Escrita por: Rodrigo Neves.
Introdução:
Clans of Caledonia é um jogo econômico estratégico ambientado na Escócia do século XIX. Foi nesta época que a Escócia migrou de uma sociedade agropastoril para uma sociedade industrializada. A produção de alimentos aumentou para sustentar o crescimento populacional e devido a uma praga que restringiu a produção de vinho e brandy no continente europeu, o uísque escocês ganhou espaço como a bebida alcoólica mais nobre da Europa, o que deu um boom na sua fabricação. Em Clans of Caledonia, os jogadores são chefes de clãs históricos que competem pela produção, comércio e exportação de produtos agropecuários e do seu famoso uísque. É um euro de complexidade média desenvolvido pelo designer Juma Al-JouJou, para 1-4 jogadores, que leva de 1 a 2:30hs de partida. Foi lançado em 2017 por financiamento coletivo e chega este mês ao Brasil pela editora MeepleBR, com grande hype e esgotando rapidamente em várias lojas.
Mecânicas:
- Construção de Rotas,
- Controle/Influência de Área,
- Especulação Financeira,
- Jogadores com Diferentes Habilidades,
- Tabuleiro Modular
Visão Geral:
O tabuleiro principal do jogo é montado pela combinação de 4 grandes placas, que permitem até 16 configurações diferentes de terreno, bem interessante para aumentar a rejogabilidade. Apesar dele representar um padrão de relevo escocês genérico, não existe muita arte para se avaliar por aqui. Basicamente são terrenos (planície, floresta, montanhas, rios e lagos) e pouca iconografia (posicionamento de portos e custos de terrenos). O demais tabuleiro de mercado, exportação e individuais dos jogadores são bem secos e funcionais, restringindo-se a planilhas, marcadores e slots. A primeira impressão que passa é der ser um jogo bem focado nas mecânicas e como elas se integram, deixando um pouco de lado temática e estética. Claramente é um produto direcionado ao público eurogamer.


Por outro lado, a maioria das peças de produção e produtos são meeples de madeira seja para os produtos primários: leite, grão, lã ou os produtos manufaturados: pão, queijo e whisky. Eles fazem um bom trabalho para balancear a aridez dos tabuleiros e tokens em geral. Apesar de não influenciarem na sensação do tema, elas agregam um valor bastante decente ao visual geral do jogo na mesa. A iconografia do jogo é muito clara, as ajudas e o tabuleiro do jogador possuem todas as informações necessárias para uma boa partida. O design, apesar de árido, é muito competente neste sentido.. bem completo.



Clans of Caledonia é jogado em 5 rodadas e cada rodada consiste em 4 fases: preparação, ações, produção e pontuação intermediária. A fase inicial de preparação é muito rápida, realmente bem simples. O brasão de pontuação da rodada anterior é virado para indicar a nova rodada, as caixas de contrato vazias no tabuleiro de exportação são repostas e os jogadores recuperam seus comerciantes do mercado. Em seguida entra a fase de ações, o real o coração do jogo. Isto porque através das ações escolhidas, você irá construir o mecanismo de produção do seu clã, a sua engine no jogo. Durante esta fase, cada jogador faz uma ação por turno, em ordem, seguidamente até que todos passem a vez. Existem 7 ações possíveis, além de passar a vez:
Comércio: os comerciantes do seu estoque podem ser usados para comprar ou vender produtos no tabuleiro de mercado. Cada ação oferece a negociação de quantas unidades você quiser de um mesmo tipo de produto. É um mercado padrão... ao vender o preço cai, ao comprar o preço sobe, simulando oferta e demanda. O problema é aqui se encontra uma das ações mais importantes do jogo! Os contratos exigem as combinações mais variadas de produtos, cujas fábricas são caras de construir. Fica difícil produzir tudo sozinho, sendo mais viável produzir uma parte e comprar o que falta. Outro ponto... o dinheiro é escasso no jogo, e não existe nenhuma ação que faça ganhar dinheiro. Sem contar que tudo se paga por aqui. Uma parte relevante da grana que você gera durante a rodada precisa vir do mercado, especulando, aproveitando a alta e a queda dos valores. Requer uma boa visão macro de economia e uma certa ousadia para voos mais altos. Um ponto negativo, comum a qualquer jogo de mercado, é que ele é pouco explorado pela galera mais nova nos boards. É comum nestes casos que ele fique bastante estagnado, atravancando a partida. Uma só pessoa não consegue tirar o mercado da inércia. É a sinergia das ações combinadas de vários jogadores que traz a riqueza de possibilidades a ele.

Fechar um Contrato: pague o custo atual para tirar qualquer contrato de exportação entre os disponíveis e colocá-lo no seu caixote pessoal. O custo é crescente, sendo relativamente caro fechar novos contratos nas duas últimas rodadas. E fique esperto... Em Clans of Caledonia não existe quebra de contrato. Você deve cumprir seu contrato de exportação atual antes de tomar um novo. Em casos extremos, um erro de planejamento aqui pode ser bem punitivo.

Expandir: coloque uma unidade de produção do topo da coluna do seu tabuleiro pessoal em qualquer hexágono vazio do mapa, adjacente ou dentro do alcance da sua frota mercantil. Será necessário pagar o custo da unidade (o custo da moeda na parte superior da coluna) e o custo do terreno onde foi colocado. Existem algumas restrições de terreno. Ovelhas, vacas, queijarias, padarias, campos e destilarias só podem ser colocados nas planícies. Lenhadores só pode ser colocados em florestas e os mineiros em montanhas. Uma das sacadas mais bacanas da ação de expansão é o chamado bônus de vizinhança. Quando você expande para uma região adjacente à uma fábrica de um oponente, pode imediatamente realizar uma ação comercial adicional e comprar o tipo de bem produzido por aquela unidade vizinha. E o melhor... o preço dos produtos são reduzidos: básicos em £2 e manufaturados em £3. É o famoso: "comprar mais barato direto da fonte". Porém este bônus só pode ser usado imediatamente após a expansão. Uma ideia genial deste jogo!

Aumentar o alcance da frota mercante: Os jogadores podem pagar £4 para mover seu marcador de frota em um espaço. A primeira vez que você usa essa ação permitirá que você se expanda sobre os rios. E cada atualização posterior permitirá que você percorra distâncias maiores de lagos. É uma estratégia interessante para aumentar o número de povoados (que dão pontos no final), conseguir bônus de vizinhança das fábricas mais "resguardadas" dos amiguinhos ou chegar aos portos.
Atualização de tecnologias: os jogadores podem aumentar a renda de seus trabalhadores, lenhadores e mineiros, pagando para atualizar suas ferramentas. Trabalhadores atualizados produzem + £2 a mais durante a fase de produção. Não parece muita coisa, mas se feita no início da partida, pode amenizar bastante a escassez de grana.
Contratar um mercador: cada jogador começa a partida com 2 mercadores. Para contratar um novo mercador, os jogadores podem pagar £4 e levam ele para seu estoque pessoal. Fique atento... para vender ou comprar produtos, inclusive na ativação do bônus de vizinhança, você precisa "gastar" um mercador para cada unidade de produto negociada. Eles irão para o tabuleiro de mercado e só estarão novamente disponíveis na próxima rodada. Para quem deseja tirar vantagem do mercado, é necessário desbloquear o máximo de mercadores possíveis antes. É barato... o chato é gastar uma ação para cada um isoladamente.
Cumprir um contrato: provavelmente o que vai lhe garantir mais PVs ao fim da partida. Para cumprir um contrato, pague os produtos listados à esquerda do contrato de exportação e receba os benefícios apresentados à direita. Esses benefícios podem incluir lúpulo, algodão, tabaco, cana de açúcar ou bônus diretos, como dinheiro, a expansão sem custos de terreno ou uma atualização com desconto/grátis. É o filé do jogo... sem mais.
Finalizando as ações de todos os jogadores, entra a fase de produção. É agora que os jogadores produzem bens e recebem renda! Todo o seu trabalho duro culmina neste ponto! Cada trabalhador ganha dinheiro. Se você atualizou um lenhador ou mineiro, eles ganharão renda extra, caso contrário, eles ganham só o básico. Em seguida, são produzidos os bens primários: ovelhas geram lã, vacas geram leite e campos geram dois grãos. Por fim, suas fábricas podem manufaturar: cada queijaria pode transformar um leite em um queijo, uma padaria faz pão de grão e uma destilaria um tonel de whisky de um grão. Vale comentar que você não precisa ter produzido o bem primário que será manufaturado, mas pode ter comprado ele do mercado.


E na última fase, os jogadores ganham o bônus de glória, se cumpriram o requisito indicado no brasão ativo da rodada. Alguns objetivos dão pontos dos produtos em estoque, número de construções ou trabalhadores e campo, construções nas bordas no mapa, etc... O que me incomodou de leve foi que os pontos ganhos ao final de cada rodada são muito pequenos em comparação com a pontuação final... na casa de 10-25% dela, somando-se todas as rodadas. Certamente fazem a diferença para ganhar a partida, e não podem ser ignoradas em nenhuma hipótese... mas ficam restringindo demais as suas ações durante as rodadas e deixam a sensação de pouco resultado para o tanto de trabalho dado. É um ponto bobo, só que dá mais preocupação de ficar monitorando do que diversão.

A pontuação final ocorre após a fase de produção da quinta rodada. Os Pontos de vitória são calculados por n fatores: os pontos de glória da pontuação de cada rodada, + 1 PV por cada recurso básico no estoque, + 2 PV por cada recurso manufaturado no estoque, + 1 PV para cada 10 moedas, + 1 PV para cada símbolo de lúpulo em seus contratos, + pontos de algodão/tabaco/cana, + pontos de maioria de contratos e maioria de povoados.
Um ponto muito interessante é que algodão, tabaco e cana de Açúcar irão pontuar: 3, 4 ou 5 VP cada símbolo, de acordo com a sua raridade. Esta raridade é determinada pela localização atual dos produtos importados na faixa de exportação. O bem mais comum vale 3 VP por unidade, o segundo mais importado vale 4 VP cada e o bem menos importado vale 5 VP cada. Isto eu achei super bem bolado! Por outro lado, outro ponto que me incomodou foi a pontuação significativa dada para os recursos que ficam em estoque. Este deveria ser um jogo que recompensa a eficiência da produção. Se você produziu bens extras que não conseguiu exportar, tematicamente eles deveriam dar prejuízo. Então não acho que você deveria ser recompensado por estas sobras. Aliás, os pontos ganhos em meia dúzia de produtos sobrando, batem um contrato menor. De qualquer forma a regra é dada desde o início, e o jogo não perde o brilho por conta disto.
Avaliação:
Muitas pessoas comentaram lá fora sobre como os Clans of Caledonia pode ser visto como uma versão um tanto mais acessível do Terra Mystica... Isto tem um pouco de razão por um lado, mas por outro não. O próprio Juma observou que ele se inspirou nisso e outros jogos estratégicos. Lógico, você tem um tabuleiro pessoal cheio de construções de madeira, precisa retirá-los para construí-los em hexágonos no tabuleiro que possui vários terrenos diferentes, usando uma espécie de transporte para se mover através de água, cumprindo metas para obter pontos de bônus durante cada rodada de um jogo de cinco rodadas. É uma descrição que valeria tanto para o Clans of Caledonia quanto para o Terra Mystica.
Só que existem diferenças cruciais entre eles. Além de fornecer uma experiência de jogo mais rápida e simplificada, Clans of Caledonia possui uma série de características únicas. Onde em Terra Mystica, completar os objetivos de bônus são fundamentais para ganhar, Clans of Caledonia concentra-se muito mais na entrega dos contratos comerciais para gerar pontos de vitória. Além disso, há um tabuleiro de mercado onde você pode comprar ou vender mercadorias diferentes. Uma vez que o dinheiro é o único recurso para a construção de coisas, e é restrito, o Clans cria um foco na especulação que o Terra Mystica não tem. O tempo de partida para 4 jogadores é menos de 90 minutos, enquanto em Terra Mystica leva regularmente 120 ou +. Clans joga bem em 2 jogadores. O layout do tabuleiro modular oferece maior variedade e rejogabilidade, algo que a Terra Mystica não faz. E mais ainda, Clans of Caledonia suporta um modo de partida solo.
Os clãs assimétricos oferecem habilidades variáveis únicas e interessantes para os jogadores. Cada clã na mesa fornecerá opções para os jogadores e várias decisões profundas e estratégicas a serem feitas para interagir com elas. Inclusive estes poderes variados podem ser difíceis de se aproveitar para os novos jogadores, até que estes tenham superado a fase inicial de aprendizado do jogo. A especulação de preços e a manipulação econômica são práticas, lógicas e apertadas. Existem muitos caminhos para a vitória, que nos permitem várias estratégias diferentes.
Um ponto que gostei bastante é que quando um jogador passa, ele recebe uma quantia considerável de dinheiro, dependendo de quando ele passou. Isso é extremamente elegante e de bom senso, pois funciona como um mecanismo de recuperação leve. A maioria de suas ações envolve gastar dinheiro, então quanto mais dinheiro você tiver, mais ações você vai tomar. No entanto, se você passar primeiro, ganha um pouco mais de dinheiro para a próxima rodada.
Clans of Caledonia é uma mistura bem-feita do que tem de melhor em muitos outros jogos consagrados, todos juntos e envolvidos em um tema da revolução industrial da Escócia. Ele não tem nada de verdadeiramente original, na verdade. Embora isso pudesse me remeter a um mix de elementos conhecidos, o jogo funciona surpreendentemente bem e corre muito rápido. Ele justifica o hype gerado. Por isto a minha impressão final foi de um ótimo jogo e muito recomendado. Seja você um jogador experiente ou iniciante neste nicho de euros, vale a pena conhecer este jogo. Pelo que oferece, pode ser um dos melhores jogos de 2017 para muitos jogadores.