contrato, cuja descrição diz: "Há muitos que trabalhariam para nós quase de graça em troca de uma passagem para Marte.
As referentes às ciências químicas e biológicas, etc, possuem informações mais técnicas, mas mesmo essas podem ser usadas por interesses capitalistas.
Agora, olhando para o nosso tempo mesmo, é possível dizer que a corrida pela colonização de Marte já começou. Historicamente estamos vivendo o embrião disso tudo. E o que se apresenta é extremamente condizente com o futuro distópico de TFM. Cito dois elementos, o motivo para as viagens espaciais e terraformação e a forma como está acontecendo. O motivo é que o modo de produção capitalista é e sempre será predatório, é o acúmulo incessante de capital pela exploração de recursos, falando bem simploriamente. Isso coloca nosso planeta em risco porque, a extração é infinita, os recursos são finitos. Precisamos de um novo planeta. Só por aí já deveríamos ficar com o pé atrás ante qualquer menção à colonização de outros planetas, que não leve em conta a preservação do nosso. A forma como isso ocorre hoje é que os grandes bilionários (Elon Musk como garoto propaganda) do mundo investem em pesquisa, tecnologia e exploração espacial. Para quem sair do planeta?
Então, quando eu olho para o hoje, penso que TFM é uma janela mais provável para o futuro. E isso faz dele um alerta. Precisamos de exemplos do que não fazer, tanto quanto precisamos de exemplos do que fazer, e isso torna essa duas obras de arte tão necessárias. Repito, é bom que TFM desagrade, cause revolta e incômodo no modo como os papéis são desempenhados, nos motivos ou nas dinâmicas agressivas, porque talvez não façamos o mesmo fora do jogo. 

Que interessante. Não tinha sacado que era de propósito, vou reparar mais no flavor numa próxima oportunidade de jogar TfM. E super apoio o que vc falou, a arte feita pra incomodar é muito importante também. Não só de prazeres vive o ser humano.

Sobre o futuro estar caminhando para o caminho distópico que tantas vezes vemos nas ficções por ai, bem, eu não acredito nisso. Posso estar errado? Claro. Pode ser o otimista dentro de mim, mas eu prefiro isso à alternativa.

Nenhum grupo de políticos ou corporação vai colonizar Marte para tentar resolver os problemas da raça humana. Tudo tem a ver com dinheiro e o próprio umbigo, é isso que move o mundo hoje. TfM é bem realista nesse ponto. 

Muito interessante a discussão feita neste tópico. Tem alguma semelhança com a que foi feita num artigo do @LuisPerdomo - Puerto Rico e os privilégios, onde o debate também foi bastante instrutivo. Um ponto que eu pensei em levar para aquele debate, mas que acabei não fazendo à época, é que o Terraforming Mars também tem alguns aspectos de "naturalização" de situações indesejáveis. Como um dos temas aqui é justamente o TfM, vale comentar agora.
Gosto muito da expansão Reviravolta. Ela traz toda uma camada adicional de planejamento e estratégia, com mecânicas bastante distintas das que existem no jogo base. É uma adição que realmente modifica o jogo (diferente de Venux Next, por exemplo), e só por isso já a coloca em posição de destaque. Mas tem um ponto que me incomoda: os lobistas. Como mecânica de jogo, funciona perfeitamente. Porém, quando se percebe que os lobistas nada mais são do que políticos comprados pelas grandes corporações, que se infiltram em qualquer partido sem nenhuma preocupação ideológica, fica difícil não torcer o nariz. Afinal, vivemos uma grande crise nas democracias ocidentais justamente por conta desse descolamento entre o povo e seus representantes, que muitas vezes deixam de ser representantes de quem os elegeu para assumir o papel de defensores das corporações que bancaram suas campanhas. Além disso, por mais que o exercício do "lobby" seja regulamentado em alguns países, como os EUA, em muitos outros, como o Brasil, essa prática fica numa área cinzenta que muito facilmente pode caracterizar corrupção ativa (pelas corporações) e passiva (pelos políticos).
Vejam, isso não me impede de abstrair e me divertir com o jogo. Só jogo o TfM com as expansões, inclusive Reviravolta. Ocorre que, mesmo sendo realista como bem disse o @Jetro - e talvez por isso mesmo, cabe "desnaturalizar" essa prática. O que quero dizer é que, por mais que um jogo se baseie na realidade histórica (Puerto Rico e a escravidão, por exemplo) ou numa extrapolação realista do presente (caso do TfM), é fundamental deixar o espírito crítico ligado para que não se absorvam certos conceitos como fatos consumados, inevitáveis e imutáveis. Nesse sentido, jogos, assim como outras obras de ficção, podem muito bem servir de alerta sobre futuros a serem evitados. Resumindo: se pudermos evitar, não tem por que replicar em Marte as mesmas bobagens que fazemos na Terra.
Por fim, li todos comentários esperando que alguém mencionasse a série que talvez melhor exemplifique a disputa de visões e interesses entre "explorers" (os cientistas) e "exploiters" (os mineradores): Marte, disponível no Netflix (duas temporadas de 6 episódios cada, dá pra maratonar num fim de semana tranquilamente).

É impressao minha ou esse jogo lembra um pouco o Co2, do proprio Lacerda?

Sei que sao do mesmo autor, mas me parece BASTANTE igual pela descrição. Mas como so joguei o Co2, nao sei se estou falando besteira.

Vaeryl::É impressao minha ou esse jogo lembra um pouco o Co2, do proprio Lacerda?

É muito diferente. 
Os dois são ótimos, mas bem diferentes.