A inspiração
O gatilho para o que veio a se tornar o Dead & Breakfast veio em meados de 2016, logo depois de uma partida de Little Prince - Make me a planet. Nesse jogo, cada jogador faz seu próprio planeta, usando tiles que podem ter rosas, baobás, animais e uma série de outras coisas.
A graça do jogo pra mim é que você não sabe de início como seu planeta vai pontuar. Os tiles de pontuação, que também fazem parte do planeta, aparecem ao longo da partida. Então no início você quer um pouco de tudo, mas os tiles mais abundantes são também os mais arriscados, pois podem ser retirados de jogo.
Seu planeta no final de Little Prince - Make me a planet
Eu nunca tinha visto isso. A ideia de um jogo em que você começa a construir alguma coisa sem ter certeza de como ela vai pontuar ficou na minha cabeça.
Até aí, nada demais. Muitas ideias ficam na minha cabeça. Mas algumas poucas insistem em voltar todo dia, e a cada dia surge uma nova mecânica que pode funcionar em conjunto, um tema que serve bem como metáfora.
Vai acumulando, acumulando, até que uma hora você não tem alternativa além de cortar papel e tentar colocar em prática.
A filosofia
Antes de falar sobre o Dead & Breakfast, deixe eu apresentar um pouco a minha filosofia como criador de jogos em geral.
Eu sou um light gamer. Gosto que meus jogos criem uma experiência completa em menos de uma hora. Mais do que a duração, me esforço muito para que eles sejam intuitivos. Pra mim, tão importante quanto profundidade estratégica ou equilíbrio, é a clareza e a simplicidade do fluxo de jogo.
Por clareza, quero dizer falta de ambiguidades e de exceções. Detesto pausas no meio da partida para consultar o manual. Por simplicidade, quero dizer pouco upkeep, pouca coisa para fazer no jogo além de simplesmente jogá-lo.
Esses foram os princípios que nortearam o Dead & Breakfast. Então vamos a ele.
A ideia
E a ideia inicial era: criar um prédio visto de frente, em um quadrado de 5x5. Cada jogador começa com uma porta, e vai adquirindo tiles duplos, compostos por 2 janelas, cada uma com objetos diferentes, como bules de chá, passarinhos e tortas
Uma versão antiga do Dead & Breakfast: um prédio quadrado de 5x5 square cheio de objetos e moradores.
Sempre que você completa um andar (uma fileira de 5 janelas), pode trazer um morador e colocá-lo em cima de uma janela sua. É ele que determina como vai ser a sua pontuação. Alguns darão pontos por tortas no mesmo andar em que ele estiver, outros por passarinhos na mesma coluna.
A metáfora, de os moradores virem para o seu prédio conforme ele vai sendo construído, casa bem com a ideia de um jogo em que a pontuação é definida ao longo da partida.
Simples, né? Não funcionou.
Problema 1: Diferentes eixos de pontuação.
Mas isso era esperado. Nunca tive uma ideia que tenha funcionado bem de primeira. Acho até que quem acha que a ideia deu certo no primeiro teste está fazendo algo errado.
O primeiro problema que encontrei era que a pontuação do jogo estava unidimensional. A única coisa que havia para se considerar era como alinhar os objetos para maximizar a pontuação dos moradores. Era preciso de outro eixo de pontuação, que os jogadores considerassem em paralelo.
Depois de muitas tentativas, coloquei heras nas paredes do prédio. Cada tile passava a possuir um ramo de hera ligando algumas de suas laterais, e em cada hera pode haver flores de diversas cores.
A porta inicial de cada jogador passa a dar pontos por alguns tipos de flores, desde que estivessem conectados a ela pela hera.
Funcionou muito bem, tanto tematicamente quanto na mecânica. Agora a cada jogada, é preciso considerar não só o alinhamento dos objetos como também a conexão das heras, o que torna cada decisão mais interessante.
Problema 2: A mecânica de seleção de tiles
Testei diversas maneiras de seleção de tiles pelos jogadores, da esteira rolante à la Suburbia ao leilão fechado. Coloquei e tirei economia interna do jogo. Misturei e separei os tiles verticais com os horizontais.
No final, o que funcionou foi a ideia mais simples, como quase sempre acontece: 6 tiles abertos dispostos num círculo, e um peão em cima de um deles. Na sua vez, você só pode pegar um dos 3 primeiros.
Essa mecânica se adequou perfeitamente ao jogo, pois:
1. o jogo não precisa de dinheiro;
2. permite planejamento: com 6 tiles abertos você pode pensar mais de um turno a frente;
3. permite marcação: dependendo de quanto você avança, pode negar ao adversário o tile que ele quer, sem necessariamente pegá-lo.
Problema 3: Os buracos no prédio
Dependendo de como você encaixa tiles duplos num quadrado de 5x5, nem sempre vai ser possível colocar todos, e o quadrado fica banguela.
No Kingdomino, que utiliza um princípio semelhante, isso não é tão importante mas no Dead & Breakfast é vital, pois é preciso completar um andar para ganhar um morador. Deixando de completar um andar a pontuação fica seriamente desfalcada.
Mais uma vez, testei várias alternativas, e no final venceu a mais simples: uma pilha de tiles extras unitários, em vez de duplos, que não têm flores nem objetos, mas dão flexibilidade para evitar buracos no prédio.
O quarto problema, o quinto, o sexto… é claro que foram bem mais de 3 problemas para criar o Dead & Breakfast. Criar jogos envolve não só resolvê-los como, antes de tudo, conseguir enxergá-los. Assistir as pessoas jogando e detectar os pontos de dificuldade, de dúvida e de desinteresse, e tentar eliminá-los. Mas já estamos entrando na fase seguinte, que é…
O balanceamento
Uma vez definidos os princípios gerais do jogo, chega a hora de brincar com números para garantir que vai tudo funcionar de forma perfeita.
Eu tenho hoje 8 jogos em vários estágios de desenvolvimento. Nenhum me deu mais trabalho de balanceamento do que o Dead & Breakfast.
São 6 objetos diferentes nas janelas. 4 cores de flor. 6 possibilidades de saída para a hera, que podem ter ou não bifurcações. Tiles horizontais e verticais. Tudo isso precisa estar devidamente condensado em 54 tiles criando um conjunto matematicamente equilibrado em suas possibilidades.
Para além disso, foi necessário calibrar a dificuldade do jogo - colocá-lo ali naquele ponto certo da curva de complexidade que não o torne nem muito frustrante nem muito fácil.
A cada alteração de balanceamento - mais flores, menos saídas de hera, menos pontos por objeto - foi necessário recalcular cada um dos 54 tiles. Essa foi de longe a fase mais demorada do desenvolvimento do Dead & Breakfast.
A editora e o tema
Mas por que um jogo sobre montar um prédio de apartamentos com passarinhos e tortas se chama Dead & Breakfast, você pergunta? Aí é que entra o dedo da editora.
Logo que se interessou pelo jogo, a Braincrack sugeriu a mudança temática: em vez de montar um prédio, por que não montar um hotel, e não apenas um hotel, mas um hotel mal assombrado? Coalhado de fantasmas, zumbis, morcegos, bonecos vudu, assim nasceu o Dead & Breakfast.
Além do tema, Lewis foi um grande editor, enxergando o potencial do jogo e me ajudando a testar, balancear e fechar pontas soltas.
Depois encontrou o Louis Durrant, que com seu traço cartunesco conseguiu deixar o hotel ao mesmo tempo apavorante e fofo, exatamente como tinha de ser.
Fofa e assustadora, a nova arte por Louis Durrant
Eu espero que vocês sintam que ele pode ser uma boa adição à coleção: um jogo bonitinho e assustador. Fácil de explicar mas cheio de decisões interessantes. Bom para não gamers, mas sem abrir mão da estratégia.
Para quem se interessar, segue o link do financiamento, que com frete sai a 23 libras, ou cerca de 104 reais, e é Brazil-friendly, ou seja, sem taxas de importação:
https://www.kickstarter.com/projects/315276384/dead-and-breakfast-a-terrifying-tile-laying-game