Willoiam::Uau Luis, que texto! Muito bem escrito, cheio de sinceridade e que me leva a refletir e escrever um comentário, talvez não tão bem escrito, mas igualmente sincero.
Boa parte das minhas memórias mais antigas tem relação com jogos, seja jogando Fifa no computador com 7/8 anos, seja com aqueles Aquaplays da Estrela, ou com jogos do tipo Perfil/Imagem e Ação/Jogo do Enciclopédia que meus padrinhos e parentes me davam de aniversário.
Muitos desses jogos eu jogava sozinho (quem precisa de automa quando se tem suas múltiplas personalidades para jogar?) e em algumas vezes, até roubava de mim mesmo no Fórmula Turbo, para que a minha cor favorita ganhasse. Esse foi meu primeiro período nos boardgames.
Já o segundo começa por volta de 2013/14, quando, depois de alguns meses me enrolando, decidi ir a uma luderia daqui de Curitiba. Lembro de entrar, ver aquelas prateleiras com centenas de jogos e me sentir no paraíso. Foram alguns meses frequentando periodicamente, até que parei de ir com tanta frequência, mas já tinha alguns favoritos (Coup, Colt Express, Ticket to Ride...) e que alugava de vez em quando para jogar com os amigos. Segui neles por um bom tempo.
Até o momento em que cansei dos personagens do Coup, já sabia o caminho das pedras para ganhar e queria mais. Então aproveitei que meu tio foi viajar para os EUA e comprei o Coup G54 pela Amazon. 20 personagens, poderes variados, adeus mesmice, bem vinda rejogabilidade. Considero isso o começo da terceira fase.
No ano seguinte comecei a estagiar, então por 3 meses separei uma parte do dinheiro para comprar um jogo. Algumas pesquisas rápidas, basicamente no site da Galápagos e fiquei entre Azul e Sagrada, optando pelo Sagrada. Lá estava eu, feliz com meu segundo jogo 'moderno', o primeiro de tabuleiro (considerando Coup um jogo de carta). Seguia visitando mensalmente a Ludopedia e alguns outros site desse maravilhoso mundo para conhecer mais.
No fim desse mesmo ano, fizemos uma viagem de família para o Canadá. Pesquisei lojas onlines de boardgame no reddit e comecei a cotar preços, ficando maravilhado com a quantidade de jogos que eu teria acesso e também com o valor consideravelmente mais baixo. Voltando desta viagem, com as malas cheias, comecei a explorar cada vez mais este mundo e também me aventurando pelos KS mundo afora (mas só com Pnp e jogos de até 30US$, sem condições de pagar por aqueles jogos gigantes cheios de miniaturas com salário de estagiário).
O quarto momento começa quando fui efetivado: um salário mais alto, ainda morando com os pais. "Agora eu posso comprar mais jogos!". Pensado e feito. Assinei um plano mensal na mesma luderia do começo da história e comecei a pegar 3, 4, até 5 jogos por semana para descobrir o que gostava e consequentemente fui pesquisando preços e comprando os que gostava.
Os jogos da infância foram saindo do armário e os novos foram chegando. Mais jogos foram chegando, então tive que começar a organizar os jogos para caberem. Como o fluxo de entrada não parou, tive de usar habilidades aprendidas no Tetris para otimizar o espaço e fazer com que todos os jogos coubessem dentro do armário.
E chego ao dia de hoje. Consegui traçar muitos paralelos com a sua obra de ficção história. Acredito que isso me moveu a contar tudo isso numa madrugada de sexta para sábado.
Nos últimos meses me peguei várias vezes pensando 24/7 em jogos, vendo reviews, procurando jogos, jogando... isso não estava me fazendo bem. Acredito que já estou conseguindo me policiar melhor nesta parte, também sei que a pandemia acentuou estas questões, assim como disse um colega anteriormente, muitos dos meus jogos também não foram estreados.
Hoje mesmo, há algumas horas atrás, mostrei para minha namorada a planilha onde acompanho os preços dos jogos que mais quero e também ordeno por quanto eu quero um jogo. Ela rolou toda a planilha para baixo e perguntou: "81 jogos que você quer? Tudo isso?". Eu não tinha nem notado que tinham tantos jogos, são mais do que a minha coleção que tenho hoje e já não tenho espaço! Amanhã vou fazer uma limpa nessa lista, devem ter muitos que pensei "Nossa, que legal esse review, acho que vou gostar desse jogo" e que provavelmente não vou jogar tanto assim se tiver.
Para finalizar, pensando em aprendizados e conselhos, listo alguns:
- Eu tento ter somente um ou dois jogos do mesmo 'estilo'. Quero ter um pouco de tudo para quando um amigo chegar e disser "Gosto de construir coisas", "Gosto de jogos de destreza" ou "Gosto de suspense/investigação", eu tenha um jogo que se encaixe;
- Pense no seu grupo de amigos ou no grupo com quem joga regularmente. É importante ter jogos que você ache legal, mas mais importante do que isso, são jogos que os outros também gostem, assim você vai ter com quem jogar e vai ser menos provável que o jogo fique somente ocupando espaço no armário;
- Tente alugar um jogo antes de comprá-lo, ou talvez veja se algum amigo tem. A nossa experiência sempre será diferente do mostrado num vídeo de divulgação ou num review, então procure jogar antes de comprar;
- Periodicamente(não precisa ser muito, 1x por semestre já está bom) faça reflexões sobre o hobby: "Ele continua sendo somente um hobby?", "Estou me divertindo com isso ou só estou me estressando?";
- Separe um dia e tire todos seus jogos do armário, abra, veja se tem mofo, tente lembrar das regras, talvez até se lembre de alguns jogos que nem lembrava que tinha e separe alguns que ficaram muito tempo sem ver mesa para jogar no dia, na semana ou no mês;
- Os jogos, ou sua atitudes durante as partidas, podem te ajudar a compreender mais sobre si mesmo, vide o exemplo em que roubava de mim mesmo para minha cor favorita ganhar, então preste atenção nisso.
Enfim, de forma alguma sou "dono da verdade", só quis compartilhar minha pequena experiência e ficarei muito feliz caso seja útil para mais alguém. Muito obrigado pelo post LuisPerdomo, foi muito relevante para mim!
Bons jogos a todos!
William obrigado pelo seu depoimento, rapaz. É preciso muita coragem e honestidade para fazer um depoimento bonito desses. Eu certamente me identifiquei muito com a sua história.
Minha infância foi bem parecida com a sua. De fato, quem precisa de automa quando se tem imaginação de sobra? No meu caso, eu roubava para o vermelho ganhar. É minha cor cativa nos jogos de tabuleiro.
"Que cor tem pra escolher?"
"Tem azul, amarelo e verde, qual você quer?"
"Engraçado, nesse jogo não tem vermelho?"
"O vermelho é meu by default"
Até hoje às vezes jogo sozinho alguns euros do tipo multiplayer solitaire para fixar regras, pensar em estratégia, coisas do tipo.
Agradeço muitíssimo a dedicação para numa madrugada de sexta feira pra sábado se abrir dessa forma. Fico lisonjeado que meu texto tenha te comovido dessa forma, de verdade.
Sim, recentemente, sobretudo na pandemia, sempre que não estou falando algo relacionado aos estudos/trabalho, por exemplo, praticamente todo meu assunto livre vem sendo dedicado à questão dos jogos, consumindo todo o tipo de conteúdo que podemos imaginar. Até mesmo na terapia. Nos últimos meses, não consigo lembrar de uma sessão onde eu não tenha falado a palavra "jogo", pelo menos uma vez. Funciona pra mim como uma muleta emocional muito forte. Eu meio que uso os jogos como válvula de escape para problemas de ansiedade. Ironicamente essa ansiedade transborda na questão do consumo dos próprios jogos.
Quando você falou da sua planilha de Excel com a lista de desejos, você me fez lembrar de uma história importante. Uma parte do meu depoimento que eu não acrescentei no texto principal porque já estava grande demais:
No ápice do meu frenesi consumista, eu ia basicamente ao psicólogo única e exclusivamente para exercitar meu desapego. Minha lista de desejos tinha uns 54 jogos, sendo que eu já tinha uns 60, dos quais eu não botava na mesa pelo menos metade. Toda semana eu voltava lá com uma lista menor, não porque eu tinha comprado aqueles jogos, mas porque eu conseguia desapegar ao menos um pouco daquele desejo artificial. Às vezes a lista voltava maior. Eu voltava atrás. Eu literalmente acordava no meio da noite e inseria aquele jogo de novo na lista. "Eu não posso não comprar esse jogo, eu quero muito esse jogo" (spoiler, eu vendi o jogo sem tê-lo jogado meses depois que comprei).
Teve um dia que eu consegui reduzir a lista para 10 jogos. Era o meu top 10 dos desejos. Levei semanas para chegar nesse número. Óbvio que eu não respeitei minha própria meta. Eu extrapolei. Meses depois já havia comprado mais de 10 jogos.
A mudança de chave foi um dia que eu tomei uma porrada muito forte da internet. Eu fiz um post no reddit bem polêmico contando minha história através de outro viés muito mais viciado do que a sobriedade desse post inicial. As pessoas foram muito sensatas comigo, mas de forma muito rigorosa, foi uma espécie de esculacho emocional por parte dos gringos, mas com uma baita dose de responsabilidade e bom senso. Eu fui respeitoso em cada resposta, mas engoli seco uma atrás da outra. Uma semana depois, eu comecei a mexer meus pauzinhos para vender os jogos.
Eu criava barreiras para vender meus próprios jogos, eu levei um mês para enfim vender o primeiro. O que pode parecer algo trivial, pra mim foi uma verdadeira cruzada.
"Ah, mas eu preciso de caixas..."
Procurei um tutorial na Ludopedia sobre quais eram as caixas ideais para embalar jogos. Comprei um malote com 10 caixas na internet e juntei mais algumas do supermercado.
"Ah, mas eu não tenho plástico bolha"
Comprei uma bobina de muitos metros de plástico bolha.
Os produtos chegaram, mais coisa dentro da minha casa acumulando. Eu precisava desafogar. Com muita dificuldade, abri um leilão na Ludopedia.
Pensei "ninguém vai se interessar". Um par de horas depois, todos os 10 jogos já tinham lance.
O leilão acabou... é, agora não tenho mais como voltar atrás, as pessoas pagaram por isso. Enviei os jogos. Ninguém morreu.
O segundo leilão foi mais fácil. Já estou preparando um terceiro. 10 jogos por vez.
O "pior" é que uma vez que esses jogos saíram da minha estante, eu realmente não sinto saudades deles e percebo o quanto do meu afeto por aqueles jogos era artificialmente fabricado em decorrência de um estado de ansiedade que eu insistia em ignorar.
Sobre os seus pontos, minha auto reflexão em cima deles:
- Além disso que você falou, confesso que cheguei a ir mais longe. Eu literalmente pensava "quero ter pelo menos 2 jogos de cada um dos designers mais consagrados". Fundamento nenhum nessa lógica além do mero colecionismo. Eu tinha uma dificuldade grande de me desfazer de certos jogos "Ah, mas aí eu não vou ter nenhum jogo do Uwe...". Agradeço muito ao Agricola e ao Patchwork, excelentes jogos, mas que eu vendi e não caiu um braço nem nada. Mesma coisa com o Feld. Chegou um momento que eu tinha 5~6 worker placements; 5~6 jogos de leilão. Eu adoro leilão, mas não precisava de 5. Nem gosto tanto de worker placement assim. Pra que tanto se não é uma de minhas mecânicas favoritas?
- Aconteceu isso comigo com o Fotossíntese, Feudum e o Dice Forge. Simplesmente meus amigos não gostaram. A gente jogou, tentou e não rolou. É isso. Não tem nada de errado com esses jogos, designs sólidos dentro de suas respectivas propostas, jogos honestos, mas meus amigos simplesmente não curtiram. Quando a gente compra um jogo e o jogo não faz sucesso na nossa mesa, é muito difícil de aceitar que o jogo não foi bem recebido porque muitas vezes colocamos muito da gente em torno da decisão ter comprado o jogo em si. Ninguém gosta de perder tempo, dinheiro ou de se sentir rejeitado por seus pares. Meus amigos não curtiram os jogos, não é que eles deixaram de gostar da minha pessoa, mas às vezes a ansiedade não me permitia dissociar esses fatos.
- Eu tinha chegado num patamar onde eu comprava jogos que meus amigos já tinham. Eu queria ter só por ter mesmo. "Sei lá, vai que ele se muda?". Resultado, vendi o jogo novinho, sleevado, nunca jogado. A gente sempre jogou com a cópia dele.
- Tenho feito essas reflexões mais frequentemente recentemente, inclusive na forma desses textos e debates aqui convosco. Antigamente eu tava num estado de cegueira forte e não tinha a menor suspeita disso. Hoje, depois da tormenta, volta pouco a pouco valorizar o hobby de forma saudável novamente.
- Verdade, tem jogo que eu certamente precisarei revisar as regras pra voltar a jogar. Chegou um momento da minha trajetória que meu jogo era manutenção e controle das condições ambientes da minha estante. Baldinhos de sílica, sachezinhos de sílica gel, etc. Parecia que meu hobby era conservação de patrimônio. Jogar que é bom, nada.
- Isso é muito verdade. Hoje nos jogos de tabuleiro eu sou até de boa, mas antigamente, no Magic, hobby anterior do qual eu também fui muito acumulador, mais do que um mau perdedor, eu era um mau vencedor. Eu era um nojo de pessoa e eu só percebi isso quando as pessoas foram se afastando de mim.
Parabéns pelo post, obrigado pela reflexão.
Abraço,
Luis