Esta postagem da continuidade ao artigo de mesmo nome (
Parte I)
Alguém consegue prever completamente tudo o que vai acontecer quando sai de casa para simplesmente ir à panificadora do bairro onde mora? Ou talvez consiga saber exatamente o que o aguarda entre o trajeto de casa ao trabalho/faculdade/escola ?
Certa vez o professor Faynman chegou entusiasmado para sua aula. Richard Philips Faynman geralmente estava entusiasmado mas desta vez havia um motivo especial: ele havia cruzado com um veículo de uma placa muito específica e calculou a probabilidade dente todos os veículos da cidade/estado de encontrar aquela placa e concluiu: era seu dia de sorte!
Imagine você se maravilhar simplesmente por ter avistado uma placa aleatória na rua! Um resultado entre tantos outros e que nos passam quase sempre desapercebidos à consciência de que aquele pode ser um evento único e sobre o qual geralmente temo o poder apenas de contemplar.
Era uma vez um planeta mecânico
Lógico, onde ninguém tinha dúvidas
Havia nome pra tudo e para tudo uma explicação
Até o pôr-do-sol sobre o mar era uma gráfico
A vida é assim: acontecem coisas a todo o tempo e na maioria das vezes coisas que não estão sob nosso controle. Então por que se faz tanta questão que os jogos de mesa sejam tão previsíveis como se isso fosse uma característica fundamental?
Gosto de não saber o que vai acontecer. A vida seria muito chata se soubéssemos de antemão como as coisas começam e como termina. Não atoa, vivemos em uma época em que se valoriza muito o “não levar spoilers”.
Fatores aleatórios em jogos costumam ser rotulados com bastante frequência como uma qualidade negativa e dentro dessa linha de pensamento os dados costumam ser apontados como os maiores vilões. E por que isso acontece?
A menos que se utilize de algum mecanismo contra a natureza intrínseca de um dado, não se tem controle de qual resultado vai ser obtido. Se o resultado é o esperado pelo jogador ele comemora, vibra e se sente feliz. Se o resultado não lhe favorece, ele infere uma generosa dose de frustração (principalmente se estiver em um momento decisivo na partida). É a frustação de não obter o resultado que espera que costuma fazer com que jogadores falem tão mal dos dados.
Por muito tempo, essa frustação de alguma forma era comumente aceita e a rolagem de dados foi amplamente utilizada se muita preocupação com a frustação do jogador. Essa história murou um pouco com os jogos de RPG que difundiram de forma bastante relevante maneiras de dar mais “margens” de acertos para os jogadores por meio de técnicas narrativas-estatísticas.
Com os jogos de tabuleiro modernos entraram na onda de “minimizar” o risco de falha no lançamento de dados com técnicas bastante interessantes. Dentre as mais comuns está a possibilidade de aumentar ou diminuir (geralmente em 1) o valor de um dado. Claro que existe outras tantas mas é aqui que acredito ter acontecido algum exagero.
Adivinhar o futuro não era coisa de mágico
Era um hábito burocrático, sempre igual
Explicar emoções não era coisa ridícula
Havia críticos e métodos práticos
A escolha de um componente dentro do design de jogos deve ser alvo de bastante análise e estudo. Escolher um componente de forma displicente pode leva-lo a um uso ineficiente de suas principais qualidades.
Uma coisa que muito designer deveria experimentar ao menos alguma vez na vida é jogar algum RPG narrativo, como por exemplo Vampiro a Máscara. Nesse RPG utiliza-se incontáveis dados de 10 faces que são rolados o tempo todo, porém a primeira grande lição de qualquer Narrador de Vampior a Máscara é sobre a regra de ouro: a narrativa está sempre em primeiro lugar. Graças de uma regra de ouro você pode simplesmente dispensar a rolagem de dados se o jogador possui 80% de chance de realizar a tarefa e não se encontra em uma situação de tensão: Não faz sentido você interromper o ritmo da narrativa e o clima criado pela interpretação dos jogadores para rolar dados por uma ação ínfima.
A Regra de Ouro é extendida a outros RPGS por mestres mais experientes também, mas parece que os designers de boardgames dificilmente a consideram. Geralmente mesmo que haja apenas 1% de chance de falhar a rolagem de dados é imposta pelas regras.
Vejamos o seguinte: no jogo você deve rolar um d6 e obter um resultado qualquer. Você soma todos os seus modificadores e conclui que possui um bônus de +/- 2 em na rolagem de um d6 e ainda aterá direito a uma ou duas rerolagens! Quais são as chances desse teste de dados ser mal sucedido? Muito baixas! Mas mesmo assim as regras costumam obrigar o jogador a rolar os dados.
Seria muito menos custoso em dinâmica de jogo a regra assumir que o jogador obtém sucesso automático se conseguir um sucesso se a ação que está tentando não for de auto risco ou de grande importância para a definição de jogo. Se for o caso os dados deveriam ser substituídos por outro componente. Não faz sentido você ter no jogo uma rolagem de dados onde o jogador terá 90% de chance de acerto ou poderá sempre escolher o resultado. Existem outras técnicas que poderiam ser melhor utilizadas em lugar da rolagem de dados.
Cá pra nós, tudo era muito chato
Era tudo tão sensato, difícil de agüentar
Todos nós sabíamos decor
Como tudo começou e como iria terminar
Outra técnica bastante comum é dar ao jogador inúmeros dados para rolar e permitir a ele que escolha um ou meros resultados sem exigir dele alguma responsabilidade pelos dados que ele não irá utilizar. Isso é quase como escolher a face que quiser do dado.
Ou então todos os dados são rolados e ficam na mesa para que os jogadores escolham os que querem. Após a escolha os dados vão para algum local da mesa ou de um tabuleiro e ficam lá parados por muito tempo. Seria muito mais proveitoso ter fichas de papelão sorteadas aleatoriamente e dispostas na mesa para serem escolhidas.
Quando escuto alguém falar de mitigar a sorte, quase sempre já começo a temer que dados estejam sendo acorrentados a alguma regra que tem por objetivo tirar deles sua principal característica. Nenhuma das técnicas citadas são ineficientes, ou ruins, quero afirmar apenas que são na grande maioria das vezes mal utilizadas. E não precisa ser nenhum expert de design para perceber isso. Nem todo crítico de esporte foi atleta e tampouco se pode dizer que essas pessoas não saibam do que falam.
A regra de ouro deveria ser considerada pelos designers para dar dinâmica a jogos de tabuleiro que não pretendem ser simuladores com fidedignidade ao real e deixar os componentes, como por exemplo os dados, livres para fazerem o que fazem de melhor. Dados foram feitos para serem rolados!
Mas de uma hora pra outra
Tudo que era tão sólido desabou, no final de um século
Raios de sol na madrugada de um sábado radical
Foi a pá de cal, tão legal
Não sei mais de onde foi que eu vim
Por que é que estou aqui
E para onde devo ir
Cá pra nós, é bem melhor assim
Desconhecer o início e ignorar o fim
Da fábula
A música referenciada no texto chama-se Fábula de uma banda gaúchissima: Engeheiros do Hawaii.