Árvores e outras formas vegetais de médio e grande porte podem ser cultivadas em campo privado, para exposição, pesquisas ou pelo bel prazer de quem seja rico o bastante para ter sua própria coleção de grandezas botânicas. Essa forma programada de cultivo arbóreo é chamada “arboreto”, ou, no original latim “arboretum” – como também se diz em inglês -, e é o inusitado tema para um dos mais fascinantes jogos de cartas que já conheci.
Com dez espécies de árvores frondosas, representadas, cada uma, em oito cartas de seus respectivos naipes, o belíssimo Arboretum, assinado por Dan Cassar, permite a até quatro jogadores a experiência de traçar os mais proveitosos planos de rota para apreciação de seus exímios exemplares folhosos.
A caixa fechada de Arboretum, versão Deluxe da mais recente publicação
Plantando a joga
Cada etapa do jogo é carregada de beleza, mas, antes do passeio pelo “bosque”, é preciso ter o reconhecimento de entusiastas que visitarão cada espaço. Isso te cheira fortemente a competição? Acertou! Somente um dos participantes da partida atrairá olhares e conquistará o reconhecimento social de seu arboreto, representado pelas cartas que puser à mesa, a partir de seu leque (“mão”).
Cada leque começa e termina o turno com 7 cartas, ocultas aos oponentes. Durante seu turno, o jogador pega mais duas cartas, isto é, árvores. Das 9 totalizantes, devem ser selecionadas, obrigatoriamente, uma para pôr à mesa (“plantar”) e outra para descartar, numa pilha de descarte individual, que comporá as fontes possíveis de onde o jogador seguinte poderá pegar as duas cartas de seu turno. Para todos, são essas as fontes: o topo da pilha de descartes de cada jogador (da própria inclusive) e o deck central, cujo fim das cartas leva também ao fim da partida.
A forma de pontuação é o que deixa tudo ainda mais frutífero: cada espécie (naipe) do arboreto (mesa) de um jogador só será válida para pontuação se ele tiver à mão, ao fim do jogo, um total numérico (soma dos valores indicados por números em cada carta) da espécie em questão que seja superior ao das mãos de seus oponentes. Isso significa que não basta planejar com inteligência os caminhos ortogonais de seu cultivo – cujas posições das árvores não podem ser alteradas, uma vez definidas, e vão determinar sua conversão em PVs* ao fim do jogo -, mas garantir que a maior soma de cartas das espécies plantadas esteja em mãos. São difíceis decisões, rodada a rodada, sobre quais exemplares da espécie desejada ficam no leque e quais descem à mesa. Sim, você lembrou certinho: nessa mão só se pode manter sete unidades.


Cartas da publicação mais recente, versão original. [retirado de #joguemaistabuleiros, Instagram] / Caixa da publicação mais recente, versão original. [retirado de Giant Heroes Hobby]
Semeando a vitória
Esse conjunto de características beneficia jogadores velozes nos cálculos, afinal, é informação partilhada o fato de que todas as cartas em jogo passarão pelas mãos de alguém, e que vão, em cada naipe, do número 1 ao 8. É, também por isso, um jogo com certa curva de aprendizagem**, intensa porém nada extensa: seus maiores traumas – como a possibilidade de acabar com uma pontuação igual a zero – podem ser descobertos já na primeira partida. Certamente uma segunda experiência já trará melhores frutos.
Um toque especial nessa pontuação pede sagacidade: a numeração das cartas plantadas precisa ter uma ordem crescente respeitada, mas não significa conversão direta em pontos. Os extremos 1 e 8, excepcionalmente, carregam uma pontuação simbolicamente vantajosa quando compõem a área do arboreto (mesa). As cartas 1 e 8 valem mais que as outras no arboreto, porque é uma decisão difícil plantá-las. A número 8, por óbvio, sendo a maior, é importante à soma daquelas que ficam à mão para garantir que sua espécie pontue. No entanto, tem uma fraqueza curiosa… A carta número 1. Com o 1 em mãos ao fim do jogo, é possível igualar a carta 8 da mesma espécie a zero, caso ela esteja à mão de qualquer oponente.
Trata-se, portanto, de um jogo de cálculo, sagacidade e uma grande competência para abrir mão – literalmente – de componentes que são extremamente sedutores, não apenas pela inegável beleza, mas porque representam muitas e variadas possibilidades de acúmulo de pontos e de prevenção à pontuação de oponentes, dentre as quais somente uma ou outra serão viáveis: tentar executar “tudo”, pode ser justamente o que leva à derrota.
Arboretum é, assim, um jogo de ensinamentos poéticos. Sutilmente, cada um deles parece remeter a certa conduta das árvores: resiliência, construção vagarosa, seletiva e concentrada para colher frutos na hora certa.

A edição mais recente, na versão Deluxe, aberta. Caixa de madeira com suporte aveludado para o deck, capa de papel para decorar e manter a caixa fechada, saquinho de tecido aveludado para carregar o jogo por aí, bloquinho para anotação da pontuação (também presente nas demais versões), livro de regras e, é claro, as cartas.
Espalhando sementes
O jogo roda magnificamente a dois, a três ou a quatro. Quanto menos jogadores, no entanto, mais acirrada a competição. Isso porque as suposições sobre onde uma tão desejada carta pode estar reduzem em possibilidades – e aumentam em aflição.
Jogável e rejogável para gamers experientes – pretendo jogar até a velhice! –, traz alta variabilidade às partidas e articula profundamente a capacidade de planejamento, gostosamente a de cálculo e elegantemente a de leitura social. Também jogável e rejogável para quem tá começando, afinal traz todos esses estímulos em poucos componentes e poucas regras, o que faz do título um típico “simples, mas nada fácil”, e prático para ser levado a qualquer lugar.
A flor de Arboretum
A edição Deluxe (fotos) é deslumbrante, um baralho inteiro de “figurinhas brilhantes”. O primeiro contato me trouxe algum breve receio de que o brilho metalizado atrapalhasse a rápida identificação das cartas ou “cansasse” o olhar ao longo das partidas, mas nada disso aconteceu! Na verdade, tive muito prazer no contato com essa versão encantadora de cartas que já originalmente trazem uma arte linda e sensível.

Jacarandá, a homenageada da capa