Por François Doucet

Para a Space Cowboys, Elysium é peculiar em vários aspectos. Embora apreciado por unanimidade e até mesmo amado entre a equipe, o jogo passou por muitas mudanças durante sua preparação. (Este diário aborda o ponto de vista da editora de Elysium).

A história de Elysium começou (para nós) na Spiel International Fair em Essen, no ano de 2013, e no início, haviam cartas, romanos e dados. Brett Gilbert e Matthew Dunstan apresentaram à Space Cowboys um jogo de cartas para jogadores "experientes" intitulado "Aurum et Gloriam" ("Gold and Glory" para aqueles que não falam latim). Com sua curiosidade despertada, Croc pediu uma cópia do protótipo, e uma vez no escritório, jogamos algumas partidas.

"Algumas" - isso não está certo. Em nossa forma de trabalhar, cada membro da equipe é fortemente encorajado a dar o seu parecer tão francamente quanto possível. As reuniões são bastante animadas, cada jogo tem seus defensores e opositores. No que diz respeito a Elysium, no entanto, as opiniões foram unânimes; as partidas continuaram, e foram muito divertidas.

Originalmente, como Brett e Matt escreveram, o jogo que nos mostraram era sobre políticos que tentavam tomar o poder na República romana. Eles eram representados por cartas, que eram recrutadas pelos jogadores (que jogavam como partidos políticos) usando quatro dados coloridos que tinham cada um quatro símbolos diferentes. Cada carta necessitava de uma combinação específica de símbolos (um ou dois) ou uma cor específica para ser adquirida por um jogador.

Parecia bem clássico, com certeza, mas haviam algumas particularidades - e boas.

A primeira característica interessante: uma vez que uma carta era reivindicada, o jogador descarta qualquer um de seus quatro dados. 

"Qualquer" é a palavra chave aqui. Se uma carta precisa de dois símbolos, você pode remover o dado que você quiser, não necessariamente um dos dados mostrados na carta. Assim, as cartas não têm preço, mas sim, condições. Com quatro dados, que significa "quatro recrutamentos", assim que os dados vão sendo descartados e as cartas são adquiridas, as opções diminuem e o jogo acelera. Este simples mecanismo cria uma certa pressão e limita a "analysis paralysis" e a duração do jogo.

Os jogadores também procuram ganhar o favor de um senador, uma carta especial que determina o fim do próximo turno, concede um pouco de ouro, e determina as promoções. Basicamente, em cada turno, eles levam (usando seus dados) três cartas e um senador. Para aqueles que conhecem Elysium, isto deve lembrar alguma coisa, certo?

As cartas de "Aurum et Gloriam" foram divididas em oito famílias: Augur, Tribune, Benefactor, Gladiator, Decurion, Optimas, Flamen e Consul. Cada uma tinha poderes diferentes (13 por família!) e vários elementos do jogo eram afetados: pontos de vitória, prestígio, ouro, cartas dos outros jogadores, etc. Os poderes da carta podiam ser utilizados durante a fase de recrutamento. Como você já sabe, também em Elysium (desnecessário dizer, não?). Vamos apenas dizer que elas não mudaram muito desde esse ponto, a não ser para ajustar o equilíbrio entre algumas cartas.




Em "Aurum et Gloriam",a pontuação era baseada em promoções. Para ganhar pontos de vitória, os jogadores têm de criar famílias no Senado. Isto significa colocar cartas e montá-las acima do seu tabuleiro de jogo. Sim, acima... o próximo detalhe característico acontece aqui: quando uma carta é promovida, ela perde seus poderes, para que você não possa usá-las mais. 

Este pequeno truque é interessante em mais de uma maneira. Criar combinações de poderes com cartas é clássico, mas "quebrar" esses combos para marcar pontos é intrigante. Para não mencionar que, em cinco turnos, você precisa fazer escolhas difíceis! E em nossa cabeça, o jogo depende muito de como fazemos essas escolhas.

Outra vantagem dessa característica: o jogo não se torna necessariamente mais complicado enquanto passam os turnos. Você cria combinações agradáveis para ganhar algum ouro e ajudar a adquirir mais cartas ou fazer promoções, mas mais cedo ou mais tarde, você vai ter que reduzir o número de cartas ativas (e assim destruir suas combinações) para marcar pontos. Também é muito difícil avaliar a posição de cada jogador: pode-se ter uma tonelada de pontos de vitória graças às suas cartas, mas pouco ouro e, assim, poucas promoções potenciais. Portanto, a incerteza é mantida até o final, e muitas vezes há muitas surpresas e grandes movimentos nos últimos turnos. Perseguir o líder é inexistente, o que é uma grande vantagem em nossa regra.

Após o nosso primeiro jogo, eu exibi todo o pacote que Matt e Brett nos enviaram e percebemos que tínhamos jogado com cinco famílias de cartas das oito contidas no jogo. Isto não é um erro, mas uma maneira muito inteligente para manter o jogo interessante. Os poderes são tão diferentes que a mudança de famílias perturba estratégias e a jogabilidade. Alguns conjuntos de famílias promovem a interatividade, outras causam uma competição feroz para um recurso que tornou-se escasso devido à ausência de uma família. Em suma, 55 "configurações" diferentes são possíveis, o que permite muitos jogos antes de voltar para a mesma combinação de cartas!

Em suma, as mecânicas foram agradáveis, o tempo de duração era bom (entre 45 minutos e uma 1:15 hr), as regras eram fluídas, e os poderes das cartas eram variados. Nosso entusiasmo foi tão óbvio que se tornou embaraçoso, e em pouco tempo, nós começamos a trabalhar seriamente no jogo, depois de assinar o acordo com Brett e Matt. Geralmente quando isto acontece, começam grandes debates entre nós - e foi o que fizemos novamente.

O primeiro grande problema foi o tema. Nós amamos Roma e antiguidade, mas política e senadores não são tão emocionantes. Nós começamos a procurar uma alternativa e depois de algumas tentativas frustradas, nós escolhemos a fantasia de Roma, com poderes mágicos para algumas famílias.

Nós mergulhamos primeiro na mitologia, pesquisando a República do Senado e os ritos de feitiçaria da sociedade romana. Após esse trabalho preparatório, foram encontradas oito famílias, uma espécie de cruzamento entre as famílias do protótipo e algumas novas.

Infelizmente, nós descobrimos que o tema não se encaixou muito bem, e tivemos que começar do zero. Um monte de ideias apareceram, de um pouco estranhas a completamente malucas. Vamos ver a lista: uma conspiração maníaca na América, por volta do ano de 1950, com grupos opressores, estrangeiros, e políticos corruptos; um senado galáctico com raças alienígenas; escolas de alquimia; bruxos; Corte de Luís XIV; etc. 

Novamente, nada ficou de pé ao nosso olhar crítico.

Durante este trabalho sobre o tema, também trabalhávamos nas mecânicas. Precisávamos ter certeza de que tudo correria bem para dois, três e quatro jogadores; que todos os jogos de cartas seriam interessantes; e que as combinações não criariam situações impossíveis ou intermináveis. Isso nos levou a muitos, muitos jogos, mas ainda "Aurum et Gloriam" continuava sendo muito divertido para nós, mesmo depois desta verdadeira orgia de jogos. Sempre havia uma nova combinação para experimentar!

Tudo estava indo bem - até que nós tivemos uma sessão de testes, onde as rolagens de dados, devido a maus resultados, quebrou uma estratégia de certa forma, bem pensada. Obter os símbolos que você queria realmente poderia tornar-se impossível se você tivesse uma maré de azar. Foi pura frustração, pois nós não queríamos isso. Além disso, precisávamos simplificar a aquisição de cartas de modo que todas elas ficassem disponíveis de imediato, e ao mesmo tempo, fosse mais fácil de entendê-las.

Os dados que Brett e Matt gostavam tanto, se tornaram vítimas colaterais desta simplificação, mantivemos as cores, mas removemos os símbolos. Entre o pessoal do estúdio, esta decisão não foi unânime em um primeiro momento. Nós tentamos uma série de testes sucessivos com e sem dados, e nós consultamos os autores sobre essa ideia blasfema. Remover os dados foi uma significativa transformação, por isso foi necessário o seu consentimento. No final do dia (bem, que levou mais de um dia!) todos concordaram, e os dados foram substituídos pelas colunas da versão final.




Pouco tempo depois, uma outra ideia (ergonômica desta vez) aconteceu para acabar indiretamente com o nosso problema do tema. Por razões práticas, quando as cartas são promovidas, é preferível colocá-las abaixo do tabuleiro de jogo. Afinal, é mais lógico para os outros jogadores se conseguirem ver as cartas ativas mais facilmente do que aquelas que você não usará mais até o final do jogo - mas que parece uma promoção... para baixo!

Tivemos uma outra questão temática com esse ponto: os políticos de "Aurum et Gloriam" serem promovidos e... perderem o poder. Bem, isso não parecia muito coerente!

Finalmente, esses dois problemas acabaram dando-nos a solução. Em vez de serem promovidas, as cartas agora passavam para a posteridade e "morriam". 

As palavras "Mitologia Grega" haviam sido faladas em muitos dos nossos encontros,e de repente surgiu: os heróis gregos descem ao inferno e perdem os seus "poderes", mas contribuem com o legado dos jogadores (na forma de pontos de vitória).




Matt e Brett se entusiasmaram com a ideia da mitologia grega, e mergulharam com verdadeiro prazer em um tema que eles muito apreciam. A propósito, este seria um excelente momento para agradecer-lhes por sua boa vontade impecável. Eles foram muito além daquilo que se esperava deles, e foi um verdadeiro prazer trabalhar com eles.

O efeito dominó continuou: estávamos nos perguntando sobre questões da natureza das famílias e sua identificação rápida pelos jogadores. Você já pode saber a resposta: os deuses debruçaram-se sobre o jogo! Eles têm vários "domínios" correspondentes às habilidades das famílias do jogo, ao menos, com um pouco de imaginação.

Tudo seguiu rapidamente: para o título, precisávamos de um nome simples, relativamente curto, que descrevesse um dos aspectos mais importantes do jogo. Como, com alguma razão, nós não chamaríamos o nosso jogo de "Coluna", ficamos interessados nos campos Elísios dos gregos antigos, o lugar de descanso dos heróis merecedores... e a área de jogo nas regras. A pronúncia romana ganhou prioridade diante de várias alternativas ( dos mais "gregos" Elísios, Thrylos, etc.) com base em critérios bastante subjetivos, temos de admitir: "Elysium" soa bem, seja em inglês ou em francês. O nome das cartas foi o tema de uma sessão de estudos exaustiva sobre os mitos gregos antigos - o nosso trabalho é muito prazeroso, então imagine isso - e nós percebemos que tínhamos uma dificuldade embaraçosa para encontrar ideias para as cartas.



Neste ponto, uma questão "luminosa" permanecia. Precisávamos encontrar um artista que estivesse disposto (e capaz) a fazer 108 cartas em dois meses. Isto era simplesmente impossível, mesmo que nos deparássemos com um mutante super potente. A única solução, dados os atrasos de produção, seria selecionar muitos artistas - mas como dividir nossas 108 cartas entre eles, e como, em seguida, gerenciar esse trabalho em conjunto, que não é a sua maneira habitual de fazer as coisas? Ao trabalhar os rascunhos - ou seja, descrições do que queríamos para cada carta do artista - que escolhemos seguir o caminho da simplicidade. Cada artista seria encarregado de uma família, a fim de manter uma atmosfera coerente.

Depois de muitos telefonemas, e os oito artistas fecharem acordo, a equipe começou a trabalhar. Algumas cartas compartilhadas (como templos, encontros e iniciações) são comuns a todas as famílias, mas nem sempre têm o mesmo poder, por exemplo. Precisávamos manter uma coerência global, mas com uma interpretação completamente diferente para cada deus. No final, a necessidade de coordenar o trabalho dos nossos ilustradores criou uma bem-humorada e inesperada competição, e eles parecem ter apreciado essa experiência em equipe.


Você acha que acabou?

Não! Precisávamos escolher entre cartas com texto, cartas com iconografia, ou ambas. No final, o conceito de "iconografia MAIS texto" venceu depois de animados debates - mas ainda precisávamos criar a iconografia!

Após este trabalho um pouco complexo, finalizamos as regras, com plena cooperação dos autores, já que estávamos fazendo a versão em inglês de Elysium, ao mesmo tempo que a versão francesa. Eu já lhes disse que Matt e Brett são impressionantes? Alguns testes de jogo com voluntários que nunca o haviam jogado e para os quais entregamos as regras sem quaisquer explicações adicionais nos ajudou a esclarecer alguns pontos, a fim de completar o livro de regras.



Tinha que ser feito ainda o guia das cartas, uma adição que tinha sido planejada a algum tempo para reforçar o tema do jogo e esclarecer algumas situações específicas, que são inevitáveis em um jogo conduzido por combinações, contendo 108 poderes. E não vamos esquecer do insert da caixa, de plástico, desenhado por Sébastien Pauchon, cuja resistência (do insert - não do Sébastien) foi comprovada através de uma série de testes imortalizados em vídeo.

Quando as primeiras caixas chegaram em nossos escritórios no final de Janeiro de 2015, havia um sentimento como se Ulisses tivesse acabado de voltar de sua jornada... finalmente. Agora o jogo está pronto, portanto escolha seus cinco deuses e envie todas as cartas para Elysium!

François Doucet (Space Cowboys)

Tradução por Irineu Neto