Sim, padawan. De novo, novamente e repetidamente.
!!!ALERTA!!!
Sim, isso é um textão. Se você tem preguiça de chegar até o fim do texto, provavelmente não vai conseguir entender nenhum ponto de vista aqui. O brasileiro, em sua maioria, mal gosta de ler manual, imagina ler resenha, concorda?
Certa vez, quando eu frequentava a igreja (e talvez fosse uma pessoa melhor), um pastor comentou que se sentiu incomodado a pregar sobre fé. Ele pregou por três domingos consecutivos sobre o assunto e quando sua esposa protestou que não aguentava mais aquela pregação, ele simplesmente lhe respondeu: "porque ainda lhe falta fé".
Falar sobre justiça social, de modo geral, tem separado muito as pessoas. Há os que entendem porque sabem da necessidade; há os que não entendiam e passam a entender e respeitar; ainda, há os que não ligam e por fim os que acham isso problematização porque "nunca vi isso no hobby, eu só sento pra jogar e não me importo com quem tá do meu lado". E é exatamente por esse último grupo que continuaremos falando de justiça social nos boards, "porque ainda lhes falta fé".

Antes de mais nada, que fique claro que não concordamos com posturas extremistas, não importa o lado. O objetivo desse texto é causar reflexão sobre o que temos feito ou aceitado em nosso meio, ou o que simplesmente nos passa despercebido, mas não é, de forma nenhuma, irrelevante. Esse texto é só o começo de uma série de pensamentos sobre justiça social nos boards. Falaremos de machismo, feminismo, patriarcalismo, vitimização, lugar de fala, cultura do cancelamento... Mas, para abertura dos trabalhos não há como falar dos outros temas sem começar pela tal da representatividade...
Na contramão do que muita gente pensa, representatividade não é arrumar um espaço pro seu peixe-palhaço em meio aos tubarões (se não pegou a referência, já era). Representatividade é que outros peixes-palhaços se identifiquem e tenham a coragem de enfrentar seus tubarões também. Em outros termos, é o negro, a mulher, o LGBTQ+ olhar ao seu redor e ver que pessoas como ele não são hostilizadas naquele lugar. É ele sentir que pode participar de um grupo sem ser marginalizado, preconceituado ou reprimido simplesmemte por seu gênero, cor ou orientação sexual. "Ah, mas no meu grupo todos são bem vindos, a gente não liga pra nada disso e todos são bem tratados". Mesmo? Sério? Na sua mesa nunca rolou um mainsplaining? Ou uma "brincadeirinha" com o termo pejorativo "viadinho"? Quem sabe uma piadinha com os meeples pretos e o quanto eles estão sendo oprimidos no jogo? Não? Se nada disso aconteceu na sua mesa, nunca se separe desse grupo, pois amigos com esse nível de respeito e entendimento são difíceis de achar. Mas, embora não aconteça na sua mesa, você é capaz de dizer que isso não acontece nas outras mesas espalhadas pelo Brasil? Ou mesmo, que isso é esporádico? Chega a ser impressionante (pra não dizer doentio) a quantidade de pessoas negacionistas, com discursos mimizentos, que se prestam a deslegitimar reclamações e lutas por representatividade e igualdade no meio dos boards. Podem pesquisar aqui ou no facebook (e nem precisa muito) as risadinhas, os comentários ofensivos ou o "isso não acontece na minha bolha".
Não se trata de uma questão de acesso a um hobby caro que já afasta as pessoas. Trata-se de um hobby que, por justamente ser caro, deveria ser mais inclusivo ao invés de restritivo. E tudo o que se pede nada mais é que o simples esforço por respeito, por empatia, por se importar em não falar ou fazer nada que ofenda essa minoria. É tão difícil assim? Não há nada que você queira mais do que chegar no fim de semana, reunir os amigos e jogar aquele board para desestressar porque seu chefe lhe deu um esporro indevido ou você brigou com seu companheiro(a), certo? Agora pense, apenas por alguns segundos, que as pessoas em busca de representatividade também têm o mesmo desejo que você, que sofre os mesmos problemas que você sofre e, como PLUS da vida, ainda sofrem descriminação. Não, não faz parte da vida. Se não faz parte da sua, porque deveria fazer parte da delas?
Deixemos, pois, de recriminar a busca por representatividade nos boards. Muito pelo contrário, aceitemo-na (curtiu a conjugação, né? Pode negar, mas eu sei que sim). Que possamos procurar, cativar, incentivar e, acima de tudo, RESPEITAR essas minorias na medida de nossas desigualdades a fim de tornar o hobby mais inclusivo, menos tóxico e mais atrativo a elas. Não custa abrir mão daquele comentário desnecessário, comportamento desrespeitoso ou piadinha reprovável. Aproveitando, quando isso aconteceu - se aconteceu - na sua presença, o que você fez? Não ligou porque não era com você? Porque quem fez o comentário foi seu amigo(a)? Poque você era minoria? Ou porque não tem empatia? Ao invés da política taxativa do mimimi, por que não fazer com que essas pessoas se sintam bem vindas e iguais, para que outros saibam que podem fazer o mesmo em um ambiente lúdico saudável? O dia-a-dia infelizmente já se encarrega de tornar as vidas dessas pessoas mais difíceis do que deveria ser, nós não deveríamos ser a mão que empurra pro abismo, mas a mão de apoio. Isso sequer deveria ser um pedido. Deveria ser um dever de todos nós.