Escrita por: Rodrigo Neves.
Convidado para Entrevista: Fel Barros – Autor do Medievalia, designer da CoolMiniOrNot e Fundador da Ace Studios.
Síntese do Jogo:
Medievalia é o terceiro filler de cartas da série numerada da Ace Studios, cujo designer é o brasileiro Fel Barros. Neste jogo, os jogadores são feiticeiros aprendizes que estão começando a dominar a técnica de invocação de criaturas por portais mágicos. Para vencer a disputa pela posição de Senhor da Torre, os aprendizes tentarão invocar criaturas cada vez maiores! Baseado no clássico Escalation do Renier Knizia, Medievalia usa a mecânica pouco conhecida de climbing, onde os jogadores precisam cobrir com cartas cada vez maiores os lances dos adversários, para evitar levar as cartas para si, já que elas pontuam negativamente.



Os componentes do jogo são bem simples, um pequeno tabuleiro e cartas. Uma carta para marcar o jogador inicial, 10 cartas de campo de magia (que alteram algum detalhe nas regras de cada partida), 10 cartas de instrutores de magia (que alteram detalhes nas regras e pontuação especifica de cada rodada em uma partida), uma carta de ordem de turno e um tabuleiro pequeno para receber e organizar todas estas cartas. Estas cartas são as mais variadas e influenciam na distribuição de cartas, tamanho de mão, no poder das cartas especiais, nas regras dos lances e somas, ou até mesmo alterando temporariamente a pontuação de uma criatura para a rodada. Na verdade, é uma forma bem interessante de automatizar e randomizar variantes para o jogo.



O jogo contém ainda 56 cartas de criaturas. Estas cartas de monstros são numeradas de 1 a 13, com diferentes quantidades de cada numeração, aliás, quanto maior o valor, menos cópias a disposição no jogo. Algumas cartas especiais atuam como coringa, pulam a vez ou até pior, revertem a ordem do jogo e repassam a bomba de novo ao colo do último jogador.



Em cada rodada um jogador começa puxando um lance, e o jogador em sequência deve cobrir ou pegar todas as cartas na mesa. Imediatamente após jogar, devemos completar nossa mão com mais cartas do baralho de invocação. É possível usar cartas repetidas do mesmo monstro para atingir somas maiores, e aqui é onde o jogo atinge seu ponto mais original. Quando um jogador não consegue cobrir a última oferta, ele leva para si todas as cartas jogadas na mesa e inicia um novo lance. Se o baralho acaba e alguém joga sua última carta, ele bate, encerrando a rodada. Cada carta recebida durante a partida conta como um ponto negativo. Após algumas rodadas, vence quem tem mais pontos, ou perdeu menos pontos acumulados durante todo o jogo.
Avaliação:
Medievalia é um filler bastante interessante, e que em minha opinião, foi o mais maduro e redondo desta série de jogos pequenos da Ace Studios, composto do Sapotagem e Encantados. Ele é extremamente casual, com regras bem simples e admite ser explicado em alguns poucos minutos. Em suma, cumpre bem o papel de jogo rápido, fácil de ensinar e transportar. Digamos que a palavra de ordem aqui seja despretensioso.
As cartas do jogo são muito bem ilustradas e de boa gramatura, mas como são sucessivamente embaralhadas, sugiro fortemente o uso de sleeves para a sua proteção. A caixa segue os moldes de tamanho e formato dos demais, além de uma numeração padronizada que vai agradar ao toc dos colecionadores mais exigentes com o visual das suas estantes. Além disto, pelo menos a cópia que tive acesso, não sofre do mesmo problema do primeiro jogo desta série, que possuía a tampa muito justa, exigindo uma dose extra de paciência para acessar os componentes.
Imagem “emprestada” da resenha feita pelo blog E aí, tem jogo?
Particularmente achei a mecânica de “escalada” é bem implementada. O lance das cartas especiais (coringa, passar a vez e reverter a ordem do turno) e de poder somar as cartas, ficaram muito bem-feitos, garantindo uma chance maior para que os lances subam e que fique cada vez mais tensa a preocupação em não levar o bolo para si. Em alguns momentos rola até aquela suada básica na mão (mais uma razão para colocar sleeves).
A temática no estilo comédia com trocadilhos nos nomes dos monstros, tenta manter uma veia cômica dos jogos da editora. Sapotagem, Encantados e o primogênito Warzoo são exemplos desta linha. Mas neste jogo achei que ficou a meio caminho da proposta, não ajudou tanto em termos de imersão. Por outro, não contou negativamente. Não sei se fui eu que perdi algumas referências, mas algumas cartas parecem querer passar alguma sacada geek, ou umas piadas do meio nerd, mas pelo menos aqui algumas fichas não caíram. No fim das contas, o pessoal gostou da arte colorida e bem-feita, mas as cartas eram anunciadas principalmente pela numeração, ficando os nomes dos personagens sublimados em sua maioria.
Um ponto positivo, é que a Ace Studios sempre teve um cuidado visível de investir na rejogabilidade dos seus fillers. No Sapotagem por exemplo, tinham dezenas de variantes no manual para dar novos ares no jogo e agradar aos diversos públicos, mas na prática, quase ninguém aplicava a maior parte delas. São opções demais... e assim que o grupo testava duas ou três variantes, encontrava uma mais agradável... pronto, os testes terminavam por aí. Um avanço que me agradou no Medievalia foi com relação à forma como pequenas mudanças nas regras foram embutidas para dar mais rejogabilidade. Aqui entram em jogo cartas de magia e invocadores, que alteram de forma automática os detalhes nas regras, meio que randomizando as variantes e garantindo sua utilização. Uma proposta muito bem sacada, que merece congratulações.
Apesar de ser um jogo indicado pela editora para 2 a 6 jogadores, não gostei muito do resultado com os extremos: com dois jogadores a rodada se estende / repete demais e com seis parece os lances sobem muito, antes de chegar em você a segunda vez, tirando muito do seu poder de decisão. Digo isto, porque os lances ficam tão altos antes de voltar a sua vez e você fica rezando para ter pelo menos uma jogada que safe sua pele. Ideal mesmo, para mim, foi de 3-5 jogadores, cujas partidas atingiram o melhor custo benefício de espera vs. capacidade de decisão.
Medievalia foi um jogo que me agradou em sua proposta e apresentação, fazendo sucesso no encontro da Turma do Tabuleiro da Zona Oeste - TTZO e em casa com a minha família. Ainda mais por ser o único na minha coleção com esta mecânica, me animou bastante em manter uma cópia à disposição. Fica na coleção.
Entrevista com: Fel Barros.
Quais foram as inspirações para as mecânicas e temática do Medievalia? "Mecanicamente, a grande inspiração foi o jogo de climbing do Reiner Knizia chamado Escalation. Após estudar o gênero, eu percebi que o Knizia pegou os jogos tradicionais de climbing (jogar uma carta ou conjunto de cartas maior que a anterior) e adicionou algumas cartas especiais. Eu queria ir além, partindo da mesma raiz (jogos tradicionais chineses) mas com uma cara de jogo mais moderno. Sobre a temática, eu queria algo que traduzisse essa experiência de que você está "fazendo algo maior e mais legal que a pessoa que jogou antes de você". Um concurso de magos incompetentes tentando "se mostrar" casava bem com isso e dava um tom divertido tanto às artes quanto à facilitar o entendimento do jogo."
Quais as aspirações e público-alvo do jogo? "Medievalia é o jogo mais casual que eu já fiz. Ele tem um conjunto muito pequeno de regras e pude testá-lo com pessoas que não conheciam nada e simplificar as cartas e efeitos até que esse tipo de público não tivesse mais dúvidas. A Ace atingir essa galera de fora do nicho é a grande aspiração do Medievalia."
Como compararia o Medievalia com os demais jogos da série: Sapotagem e Encantados? "Em uma escala de complexidade, o Medievalia é o mais simples e o Sapo é o mais "gamer". Em retrospecto, o Medievalia deveria ser o último. Em termos de produto, amadurecemos bastante com o aprendizado e acho que é o melhor produto que fizemos até agora. Manual bacana, caixa ficou boa, arte bonita e boa recepção nos testes."
O que o Medievalia traz de original ou inovação? "A originalidade do Medievalia é colocar "regras da rodada" em um jogo clássico. É algo bem anacrônico, no sentido de misturar algo muito antigo com algo bem moderno. Eu sempre brinco que não sou cientista maluco, mas um bom criador de amálgamas. Consigo juntar peças diferentes em uma criação original. E o Medievalia passou por diversas iterações até o "eureka"."
O que podemos esperar da série de fillers da Ace Studio, após este terceiro jogo? "A série de fillers acabou, eram apenas 3 títulos, o 4o seria o Muffin Games mas com a aquisição do mesmo pela Cool Mini or Not [Nota do editor: Relançado internacionalmente como Looterz, já disponível para compra nas stores americanas], reduzimos para uma trilogia. O próximo da fila é o Creepers, vencedor do concurso português Ludópolis, totalmente repaginado com Daniel Lustosa na arte e Marcelo Groo no design gráfico. Está ficando lindo."
Por gentileza, cite 3 outros com a mesma mecânica central do Medievalia, que indicaria como bons jogos, resumindo as razões das suas indicações. "O melhor climbing game é o Tichu. Inclusive é um dos meus jogos favoritos. Outros dois bons são Frank's Zoo e Haggis. É comum confundir climbing com trick taking (vaza) porque são tradicionais e seguem o modelo de " cada um joga uma vez e alguém leva" mas no climbing você não tem trunfo e nem segue um naipe mas sim "precisa superar o anterior". Seja porque precisa ser o mesmo tipo (joga uma trinca, precisa de uma trinca maior) ou porque precisa de um número maior. Na vaza você só é obrigado a seguir o naipe e nada mais. Não há essa "crescente" obrigatória e a tensão de "vai explodir"/não serei superado."