Coleção Enxuta, Capitalismo e Maracaibo
Leia no formato original aqui: https://medium.com/spiel-des-djows/cole%C3%A7%C3%A3o-enxuta-capitalismo-e-maracaibo-9cf106597a99
Se você quer ouvir a história longa (nem tanto na verdade) entre comigo nesse barco, se quiser saber só o estado dos componentes pule tudo isso e vá direto pra lista lá no meio.
Essa publicação na verdade
nem será um review, pois nem sequer joguei o jogo, mas teve tanto rebuliço nesse lançamento que quis entrar na onda e então, em cerca de uma semana, eu vivi a
experiência total: desinteresse completo, dormir vendo vídeo de regra, leitura de manual, hype, compra, medo e frustração. Quero deixar aqui minhas impressões e um pouco de
filosofia.
Lançamento Nacional do Maracaibo
Meu Modus Operandi
Eu decidi por manter uma coleção pequena, sem ter espaço para jogos "com propostas parecidas", no momento que escrevo minha coleção é:
Luxor (+ Expansão),
Terraforming Mars (+ Expansões),
Power Grid (+ Expansões),
Pax Pamir,
Innovation e
Kariba. Porém, eu realmente curto bastante "experimentar novos game designs", já que ler manual e aprender jogo pra mim é muito divertido. Isso tanto é verdade que já tive jogos que comprei, aprendi, expliquei, assisti jogarem, mas não fui
player da mesa. Sim,
vendi sem jogar jogos como
Cuba Libre e
Rising Sun. Sabendo disso, sempre me proponho a ter ali "2 slots para rotacionar", jogos que compro sabendo que vou me desfazer no futuro próximo, desejavelmente pelo mesmo preço, ou muito próximo, e assim fazer a
roda girar. Para que isso funcione
de forma financeiramente sustentável, preciso de jogos com fácil giro (hype, difíceis de achar, out of print, popularidade). Várias vezes já perdi dinheiro só pra não ter uma caixa parada, mas em outras já inclusive lucrei, o objetivo é
tentar manter o balanço zerado ou que seja
mínimo. Vejo o hobby como uma
Netflix de Boardgames e meu prejuízo, que tento manter baixo, é a minha "mensalidade" para jogar tantos jogos diferentes.
Nesse contexto, surge
Maracaibo, jogo que transborda hype de um famoso designer de obras como
Broom Service (filler de uma hora e meia),
Mombasa (minha cabeça dói só de pensar em como resolver aquela gestão de cartas),
Isle of Skye (O Carcassone, que não pode ser comparado com Carcassone, piorado) e
Great Western Trail (Jogo bom, jogo sólido). Sim, como você pode perceber, nem sou grande fã dele, e por isso nunca nem sequer dei bola para o novo jogo de barquinho dele. Porém, o Hype para o lançamento nacional foi crescendo de forma avassaladora e finalmente entrou no meu radar. Foi ai que descobri que Maracaibo tinha algo diferente: o desejo de ser o jogo que
mistura todos os designs anteriores do Pfister para gerar
a experiência definitiva. Isso aliado de um suposto
modo legacy não destrutivo com uma narrativa, conceito inédito, ou incomum, para um
euro sem vida. Todo esse pacote é perfeito pro meu lifestyle: provar algo novo, que posso
vender depois sem grande prejuízo se não for um
jogo épico.
Dito isso, fui me inteirar mais sobre o jogo: tema bacana envolvendo exploração, navegação, combates (mesmo que seja só mover cubos a lá euro) e o tal modo
legacy diferenciado. Fui ter uma noção geral das regras e me assustei quando a maioria dos vídeos eram de 20 min +, escolhi um e dormi na metade!
Eita jogo burocrático! — Citação comum e aparentemente verdadeira.
Apesar disso, ao
ler o manual vi que não era esse bicho de 7 de cabeças. Após uma leitura parcial, fiquei assustado…
já estava no hype. Consegui uma pré venda com um
lojista parceiro aos 45 do segundo tempo e fiquei pronto pra embarcar nessa aventura. Ouvi muita música de Pirata ao longo dessa semana (todas as sugestões do @
ricardosantos76) para entrar no clima.
E de repente, começam os primeiros relatos de problemas. Normalmente isso não me afeta, afinal problemas ocorrem, e depende mesmo da atitude do pós venda. Diferente do que muitos acham, vejo que a
situação do Terraforming Mars foi satisfatória, apesar de demorada, o jogo teve um preço bem bom na época. A
Meeple BR, pra mim, tem Karma Positivo. Porém, os relatos só aumentaram: cartas coladas uma nas outras, tiles com impressão descolando, punchboard zoado, carta promo impressa errada e por ai vai... E não eram casos tão isolados, de repente me pareceu que
a sorte era não ter problemas, em fim, o verdadeiro
Barrage Brasileiro. A coisa só melhora quando vem a notícia da
produção ser nacional, fazendo os conspiracionistas se alvoroçarem.
Sabendo disso fiquei numa
sinuca de bico: a essa altura do campeonato, realmente já tinha gostado do jogo, porém meu plano de comprar e passar fácil depois, começa a ficar problemático. Com tantos problemas, será que da pra vender? E se não vender, eu com TOC vou conseguir ficar olhando pra um jogo todo torto? Vou pagar
460 pra vender por
200? É um jogo
caro e que
não é para um público tão abrangente: dois jogadores recorrentes aqui no meu grupo já não curtiram o pouco que viram sobre. Se não da pra vender o meu esquema de
fazer a roda girar fica comprometido.
Pensei bem e cheguei a conclusão,
não vale a pena arriscar, conversei com o referido lojista e após breve conversa chegamos a um acordo: eu fazia
unboxing da cópia dele e tirava minhas próprias conclusões, se
estivesse ok, eu poderia ficar com a cópia dele, caso contrário ele devolvia meu dinheiro.
Me pareceu justo, e vos apresento…
Unboxing sem Vídeo (nem Foto)
Eu não tirei fotos, pois fiz o unboxing de "um jogo que não é meu", dentro da loja, e fotografar me parecia inapropriado, mas fica aqui meu relato:
- Cartas: elas realmente possuem tons diferentes, mais perceptível no verso, mas até nas ilustrações da pra ver que contrastes são diferentes em alguns casos. Não é gritante, podendo passar batido facilmente para os incautos, e certamente não o suficiente para ser "carta marcada no jogo", afinal são 150+ cartas e no que observei "apenas" três tons distintos. É a mesma coisa que senti com o Suburbia nacional da Paper Games. Uma coisa curiosa, mas que pode ser placebo, é que o branco das bordas, não pareciam "tão brancos", tinha uma tonalidade sutilmente diferente e a qualidade em si, parecia ligeiramente abaixo do normal. Ao meu ver, para quem sleeva cartas, esses pontos ficariam ainda menos aparentes. Saldo: Meia Boca, mas aceitável.
- Tokens de Madeira: não percebi problemas, apesar de achar as escolhas de tonalidade de cor meio esquisitas. Saldo: Normal.
- Punchboard: Aqui que o circo pega fogo, realmente não estava fácil destacar os tokens, algumas inclusive eu desisti no meio, pois tinha quase certeza que iria rasgar se não usasse um estilete. No verso, ao menos na parte de tokens Legacy, o delimitador do corte beirava o “inexistente”, além disso o acabamento do verso parecia sensivelmente pior, meio amassado (difícil explicar sem imagens). Nem todo punchboard estava ruim, a maioria inclusive, era removido facilmente, mas os ruins, eram bem ruins. Nunca tive que fazer procedimento cirúrgico para destacar componentes com risco alto de estragar eles. Saldo: Inaceitável.
- Tokens: O desenho de algumas moedas pareciam "desalinhadas" do centro do círculo, feio, mas já vi acontecer. A gramatura me pareceu normal. Saldo: Sub-ótimo pelo valor.
- Mapa: Sem problemas, mas o verso é preto, o que vai incomodar o colecionista que queria a bendita rosa dos ventos da versão gringa. Saldo: Normal.
- Impressão Gráfica: Isso é geral, apesar de eu ter comentado só nas cartas. PARECE, que falta um pouco de nitidez na impressão. Sabe aquele sentimento de que "não tá FULL HD"? Isso é BEM sutil eu diria, mas consegui perceber mais no mapa e nos playerboards. Isso tudo é bem subjetivo, e altamente tendencioso, já que eu abri o jogo no modo perícia policial. Saldo: Estranho e me incomodou um pouco.
- Cola nos Componentes: Nada no nível absurdo descrito aqui pela @AnaCristinaFerreira, mas pude perceber resíduos de cola em algumas cartas (facilmente removível) e em uma delas, o suficiente pra estragar se eu fosse tentar limpar. Era pouco o bastante pra talvez passar batido. Saldo: Meia boca, mas como foi só uma, meio escondida, aceitável.
- Componentes Faltantes: Nada que eu pude perceber na minha contagem "por cima". Saldo: Normal.
- Caixa: Achei a caixa firme, vastamente melhor que os jogos da GROW e até uns importados menos badalados. Arte e pinturas normais, mas não parei para apreciar tanto. Saldo: Normal ou até Bom.
E aí você me pergunta: ficou com o jogo?
Não fiquei. E a explicação é complexa, apertem os cintos.
Capitalismo Ideal
Conceitualmente no Capitalismo, se damos dinheiro de forma voluntária para alguma coisa, quer dizer que
achamos que o valor pago pelo produto ou serviço é justo, isso obviamente vária de pessoa pra pessoa e é influenciado por milhões de fatores, mas o mais grave aqui é o seguinte:
se eu fizer a compra, a Meeple BR não tem estimulo nenhum para melhorar o seu serviço. Isso numa análise fria, ideológica e acadêmica,
óbvio que podem ter pessoas bem intencionadas lá, e provavelmente o são já que inclusive já fui muito bem atendido no pós-venda deles. O ponto aqui é ideológico: não dar o dinheiro, vai colocar muito mais pressão para que o próximo lançamento não passe pelos mesmos problemas, talvez forçando que o segundo
print seja feito em outro lugar, ou que a fábrica tenha que pagar uma multa pra
Meeple BR pelas falhas, a obrigando a melhorar na próxima tiragem ou oferecendo algum acordo apropriado.
Como indivíduo no modelo capitalista não dar dinheiro pelos problemas de produção é incentivo para que isso não se repita, se eu só comprar, infelizmente não tenho como ter certeza
que o próximo grande lançamento, e talvez seja um que eu já tenha interesse em especial, tipo um
Pax Pamir 3. E veja bem, é uma "certeza" que ainda é relativa, mas é a única coisa que eu como
indivíduo tenho controle. Vai que semana que vem a gestão inteira da
Meeple BR muda e viram "
empresários malvadões sedentos por dinheiro". Se meu dinheiro chegou neles, não tenho motivo algum pra achar que o próximo lançamento vai ser melhor que esse, se eu não dei o dinheiro, eu já tenho
algum motivo para achar que vai melhorar.
Achei isso tudo bonito, mas você sacaneou seu lojista.
Sem nem entrar nos méritos legais: ninguém foi obrigado a nada, sou cliente a algum tempo, e é uma forma da loja fortalecer ainda mais esse laço em troca do risco de ter o jogo encalhado. Novamente, o
capitalismo funcionando, talvez até venham reportar a
Meeple BR, que talvez tenha uma equipe colhendo métricas de satisfação para levar isso em conta no próximo lançamento.
Agora, precisamos ser sensatos. Outro aspecto seria a consequência oposta: se todo mundo sair boicotando tudo por menor que seja os problemas: é capaz de voltarmos a 2010 e ter que viver de importação, só que com dólar a
6 Reais. Infelizmente para o
Maracaibo, acho que nesse caso não é picuinha.
Nada é fácil.
Em resumo, não achei a produção
um lixo, acharia no limiar do aceitável se não fossem os
punchboards. Mesmo sabendo que eu poderia pedir reposições para
Meeple BR, acho que dado a escala dos problemas
o preço não condiz com o que foi entregue, e vale sim um boicote ideológico para que as coisas melhorem ou um pronunciamento mais forte seja feito.
O Maracaibo Ideal, o Aceitável e o "É o que tem pra hoje"
Mas agora vamos a parte mais imaginativa, que só serve mesmo para especularmos. O que
eu acho que deveria ter ocorrido?
Pelo preço sugerido de
460 Bozos o
Maracaibo ideal é que o jogo deveria ter uma qualidade sólida, sem todos os problemas que eu levantei lá em cima: cartas com tons únicos,
punchboard funcional e impressões de qualidade consistentes. Só isso e nem precisa da
Rosa dos Ventos no verso do tabuleiro. Não vejo problema em empresas ganharem mais por causa do Hype, tem custo de oportunidade, propriedade intelectual e N coisas em jogo que vão além do "é só cartinha". Porém não é difícil concordar com quem ache que pelo preço, o que foi entregue não está "dentro do esperado".
O
Maracaibo aceitável, teria
só o punchboard funcional e todos os demais problemas (fora cola nos componentes é claro) por
340 Bozos, mesmo preço do
TMars. Me impressionei com tanto relato dizendo de gente dizendo que comumente destaca os tiles com estilete. Sério, pra mim é inaceitável eu ter risco de estragar um
boardgame caro que eu acabei de comprar
caso eu não tenha um cuidado minucioso ao destacar o jogo. O hobby virou aeromodelismo e não fui informado? #desafabo
O
Maracaibo "é o que tem pra hoje", seria comprar usado de alguém que foi sortudo e você sabe que não tem problemas. Aqui é meio paradoxal, já que é depender que alguém tenha se arriscado por você, o que deveria até valorizar o jogo, olha aí a oportunidade (risos).
Conclusão
Pra mim, que tenho a premissa de passar o jogo pra frente a curto prazo não é uma boa pedida. Essa
facilidade em danificar aliada dos outros problemas, nesse
range de preço, pra mim, vai gerar uma desvalorização muito grande complicando um pouco meu plano de
rotatividade. Some isso ao aspecto ideológico: não acho que seja um exemplo de bom lançamento e não gostaria de ver isso se repetindo.
Para você, leitor hipotético, que só quer curtir seu jogo e não liga para o aspecto financeiro de passar pra frente depois,
o jogo está perfeitamente jogável. O que acabar estragando por causa do
punchboard, a
Meeple BR tem um bom histórico e provavelmente vai resolver fácil, ainda mais com o jogo produzido no Brasil. Além disso, dependendo do estrago, cola resolve,
mas já prepare seu estilete.
Por último:
Faça o que quiser com o seu dinheiro, mas esteja consciente que isso tem impacto a longo prazo. Ainda espero jogar o
Maracaibo, talvez num segundo
print consertado, pegando numa troca, ou comprando por um preço
mais coerente.
E menos ódios nas redes,
não acho que a
Meeple BR seja essa vilã que estão pintando, ao menos por enquanto, embora eu realmente espero por um pronunciamento mais detalhado sobre a qualidade do produto. Até a próxima!
Se curtiu esse texto, se inscreva no canal e me convide para uma partida de Maracaibo consertado com Durepox, se a cópia não for minha não me importo. #hipocrisiaconsciente