Conforme as pessoas vão se aprofundando no universo dos Board Games, invariavelmente, em algum momento, elas escutarão alguém definir um jogo como elegante. Comigo não foi diferente e confesso que demorei um tempo para entender a associação desse adjetivo com os jogos, até que conheci Endeavor e aí não só essa definição passou a fazer todo sentido como também estabeleci um parâmetro de referência para o que é ser elegante. Endeavor é a materialização da elegância em forma de Board Game.
Quem me conhece sabe bem do meu gosto e preferência por jogos mais pesados, com muita interação, política, negociação e confronto direto. Meu top 3 de 2018 foram Root, Feudum e Rising Sun. Mas isso não significa que não goste ou não saiba admirar outros estilos de jogos. Não da para viver em um ambiente só de guerra, às vezes é preciso navegar por mares mais calmos (mas sem deixar de levar um canhãozinho na viagem, vai que é necessário rs)
Mas porque é tão elegante? A resposta para mim é simples como o jogo. Endeavor faz MUITO com POUCO.
Regras fáceis de aprender e ensinar, jogabilidade rápida e componentes que se resumem basicamente a discos de cores diferentes e apesar disso entrega uma sensação de desenvolvimento estratégico com a complexidade na medida certa, imergindo no tema como poucos euros conseguem. Endeavor nos lança ao mar entre os séculos XIV e XV, partindo do efervescente continente Europeu em busca de novas terras para serem descobertas, colonização de novas cidades, escambos e até mesmo passando pelo delicado, porém presente na época, tema da escravidão.
A forma como lida com esse tema é mais um atributo do jogo. Conforme disse anteriormente partimos do único continente aberto no início que é a Europa e lá há duas formas possíveis de negociações locais representadas por dois decks de cartas numerados de 0 a 5 e você saca essas cartas de acordo com sua presença no continente (numero de discos) e um desses decks representa a aquisição de trabalho escravo, que permite que você desenvolva suas construções de forma mais acelerada e torne mais barata a manutenção dos dos seus trabalhadores. No entanto além de darem pontos negativos no final do jogo a última carta do deck da europa é justamente a abolição da escravatura, e caso ela seja adquirida (além de fornecer uma significante pontuação liberta todos os escravos em jogo fazendo os atributos de quem os adquiriu seja reduzido drasticamente com o descarte deles.
Além da Europa existem outras seis regiões a serem descobertas, através da ação de navegação (ship) você pode seguir colocando seus discos na trilha do descobrimento de cada uma delas, ao final da trilha a região/continente estará aberta para a colonização. A colonização se dá ocupando as cidades de determinadas regiões controlando-as e disputando também o controle das rotas entre elas (devendo para isso, ter seus discos em ambas as extremidades daquela rota). E nessa corrida expansionista e imperialista, o tabuleiro vai ficando cada vez mais apertado e os impérios cada vez mais populosos, o conflito vai se tornando iminente. provavelmente disputas territoriais também acontecerão através de uma ação de combate, extremamente custosa para quem ataca, pois não há guerra sem casualidades.

Todas as suas ações são realizadas utilizando a sua reserva de trabalhadores(discos) no seu porto. Sempre alocando um deles no prédio associado a ação e enviando outro para executar a ação no tabuleiro. E fazer essas ações é o que permite seus atributos continuarem crescendo e tornando suas ações mais poderosas durante o jogo, já que ao alocar um disco no tabuleiro, você remove um token que te dá um incremento de atributo ou uma ação extra.
Navegar, colonizar, negociar e atacar é basicamente o que você precisa fazer em Endeavor, sendo competente na administração dos poucos recursos que você tem para gerenciar. Parece simples e é, mas tá longe de ser fácil ou raso. A política expansionista é uma corrida e faz todo sentido tematicamente, porém o ritmo é o das caravelas, não que o jogo seja lento (muito pelo contrario) mas ele cria uma atmosfera competente para que você tenha capacidade de planejamento e total consciência das suas ações. Aquela sensação de não saber bem o que está fazendo ou de não prever claramente a consequência da sua jogada simplesmente não existe aqui (elegância lembra?).

A falta de moeda (recurso dinheiro) no jogo também é uma sacada genial, um dos atributos que você gerencia no seu playboard é justamente a capacidade de pagamento aos seus trabalhadores, o que permite recuperá-los dos espaços onde foram alocados no round anterior para aumentar a disponibilidade de ações no round futuro. Ou seja, o elemento riqueza presente no jogo não vem para se tornar algo punitivo com a perda de pontos ou perda de trabalhadores, mas pode dar uma leve engessada na utilização do motorzinho que você vem construindo ao longo da partida, já que expansão não é presente só no tema ou tabuleiro mas também nas suas ações. Com um início de turno relâmpago pela escassez de trabalhadores e prédios, Endeavor vai escalando conforme o decorrer da partida ganhando mais possibilidades, tensão e emoção conforme o jogo se aproxima do final.
EXTREME MAKEOVER E OS EXPLOITS
Endeavor é de 2009, um adulto já. mas assim como Brass, ganhou uma repaginada daquelas em uma super produção, numa edição deluxe de cair o queixo e com umas adições de mecânicas e ajustes de outras, ambas versões (retail e deluxe) trazidas pela
LUDOFY (que merece milhões de reverências por ter trazido essa maravilha e Feudum em um mesmo ano). É preciso registrar o capricho na produção em termos estéticos, porém há dois pontos de atenção, os discos muitas vezes vem colados um nos outros e acabam manchando e a qualidade dos enormes playboards, não acompanha o restante do jogo.
Mas a principal diferença da versão antiga fica por conta do tabuleiro de dois lados (um mais apertado para uma quantidade menor de jogadores) e dos Exploits.
Exploits são fatos históricos que além de adicionar mais sabor temático ao jogo, acrescentam umas dinâmicas novas nas regras dando mais aleatoriedade e aumentando consideravelmente a rejogabilidade já que apenas 3 exploits de forma aleatoria entram no jogo dos 17 disponiveis. A variedade deles nas variações das mecânicas é bem alta e a possibilidade de combinação também é enorme. Funcionam basicamente da seguinte forma, cada exploite esta associado a duas regiões e uma vez que essas duas regiões estão abertas os jogadores que possuirem presença nelas passam a utilizar as variações do Exploit.
O ponto ruim, é que em partidas com menos jogadores, a ativação deles pode vir muito no final e ser pouco utilizada. Fizeram um bom trabalho para ajustar o jogo base para menos jogadores porém a novidade continua funcionando melhor com mesas mais cheias. Apesar disso não me vejo mais jogando sem eles, mesmo com menos de 5 jogadores.
Endeavor é um daqueles jogos que dificilmente sairão da coleção, é aquele terno absurdamente bem cortado que guardamos para utilizar somente nas ocasiões onde a elegância é absolutamente indispensável.