Suborne seus amigos em "Santiago": a água corre pra onde o dinheiro vai
Caixa do jogo, com a estética característica dos eurogames antigos
Em 2003, eu tinha 11 anos. Tudo que eu conhecia de jogo de tabuleiro era War, Jogo da Vida e os abstratos clássicos, tipo xadrez e damas. Mas o mercado dos jogos modernos já passava pela segunda década do “renascimento” desde que Catan tinha sido lançado, em 1995. Já tinham surgido, por exemplo, Arte Moderna (1992), El Grande (1995), Bohnanza (1997), Tigris & Euphrates (1997), Tikal (1999), Carcassonne (2000) e Puerto Rico (2002), que dominou o ranking do BGG por um bom tempo. E o que todos esses jogos têm em comum? Designers alemães.
Mesmo com bons jogos saindo em outros países, a Alemanha era o grande catalisador do mercado. E em 2003, os alemães Claudia Hely e Roman Pelek criaram esse jogo aí chamado Santiago. O título não tem nada a ver com a capital chilena – na verdade, Santiago é a maior ilha do arquipélago de Cabo Verde, país africano insular cuja língua oficial é o português.
Em Santiago, o jogo, os jogadores basicamente competem pra adquirir tiles de cinco cultivos diferentes (banana, cana de açúcar, pimenta, vagem e batata) – visualmente bem Puerto-Rico-like - por meio de um leilão aberto e de lance único. As fazendas são colocadas num tabuleiro comum, quadriculado, e deve-se garantir que elas sejam irrigadas por canais pra que não sequem, garantindo pontos ao final. Quem fizer mais pontos, ganha. Simples, não?
Os tiles dos cultivos (lembra Puerto Rico?) e o marcador de primeiro jogador
Na irrigação, porém, é que o principal conflito do jogo se estabelece: o jogador que deu o menor lance no leilão pelos cultivos – e ficou com a fazenda que sobrou, em tese a pior – controla qual parte do tabuleiro vai ser irrigada. Se você é o primeiro na vez para dar lance pelos cultivos, você pode optar por não fazer oferta alguma e garantir que será o irrigador (é proibido aos jogadores na sequência darem lances iguais)
Terminada essa fase, os demais jogadores podem tentar suborná-lo para irrigar no lugar que mais lhes interessa. Santiago é um dos pouco mais de 30 jogos do BGG que tem suborno (bribing) como mecânica. Dois ou mais jogadores podem se juntar por um suborno comum
Ao jogar Santiago eu me perguntei o que difere o suborno de uma simples negociação. Acredito que o suborno, por definição, implica que o recebedor está ganhando dinheiro pra fazer algo diferente do que deveria, ou pra deixar de realizar algo que tinha a obrigação.
O irrigador tem uma decisão “certa” pra tomar, a princípio – irrigar a própria fazenda, ou o maior número de fazendas possível. O suborno pode fazer com que ele deixe, as plantações padecerem – até as próprias, já que pode ser mais vantajoso abandonar um cultivo pra ganhar o dinheiro.
Tabuleiro de jogo com os cultivos e tiles que secaram por falta de irrigação. Os que estão adjacentes aos marcadores azuis estão irrigados. Os cubos indicam os jogadores que são donos deles (a pontuação final é igual ao número de cubos multiplicado pelo número de tiles do mesmo cultivo conectados ortogonalmente, não importando o dono)
Mas e aí, o jogo é bom?
Bem, tratando-se de um jogo com suborno como mecânica principal, imaginei que o conflito seria grande, e foi o que me atraiu. Eu gosto de jogos que geram intriga.
Não foi, nem de longe, o jogo mais “tretoso” que já joguei, porém. Jogos de controle de área e até jogos de alocação de trabalhador já me renderam muito mais conflito. A mecânica do suborno implica bastante interação, mas ela é no geral bastante pacífica porque é aberta e não há traição – o irrigador é obrigado a fazer o canal no local indicado pelos pagadores se ele aceitou o suborno. Se ele não tivesse essa obrigação e pudesse aceitar o dinheiro e fazer o que quisesse, certamente o jogo cresceria nesse aspecto.
Por conta disso, as principais mecânicas do jogo no fim das contas acabam sendo o tile placement e a negociação.
Quanto maior o número de tiles do mesmo cultivo agrupados ortogonalmente (na horizontal e vertical), mais pontos ao final do jogo essa plantação vai valer. Nesse caso, se você soube “vampirizar” uma plantação grande e é dono de um único tile nela, você vai pontuar bem sem muito esforço – os pontos são calculados multiplicando o número de cubinhos da sua cor (que representam trabalhadores) que você tem na plantação pelo número de tiles agrupados ortogonalmente.
A cada turno sem irrigação, você perde um cubinho. Assim, alguns tiles vão secando e ficam “sem dono”, mas podem continuar gerando pontos pra plantação toda. Mais um turno sem irrigação se eles tiverem cubos, entretanto, e eles viram terreno árido.
Os escudos, dinheiro do jogo
Além das plantações, cada escudo (a moeda do jogo) que você tiver ao final da partida também rende um ponto. Saber explorar bem a função do irrigador quando é sua vez, então, pode ser bem vantajoso.
Eu me estropiei na primeira partida por dar atenção demais à função do irrigador e deixar de lado a expansão dos meus cultivos. Às vezes vale mais a pena “parasitar” o fluxo provável da água e se aproveitar de grandes plantações que os outros jogadores estão construindo do que investir recurso pra tentar ter controle sobre os canais.
Recomendaria Santiago pra quem gosta de um euro alemão clássico e de jogos com interatividade não-agressiva intensa. È seco de tema que nem Puerto Rico, tem uma arte tenebrosa, mas tem um certo brilho na barganha e leitura do tabuleiro central.