Root e A Lenda do "Jogo Mito"
Jogando sempre, porque sei que vai melhorar…
Que arte!
Prêmio Spiel des Djows para Melhor Arte Cartunesca de um Jogo Pesado pra Caramba.
Em algum momento lá de novembro do ano passado me vi tentado a conhecer mais sobre o queridinho do momento, o famigerado Root. Todo mundo já sabe porquê ele é tão famoso: arte espetacular que chama atenção de
qualquer um. E isso vende jogo não é mesmo? Os Ameritrashes estão ai para provar, e escrevo isso sem desmerecimento, que o tema sozinho pode acabar atraindo
todo tipo de jogador, até mesmo aquele party gamer que detestaria o jogo depois de descobrir a dura realidade da natureza da obra. Mas é claro, os atrativos não param por aí.
Root tem uma
bagagem mística para o
jogador pseudo-experiente no hobby (eu me incluo aqui)
, aquele que talvez já tenha ouvido falar de
Die Marcher, porém nunca jogou. Esse jogador
semi experiente, já passou horas lendo artigos obscuros no BGG sobre grupos de
war gamers de 60+ anos de idade, veteranos de guerra, que se encontram todo final de cada mês para uma partida de 10 hrs.
War Games residem em um
micro nicho, que nós
pseudo-experientes só ouvimos falar, mas nunca tivemos a oportunidade de jogar. E veja só, ousam colocar
Root mordendo a beirada desse nicho, mas claro lemos tanto ao ponto de saber que tal comparação é absurda por si só. O desdobramento não para por aí, pois o que é dito ser uma influência realmente grande, são os jogos da série
COIN, que você também leu a respeito, mas também nunca jogou. Os míticos jogos super assimétricos, densos , hiper temáticos que simulam conflitos históricos. Você assim como eu,
provavelmente já foi seduzido por essa ideia, mas também nunca teve o prazer de experimentar.
E ai
você pensa:
"queria jogar um War Game / COIN, mas não tenho nenhum jogo desse, é difícil achar". E
pensa mais uma vez:
"preciso de jogadores hardcore que estejam dispostos a mergulhar nisso aí". E ai você
pensa mais uma pouco: "
esse mesmo grupo tem que curtir contextos históricos específicos para conseguir se inserir no tema". E
por último concluí:
"E como diabos vou achar mais 3 pessoas que atendem a isso aí tudo para fechar uma mesa?"
E Root surge prometendo isso tudo. Arte incrível com tema infantil num contexto militar que vai chamar a atenção de
muita gente, baseado em COIN com todo o pacote assimétrico, rico em conflitos e que apesar de
pesado foi criado para ser um
COIN Gateway. E ainda: lançado no Brasil.
Onde eu assino?
E a pergunta que fica é: vale a pena?
Um review de Root, 15 partidas depois.
Obviamente não vou falar de regras aqui, você é o jogador
pseudo-experiente, já decorou todas as regras, viu N vídeos, sabe até dos tópicos obscuros falando sobre rebalanceamento no BGG. O que posso dizer é que:
Vale a pena, porém você tem que atender a uma
penca bem grande de pré-requisitos.
1- Não é leve. Apesar do core do jogo ser simples, e até as facções serem simples em regras, uma explicação para jogadores que foram
atraídos apenas pelo tema, mas que esperam aprender na hora,
vai ser longa e entediante. Na realidade, independente da experiência, uma explicação completa, vai ser longa e entediante.
2- Não é óbvio na primeira partida. Nem na segunda, nem na terceira, nem na quarta […] Os caminhos para a vitória não são óbvios, apesar de que o objetivo de todos seja marcar 30 pontos. Existe sutilezas que só jogando várias vezes começam a serem evidenciadas. Por exemplo, dependendo do
meta-jogo do seu grupo, é fácil achar que o Malandro é o mais forte, quase desregulado, mas o pessoal que acha isso está criando itens para ele logo no turno 1 a troco de PVs que são irrelevantes no começo. É algo simples, mas que só vai começar a ficar evidentemente depois de uma série de partidas. E esse é só um dos exemplos.
3- As Regras não são exatamente elegantes. Existem várias excessões, e poréns que são difíceis de acertar nas primeiras
sete partidas… ou mais (!). Levamos tempo até de fato começar a jogar certo, e com erros sutis que estavam quebrando o balanceamento do jogo.
Então temos um jogo pesado, que atrai muita gente por conta da sua apresentação e que como você pode ver, demanda
muito comprometimento e repetição. E eu te pergunto:
qual foi a última vez que você jogou um "lançamento" 5x ou mais? Eu adquiri um Wingspan recentemente e troquei depois de apenas duas partidas. Não era pra mim, não vi muito espaço para melhora no que o jogo se propunha. E
qual o porquê do Root ter sobrevivido? Mesmo com esse peso todo ele é divertido
na partida número 1?
Não. Sim. Talvez.
O que esta acontecendo?
A Lenda do "Jogo Mito"
Você lembra do Scythe? O
queridinho de 2017, arte fantástica, miniaturas, tema diferenciado,
eurogame com robôs e guerras. Eu poderia redigir essa propaganda de forma semelhante com o que fiz com o Root lá no inicio desse texto. Em determinas circunstâncias, que envolvem marketing bem feito, game design que favoreça exploração do próprio design, narrativa/expectativa do público e seu timing como jogador fazem com que você:
Compre um sonho.
E ai nasce o
"Jogo Mito". Um jogo que transcende o papelão, um jogo que ja é uma
idéia. Essa
idéia é tão forte, que talvez você queira jogar ele mesmo depois de ter confirmado que ele nem
é tão bom. O
jogo mito te coloca num estágio em que você
sempre acredita que a próxima partida será "A Partida". É nessa partida que vai acontecer o estalo, o momento em que o jogo vai entregar tudo aquilo que foi vendido, todas os seus anseios mais profundos, a partida que vai fazer
você compreender o mito, se tornar
um com ele, ser o jogo que
você criou dentro da sua cabeça.
E essa partida nunca vem.
Porém, ainda assim, parece que sempre tem algo melhorando, um novo aspecto que havia passado batido. Uma regra errada, uma estratégia diferente. Parece que o jogo
merece no mínimo, mais uma partida.
E foi assim que joguei Root 12x em 4 dias seguidos. Foi assim que nasceu mais um
Jogo Mito. Que como
Scythe, mesmo não gostando tanto quanto o que eu gostaria no
momento 1, eu ainda queria jogar mais uma vez, pois eu achava que ia encontrar alguma coisa a mais. Não me parecia possível que o eu não estivesse fazendo
"o click". O jogo
não poderia ser só aquilo.
Root: Desbravando o Mito
Bom, lá em cima eu falei que valia a pena, mas não descrevi o porquê. A assimetria, que não é exclusividade do Root, é um grande atrativo, afinal de contas são 6 jogos dentro de um, um pra cada facção. Isso você consegue encontrar encontrar em outros jogos também, mas o que não é comum no Brasil, fora uns gatos pingados como
Cry Havoc, Vast e afins. Isso gera o efeito, de no mínimo, querer jogar 1x com cada facção e convenhamos, 6 partidas de um mesmo jogo hoje em dia é um baita feito.
Outra coisa que te faz querer voltar ao jogo, é justamente a combinação das facções. Como é usar os Lagartos com os Pássaros? Seriam eles predadores
naturais com sua habilidade de converter construções? E os Gatos com os Ribeirinhos, adquirindo serviços facilmente com seu número de unidades? E o Malandro desbalanceado? É desbalanceado mesmo? E se fizer X, Y e Z contra ele, muda algo? Tudo isso são perguntas que ficam batendo nas cabeças dos jogadores, e que acaba gerando o anseio por uma nova partida.
O aspecto temático, amplificado pela arte espetacular (já repeti isso várias vezes não?) do
Kyle Ferrin, dão um tempero bem legal no jogo. Tivemos muitas conversas sobre situações in-game como "O ataque dos pássaros", "Gatos aprisionados", "Malandro literalmente sendo malandro nas regras", "Lagartos desorientados na movimentação", tudo casando muito bem com as mecânicas do jogo e dando uma vida, quase um role-play feito pelos jogadores. Imagino que isso possa variar de grupo pra grupo,
mas mesmo eu participando de um grupo de eurogamers que curtem
euros secos estilo Stefan Feld, vimos o tema florescer e se divertir com isso.
E por último o ROI (Return of Investment). Em 5, jogamos partidas de 1 hora e 20 ~. É tão rápido que jogamos 3x vezes seguidas sem grandes problemas. Tem muita coisa acontecendo no jogo,
muita coisa. São muitos desdobramentos e lances memoráveis (goste ou não, os
dados amplificam isso) acontecendo num espaço de tempo relativamente curto. E esse tempo curto, num jogo complexo, cria a vontade de experimentar mais uma dose no final para corrigir jogadas erradas e tentar reconstruir o clássico
"E se eu tivesse feito isso…"
Agora o curioso é o seguinte: no final das contas, eu sinto que
não estou me divertindo tanto quanto eu gostaria. Diversos outros jogos me
divertem mais. E aqui, peço para tentar levar o conceito de diversão puramente no sentido de "realização/satisfação", quase que "prazer puro" por assim dizer. E não estou dizendo que é ruim, longe disso, certamente um
8–9 na
escala BGG. No entanto, sinto que no fundo, sou mais atraído para saborear o
design do jogo em si, que é soberbo na minha opinião, do que
me divertir propriamente. É óbvio que, isso tudo soa como jogo de palavras, se estou jogando é porque estou me divertindo, não é mesmo? Deixe-me tentar explicar. É algo como ser alguém que curte ver uns filmes ultra densos, cults, com maestria de direção e fotografia, mas sabe que lá no fundo estaria se
divertindo mais ao assistir um
Vingadores. E repito, ainda assim é bem divertido, mas o jogo tem tanta coisa acontecendo, assimetria, meta-jogo mudando radicalmente conforme as facções em jogo, cartas, combates que você se pergunta constantemente:
"
Devo não estar entendendo alguma coisa, isso DEVERIA ser meu TOP1. "
E eis o
Jogo Mito, que te leva a jogar novamente, pra confirmar algo, que talvez não possa ser confirmado.
Não é fácil Bruce.
E aí? Conhece algum outro
Jogo Mito além do
Root? Concorda que
Scythe faz parte desse seleto grupo, ou ali é só hype mesmo? Consegue entender esse complexo sentimento? Minha opinião se assemelha bastante ao review do
No Pun Included, que eu recomendo assistir, para quem tiver um tempinho de sobra.
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