Fala pessoal! Como esse é meu primeiro artigo aqui, vou começar me apresentando: sou o Tiago Marinho e orbito essa cena do RPG desde os anos 90. Joguei muito, li muito, escrevi artigos, livros e sites, e atualmente faço parte da Secular Games.
A turma totalmente excelente do BGG II me convidou para vir aqui conversar com vocês sobre esse hobby que amo tanto, e hoje pretendo encaixar um assunto que combina com nossa atual situação de isolamento social: RPG Solo.
Vamos tirar a primeira coisa que todo mundo pensa do caminho: não, não são os livros-jogo tipo os da série Aventuras Fantásticas (Fighting Fantasy) trazida para cá na década de 80-90 pela editora Marques Saraiva, e hoje publicada pela Editora Jambô (que recomendo, são ótimos passatempos), mas uma modalidade de jogo na qual uma única pessoa faz o papel de mestre e jogador (ou juiz, juri e executor, se quiser ser mais dramático!).

Alguns livros da série Aventuras Fantásticas (Fighting Fantasy)
Parece estranho, afinal, o RPG é aquele jogo social no qual uma turma se encontra para viver grandes aventuras em outros mundos (ou pelas definições da esposa de um amigo meu, "aquele jogo onde um monte de adulto fica brincando de monstrinho"). Bem, sim, mas também é um jogo de contar histórias, e para isso, basta uma única pessoa.
De certa maneira, jogar RPG Solo é como escrever um conto de forma estruturada, seguindo as resoluções de dados ou cartas no lugar de resolver tudo sozinho, em uma amálgama super legal de imaginação e sistema.

Para jogar RPG Solo, você precisa basicamente de três coisas:
1) Um sistema de regras. Qualquer sistema serve! De verdade! E aí vai da sua vontade do que quer jogar. D&D, Vampiro, GURPS, Old Dragon… A lista é infinita. Esse sistema servirá para quaisquer resoluções que você vá executar em sua história, como o fazem em uma partida de RPG convencional.
2) Um oráculo ou sistema para jogar solo. Ele será o substituto do mestre de jogo, ajudando a montar uma história de forma expontânea e sem preparação, enquanto você joga. Existem diversas ferramentas (a minha favorita é o Mythic GM Emulator), que consistem normalmente em tabelas com palavras para atiçar sua imaginação e oráculos para te ajudar a definir o que acontece (esquema Guru do Gugu: "sim", "não", "talvez", etc.). Eles basicamente fazem o papel de responder aquelas perguntas que você faria para o mestre. "Vou procurar um dos meus contatos, ele está disponível?". O oráculo pode responder "sim", "positivo", ou coisas assim. Ele pode gerar palavras específicas, ou até situações, como um deck de eventos em um jogo de tabuleiro, a depender do sistema escolhido. Apesar desse ser meu favorito, existem várias ferramentas gratuitas disponíveis na internet. Veja algumas dicas no final do arigo.
3) Alguma ferramenta de anotação. Como você vai ser jogador e mestre, muitas coisas estarão sob seu controle, então pegue um editor de texto ou um caderno, e prepare-se para anotar as fichas de seus personagens, seus pontos de vida, seus aliados, os lugares que eles visitaram, e um diário para contar a história que você está jogando!

Tá bom Tiago, mas esse negócio é meio confuso! Eu vou mestrar pra mim mesmo?
Sim! Com a ajuda dos sistemas solo, você vai criando a história na hora, e tomando as decisões pelo seu personagem (ou personagens, nada impede que você controle vários deles).
Vou dar um exemplo. Decidi jogar uma história cyberpunk. Escolhi o saudoso Cyberpunk 2020 como meu sistema de regras, e o Mythic GM Emulator como o sistema solo. Criei um personagem, Paulo, um repórter durão cheio de implantes cibernéticos que o ajudam em suas matérias, como olhos e ouvidos que enxergam e escutam melhor que os de uma pessoa normal (e obviamente conseguem gravar tudo que ele vê e ouve!), e que vive em uma São Paulo futurista. Decido que ele começa o jogo em seu escritório bagunçado, fumando um cigarro como todos os repórteres durões fazem quando estão em busca de um furo.

Tá, mas e daí, o que acontece? Vamos perguntar pro Mythic! Eu rolo em uma de suas tabelas (poderia também escolher) e ele me diz que algum evento acontece. Ele tem algumas palavras chave que definem melhor o foco desse evento. Resolvo rolar nas tabelas e recebo as palavras "morte" e "ilusões". Com essa inspiração, decido que Paulo está investigando a morte de um famoso ilusionista, Denis, encontrado afogado em sua casa, trancado e algemado dentro de um aquário cheio de água. Pode parecer que foi um truque que deu errado, mas Paulo desconfia de algo. O que o teria feito desconfiar disso?
Na dúvida, volto ao meu sistema solo, que me indica a presença positiva de um NPC, e o adjetivo "medo". Minha interpretação: a esposa de Denis, Marta, havia procurado Paulo, dizendo ter provas do assassinato de seu marido. Paulo testou suas habilidades de detectar mentiras (usando o sistema do Cyberpunk 2020), e teve a impressão de que havia verdade nas palavras dela. Marta contudo temia encontrar o repórter por medo dos assassinos irem atrás dela. Mais um teste usando as perícias do sistema, e ele a convence de marcar uma reunião.
Paulo vai ao encontro de Marta, mas será que acontece algo no caminho…?

E assim o jogo prossegue. O sistema de regras do jogo que você escolheu é usado para fazer os testes, e a ferramenta de RPG Solo lhe dará a inspiração necessária para preencher as lacunas do que está acontecendo.
Estou interessado! E agora, o que faço??
Bem, vou lhe dar umas dicas:
- O grupo "Solo RPG" do Facebook é um ótimo lugar para começar. Há muito material gratuito, entre jogos e sistemas, além de vídeos com o pessoal falando sobre as ferramentas, como jogar RPG Solo e exemplos de partidas;
- O Coisinha Verde publicou alguns jogos, como Notequest e Ronin, ambos excelentes e focados no RPG Solo (e cujos PDFs são gratuitos);
- O RPG Ironsworn, com foco no RPG Solo, também está disponível para download gratuitamente. Recomendo fortemente, pois ele já inclui o sistema de resoluções e um oráculo específico para contar suas histórias. Para encontrar a versão brasileira, entre no grupo de Facebook "Ironsworn: Chamas & Aço".
- O Mythic GM Emulator (e outras ferramentas da série) é muito bacana e didático. Existe inclusive uma versão que usa um baralho, o Mythic GM Emulator Deck, que é até mais ágil que as tabelas do livro original.
Bom vou ficando por aqui. Ainda há um universo a ser explorado, e a ideia desse artigo não é ser exaustivo (precisaria de alguns livros para isso), mas sim despertar a sua curiosidade com relação a essa modalidade de jogar RPG, e incentivar sua prática para aqueles momentos nos quais não deu pra reunir o grupo todo ou para passar um tempo de qualidade consigo mesmo.
Grande abraço, e deixem aí seus comentários, inclusive se quiserem pedir algum artigo específico! Até a próxima!