Percebo que rola uma confusão entre "poderoso" e "desbalanceado".
No meu entendimento, "desbalanceado" é um atributo (normalmente negativo) de um jogo, não de um componente. Uma carta, peça, facção ou ação mais PODEROSA podem tornar um jogo DESBALANCEADO. Um componente por si só não é "desbalanceado". Ele é mais ou menos PODEROSO em relação aos OUTROS componentes.
Agora, a coisa começa a ficar interessante quando o desbalanceamento está onde você menos espera. Ele não está nas cartas, ações ou peças mais poderosas. Vou dar um exemplo usando o jogo Twilight Struggle pra ilustrar.
Existem cartas poderosíssimas em Twilight Struggle. Entre elas: Wargames, The Voice of America, Decolonization, Red Scare/Purge, Marshall Plan...
Twilight Struggle é um jogo desbalanceado? Sim, é. Mas não por causa dessas cartas.
Com as regras que vêm na caixa, entre jogadores de habilidade similar, a probabilidade de a URSS vencer é de algo em torno de 60% ou 70%. E isso não acontece por conta de alguma carta ou ação poderosa da URSS. Isso acontece por conta do setup, que dá 6 influências pra URSS distribuir na Europa Oriental, e 7 influências que os EUA podem distribuir na Europa Ocidental. Acontece que descobriram que essas 7 influências dos americanos é pouco. Na maioria dos torneios, é padrão que os EUA recebam 2 influências extras, que eles podem colocar em qualquer lugar do mapa onde já exista influência norte-americana (Irã é um destino comum pra esses extras). Não foi preciso eliminar nenhuma carta poderosa. Só essas 2 influências já resolveram o problema.
Outro exemplo bem ilustrativo, de um jogo menos conhecido (mas que eu adoro), mostra como esses ajustes podem ser importantes. Nas regras iniciais, o jogo Wir sind das Volk! (We are the people!) era claramente desbalanceado em favor da Alemanha Oriental. O designer, então, fez dois pequenos ajustes no setup. Ele não eliminou nenhuma carta (algumas são poderosíssimas), não mudou nenhuma ação, só ajustou duas coisinhas no setup. Resultado: um levantamento recente publicado no BGG, compilando todas as partidas jogadas no site boardgamecore.net (QG dos melhores jogadores de WSdV na internet, entre eles o próprio designer), revelou dados impressionantes: das 10.334 partidas disputadas, a Alemanha Ocidental venceu 5.167 e a Alemanha Oriental venceu 5.167. É de cair o queixo.
Além do mais, o balanceamento total é um MITO.
Mesmo jogos absolutamente simétricos como o Xadrez e o Go são levemente desbalanceados. No xadrez, as brancas possuem uma leve vantagem por jogarem primeiro. No go, as pretas é que têm essa vantagem de jogar primeiro, e pra corrigir isso os torneios de go introduziram, nos anos 30, o komi -- as brancas já começam o jogo com alguns pontos. O komi começou em 2,5, aumentou pra 3,5 e continuou subindo: hoje já está em 6,5, e há alguns torneios que já adotam um komi de 7,5 (esse meio ponto do komi tem a função de desempatar o jogo em favor das brancas: no go não há empate). E se no xadrez as negras tivessem a vantagem do empate? É uma ideia interessante. Forçaria os jogadores de brancas a serem mais agressivos, já que eles teriam a obrigação de vencer.
Portanto, ao contrário do que pode parecer, componentes PODEROSOS não tornam o jogo necessariamente DESBALANCEADO. Na minha experiência, muitas vezes é o contrário: a presença de ações, peças, facções ou cartas visivelmente mais fortes do que outras estimula os jogadores a pensarem em formas de anulá-las, o que torna as partidas mais interessantes. O equilíbrio está nos JOGADORES e nas suas escolhas, e não no design.