Verde é a Cor mais Quente: Amor e ódio com Power Grid
**Você pode ler no formato original no nosso Medium: https://medium.com/spiel-des-djows/verde-%C3%A9-a-cor-mais-quente-amor-e-%C3%B3dio-com-power-grid-b89cc4896678**
Essa postagem vai ser estranha, talvez seja um review, ou meramente um relato de múltiplas coisas, ou só um post qualquer, mas como temos um canal, melhor virar publicação para monetizar e ficarmos ricos (mentira). Como sempre, sem grande detalhamento de regras aqui.
Friedemann Friese apoia qualquer tentativa de bajulação do seu ego. Fonte: nenhuma.
Minha história com
Power Grid remete aos primórdios da minha iniciação boardgamer há três anos atrás, não quero dar
spoiler, isso vai ser tema de outra publicação, mas depois de provar os doces sabores do Euro, de alguma forma acabei comprando a minha cópia.
E esse jogo explodiu minha cabeça. Foram muitas partidas, e na empresa onde eu trabalho um exército de fãs leais ao culto do Power Grid vieram atrás. Um jogo
capaz de criar partidas memoráveis, tão memoráveis que esse próprio motivo também foi o motivo do seu declínio. Falarei disso em instantes, mas antes vamos falar do motivo desse jogo ser tão bom.
Mapa do Oriente Médio lançando no fim de 2019.
Rede de Poder: Estudo de Caso
Não diria que Power Grid é um exemplo de elegância em design, algumas regras até são pouco intuitivas, mas que a versão
Recharged ao meu ver resolveu sua maior parte, porém no final das contas o jogo é
bastante direto. Suas etapas o resumem por si só:
- Definir ordem de turno com base no número de cidades nas redes dos jogadores e suas usinas.
- Comprar usinas num leilão entre jogadores. (Leilão)
- Comprar matéria prima para essas usinas. (Gestão de Recursos)
- Expandir sua rede distribuição nas cidades. (Controle de Área)
- Gerar energia para as cidades queimando a matéria prima acumulada. (Gestão de Recursos)
Repita isso até o primeiro jogador expandir sua rede para um pré-determinado número de cidades e deu, jogo encerrado. Qual o encanto nisso? Como
um jogo de 2004 (sim você leu certo) pode
continuar sendo aclamado 16 anos depois? Pra mim a receita é clara:
a interação entre jogadores. Aqui não é "bastante interação para os padrões de um euro",
é muita interação, é mais que isso,
é dedo no olho e gritaria (PG-13)
Essa publicação foi auto censurada, mas uma boa partida de Power Grid certamente é 18+.
Há quem diga que leilão é uma "solução porca de design" já que deixa tudo na mão dos jogadores. Verdade ou não, no PG funciona liso, trazendo toda a tensão que um leilão por si só tráz, mas com reviravoltas interessantes por causa do principal elemento de design do jogo:
gestão de ordem de turno. Comprar uma
usina turbinada agora pode vir a te colocar como último jogador a comprar matéria prima na próxima rodada, o que pode sair caro. Ou pior:
pode nem sobrar matéria prima para você comprar. A maioria das suas decisões estão relacionadas a onde você quer ficar na ordem de turno.
O jogo simula um mercado, então quando mais recurso de um tipo é vendido, mais caro ele fica. A reposição varia conforme o mapa sendo jogado. Disclaimer: Isso não é constipação, é carvão.
Outros exemplos de decisões difíceis e cujas respostas não são óbvias:
- Sou o primeiro jogador a escolher uma usina para leilão e não me interesso por nenhuma usina, mas existe a chance da próxima ser boa. Dou um lance em uma usina que eu acho ser boa para algum outro jogador, apostando que ele vença o leilão e eu possa comprar a próxima?
- Pago mais do que o necessário e crio um estoque de matéria prima para aumentar os custos para os próximos compradores?
- Abro mão de expandir minha rede energética, para garantir que eu vou ser o primeiro na ordem de turno de compra e poder comprar matéria prima mais barata?
- Pago o custo de expansão, só para garantir o meu território no mapa e assumo os riscos de talvez ser o último a comprar recurso?
- Acelero o fim do jogo, prevendo que talvez um oponente não consiga competir comigo na produção energética?
Várias são as situações cuja as suas escolhas realmente importam, e não são mero
parsing problems, onde há uma melhor escolha porém difícil de ser vista, a maioria das ações depende de
constante leitura de mesa, e até mesmo um certo grau de
push your luck dependendo das circunstâncias.
Não é o típico multiplayer solitário euro.
O jogo é tão bom, que até confeccionei alguns marcadores de desconto, fim de jogo, etapa 2 e áreas proibidas. V-Í-C-I-O.
Nem tudo são flores
Apesar de toda essa agressividade, Power Grid tem seus defeitos, subprodutos das suas próprias escolhas de design. A primeira, na verdade é uma dupla:
tempo de jogo e
AP. Tanto é verdade que uma das minhas
primeiras postagens da Ludopedia era justamente sobre esse assunto: partidas de 6 jogadores levaram
5 horas. Isso talvez não seja ruim per si, afinal são
5 horas de muita diversão, mas para um jogo com uma natureza matemática tão forte, pode evocar
o lado mais sombrio daquele seu amigo APzeiro. Minha solução pra isso (ou solução parcial) é não ter vergonha de
jogar com calculadora do celular e
quantidade privada de dinheiro. Isso ajuda bastante, pois durante os leilões (e demais ações) os jogadores não vão ficar perguntando quanto cada um tem de dinheiro, para fazer
a jogada mais otimizada possível, e usar o celular acaba acelerando os cálculos e até substituindo a constante contagem de dinheiro.
Por último o maior problema é o outro lado da sua maior vantagem:
alta taxa de filha da put*agem. É um jogo com inúmeras circunstâncias em que um jogador pode marcar outro, ou pior, até mesmo se
juntar contra um jogador. Vivenciei momentos célebres referente a isso, em um caso o jogador que seria o vencedor foi "eliminado", pois na última rodada um conselho composto por todo mundo menos ele, decidiu comprar
TODO O CARVÃO do jogo, impedindo que ele alimentasse suas cidades e assim vencesse o jogo.
Claro que isso mostra incompetência do jogador, e existem formas de minimizar isso, afinal é um jogo sobre
ser o último jogador o máximo possível e vencer em um golpe. No entanto devo deixar claro: isso pode destruir famílias, e grupos de jogatina. O jogo abre espaço para
situações realmente tristes para quem está jogando. E jogos são para nos divertir não é mesmo?
A gota d'água pra mim, foi uma situação com cinco jogadores e um novato, por uma mistura de falta de experiência e excesso de competitividade da mesa, ele acabou ficando preso numa situação do mapa em que
não era mais possível expandir sua distribuição elétrica e
dependia que os outros jogadores avançassem o jogo para novos espaços de cidade serem abertos. No entanto outros dois jogadores (eu incluso), conseguimos ficar numa posição em que ganhávamos mais dinheiro que os oponentes e era vantagem "segurar o jogo". Isso por si só até poderia ser um cenário clássico do "jogo quebrado", mas talvez tenha até sido falta de
fairplay, ou simplesmente que
o jogo é duro. Moral da história: foram mais 3 horas de jogo em que a "vítima da casualidade" não tinha a menor chance de vitória e ele nunca mais (com razão) quis ver aquela capa verde do jogo novamente.
Prêmio Spiel des Djows para Pior Primeira Experiência num Jogo Verde Aparentemente Inofensivo
Seria um botão? Um potenciômetro? Apenas fingindo que está trabalhando pra foto?
Resultado. Depois de ter vivenciado isso (e com sangue nas minhas mãos), decidi que era hora de passar o jogo adiante, já que muita discórdia já havia sido feita. Curiosamente troquei ele por um
Blood Rage, cujo o nome deveria ser o subtítulo do
Power Grid.
O Renascimento à 2
Power Grid, por bem ou mal, sempre foi uma lenda no nosso grupo, principalmente pelas partidas memoráveis (mesmo que trágicas). Três anos depois da despedida dele, em uma troca na Ludopedia, tive a oportunidade de pegar o dito novamente e pensei: Porquê não? Tem regras novas da versão
Recharged e acho que o grupo ficou mais
maduro para lidar com esse jogo. O jogo chegou
exatamente um dia antes do Lockdown do COVID-19 em SC, então só pude jogar em dois, o que é curioso, afinal: leilão em 2 jogadores é para ser chato não é mesmo? Não se esqueça: não é um jogo só sobre leilão!
Foram 8 partidas e posso dizer que foram muito boas. A versão
Recharged trouxe de fábrica uma variante chamada
"O Cartel" que resumidamente, traz um
automa que sempre compra a usina mais cara (a melhor)
e não precisa de dinheiro pra isso. Não vou entrar nos detalhes das regras, mas basta dizer que ele
"acelera os conflitos de controle de área" do jogo, fazendo a batalha 1x1 ficar mais acirrada. O que realmente é muito bem feito, é que o
upkeep desse
automa é muito baixo, principalmente por não precisar gerir dinheiro pra ele. Ele acaba não sendo um jogador em si na mesa, mas sim um desafio extra para os participantes.
Gostei tanto do modo 1x1, que fui até atrás da expansão
The Robots para adicionar ainda mais tempero: melhorou? Não necessariamente.
Punchboard da expansão The Robots
A expansão nada mais é do que vários tiles com regras diferentes para um (ou mais)
automa, que dizem como este deve se portar em cada fase do jogo. Exemplo: sempre compra a usina mais barata, estoca recursos e expande a rede para duas cidades. Além disso, cada
automa tem um poder especial para deixar ele mais equilibrado com os jogadores, já que diferentemente do Cartel ele realmente joga como se fosse um
player independente.
O problema aqui, é que apesar da variabilidade, é comum ter
robôs burros demais. Embora o objetivo design seja que os humanos se aproveitem dos robôs para tentar prejudicar o oponente, isso só funciona especialmente bem em um setup específico de tiles na minha opinião. Ou seja, um card com as regras acabaria sendo melhor do que todos aqueles tiles. Além disso, diferente do Cartel, aqui temos que manter o dinheiro do robô o que acaba gerando um desgaste um pouco maior no
upkeep. No final das contas, o design do Cartel, que nem precisa dessa expansão acaba por entregar uma experiência 1x1 mais clean e proveitosa.
Em resumo, mesmo em 1x1 consegui o sentimento das partidas tensas, e trazendo uma boa dose de furação de olho. Evidentemente não tem toda a glória de um jogo com humanos o que não daria uma
nota 8, prefiro outros jogos nessa contagem, mas é um
7 sólido no que diz respeito a 1x1
.
Conclusão
Power Grid é um jogo que pode realmente receber o título de clássico: mais de
15 anos no mercado, tem uma
legião de fãs e continua
funcionando perfeitamente nos dias de hoje. Um euro altamente interativo e veja só, bastante temático para o que se propõe, você vai falar sobre preço de óleo, monopólios, acordos e empreendedorismo durante sua partida. Não é só "empurrar cubos coloridos", o que da um tempero em especial.
Em resumo:
O Bom
- Alta interação entre jogadores.
- Baixo downtime relativo já que tudo que seus oponentes fazem é importante para você, mesmo que não seja sua vez.
- Conceitualmente simples e pode até ser usado como gateway.
- Funciona bem em qualquer número de jogadores. Não só em 2, mas em 5 e 6 que normalmente seria um desastre num Euro médio/pesado.
- Setup rápido se você estiver bem treinado.
- Replayability enorme, graças a alta interação. Some isso a bilhões de expansões que alteram algumas regras básicas que são temáticas aos novos mapas. No oriente médio por exemplo, o óleo é especialmente mais barato.
- Ver seu amigo ficar puto porquê você comprou todo o carvão que ele precisava.
O Neutro
- Impiedoso demais e sem mecanismos para comeback. Dificilmente uma cagada vai ser corrigida na mesma partida, só resta torcer para os outros errarem.
- É um jogo bem matemático, pode trazer a calculadora e a planilha de Excel. Você vai fazer contas do tipo: 20 + 10 + 13 + 15 + 7, com alguma frequência.
O Ruim
- Os custos das regiões nos mapas são fixos e não são necessariamente balanceadas, se você tem experiência prévia vai saber onde ir (ou não ir) o que pode ser injusto com um novato.
- Algumas vezes na etapa de expandir sua rede existe sim uma solução ideal, só que é matematicamente difícil encontrar o que gera AP gratuito. Esse, sim, é um mero parsing problem (só leva tempo para descobrir e há uma solução ideal).
- Dinheiro de Papel, mas só pagar $200 em IronClays e ser feliz. /ironia
- Você ficar puto porquê seu amigo comprou todo o carvão que você precisava.
Nota 9, não só sugiro que seja jogado, mas acredito que aqui tem um jogo especialmente bom e faço marketing gratuito dele.
Nada como o cheiro da poluição fictícia pela manhã.
Agradecimentos especiais ao @marciusfabiani, auto-proclamado senhor soberano do PG Brasiliense, que ao longo dos tempos cultivou meu interesse em voltar a jogar essa pérola da indústria (inclusive jogamos uma partida remota no TTS e a expansão The Robots foi comprada dele).
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