Vamos sentar todos juntos e jogar?
Hoje, queremos retomar uma reflexão que já foi tema da nossa primeira Tile Antirracista: segundo o IBGE, o Brasil é um país de maioria negra, porém, percebemos claramente que essa maioria não se reflete em muitos dos espaços que frequentamos e muito menos nos espaços de poder. Vivemos no país com a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria, ou seja, a maior população negra fora da África, mas não vemos a negritude representada nos eventos e lojas de jogos, em geral, locais que frequentamos e consumimos em nosso hobby. Vocês não acham isso muito simbólico? Eu acho chocante.
Proponho pensarmos nisso não apenas de forma individual, mas também estrutural. Quantas e quais variáveis podem estar impedindo que a maioria negra de nosso país esteja no cenário da cultura geek, especialmente dos boardgames?
“O autoquestionamento – fazer perguntas, entender seu lugar e duvidar do que parece ‘natural’ – é a primeira medida para evitar reproduzir esse tipo de violência, que privilegia alguns e oprime outros.” – Djamila Ribeiro, Pequeno Manual Antirracista, p. 22.
Sabemos que os jogos de tabuleiro moderno que tanto amamos chegam com um custo muito elevado ao público em geral, mas seria essa a questão? Acredito que não, afinal, há negras e negros de classe média e alta que não participam desses espaços. Então, quais outras questões estruturais podem estar por trás disso e que ações todos podemos ter para mudar essa realidade?
Como é a representatividade negra nos seus jogos de tabuleiro preferidos?
Quanto aos temas, qual é a perspectiva de destaque?
Nós que somos do hobby temos uma tendência de valorizar os jogos que já fazem sucesso no cenário internacional europeu e exatamente por isso, esses boardgames muitas vezes, reproduzem uma estrutura histórica e social com perspectiva branca eurocentrista e sem ao menos perceber, vamos nos distanciando de outras perspectivas (da nossa própria) e até chegamos a reproduzir esse mesmo olhar nos jogos brasileiros – tratamos desse assunto na Tile Antirracista “Que história é essa que só tem um lado?”.
“Trata-se de refutar a ideia de um sujeito universal – a branquitude também é um traço identitário, porém marcado por privilégios construídos a partir da opressão de outros grupos.” – Djamila Ribeiro, Pequeno Manual Antirracista, p. 33.
Seguimos reproduzindo no Brasil espaços que confirmam uma identidade branca (pense na temática dos jogos e na representação dos heróis e personagens em geral), celebrando apenas temas relacionados à branquitude, o que não seria um problema, se não houvesse quase que a ausência da negritude nessa temática.
Nessa estrutura, destacamos quase que com exclusividade profissionais brancos do meio – todas essas variáveis e muitas outras podem distanciar as pessoas negras do nosso hobby e das nossas mesas de jogos. Será que negras e negros não produzem conteúdos para jogos, não são game designers, tradutoras, tradutores, artistas gráficos ou o que falta é evidenciar a negritude?
Queremos a diversidade racial, mas será que ela é possível quando não questionamos, não falamos também de desigualdade, de acolhimento, de representatividade etc.? Será que atingimos a diversidade quando simplesmente fingimos ou queremos mostrar que está tudo bem?
Enquanto o nosso hobby for feito somente para homens brancos, heterossexuais e de classe média a alta para ser mais um lugar de confirmação da branquitude masculina, é muito mais fácil para você que está dentro dessa pequena parcela da população dizer que não precisa problematizar tudo… Nesse tabuleiro, você está como personagem central e dizendo que não há necessidade de mudar – entendo porque você diz isso, afinal a sua existência está bem contemplada, mas você disse que quer “sentar e jogar com todos juntos”, não foi?
Convido a desnaturalizar esse olhar e pensar qual é a sua responsabilidade na luta antirracista. Não estou dizendo que você seja culpado pelo que houve no passado, mas agora, você pode pensar, questionar e tentar alocar suas ideias e ações de forma diferente. Criar espaço para pessoas negras em lugares que elas geralmente não frequentam é um passo antirracista importante e como você sabe, os ambientes reservados aos boardgames são exemplos próximos de todos nós desse tipo de lugar.
Essa é a jogada que propomos pela luta por igualdade, pelo respeito às pessoas e à história do nosso país e do mundo, mas se isso não for o suficiente para você, caso seja alguém que trabalha em uma editora brasileira, em uma loja de boardgames, em um canal, ou que participe da produção de jogos, na ilustração, na criação, enfim – pense se sua falta de questionamento não está deixando o hobby tão segregador que seu produto não chega ou não agrada potenciais públicos consumidores, que não por acaso, são a maioria da população brasileira, mas que sem perceber, você insiste em excluir e tratar como minoria. Caso esteja em uma posição de liderança, considere contratar negras e negros para seu grupo de funcionários para avançar mais passos na direção do antirracismo.
Vem fazer parte desta mesa, é seu turno! Aloque seu tempo na leitura do “Pequeno Manual Antirracista”, da Djamila Ribeiro.