Por Ricado Gama
Batemos um papo com o amigo Fel Barros, um cara que manja muito de jogos e está lançando Warzoo no Brasil, um jogo de cartas baseado no livro “A Revolução dos Bichos”. Confiram mais um excelente lançamento nacional.
Redomanet: Fel Barros, como e quando surgiu o projeto de Warzoo?
Fel Barros: O Warzoo na sua “concepção original” surgiu em 2003, muito antes de eu sequer sonhar que existiam boardgames modernos. Estava em João Pessoa, em uma pousada, e só encontrava a minha ex-namorada à noite. Nessa época, eu estava lendo um livro (não vou lembrar o nome agora) sobre a história do jogo/lúdico, dizendo como os povos muito primitivos criavam jogos como forma de não “surtarem/enlouquecerem” (anos depois eu vi essa mesma referência no TED da Jane McGonigal). Eu passava horas jogando buraco/sueca/truco mas quando enchi o saco, chamei um garoto de 8 anos e falei, vamos jogar um novo jogo! Eu tirei dois ases, dividi o baralho em dois (cartas vermelhas pra ele e cartas pretas pra mim) e o jogo era simples: Colocar 5 cartas viradas pra baixo, formando uma pirâmide. Compara-se os valores e o maior número ganha. Quem ganhar três vezes ganha, quem ganhar 3 mãos, leva a partida. Todas as 25 cartas na mão.
Quando eu percebi que existia padrões no comportamento do garoto (sempre colocava as cartas mais altas na primeira mão), no do senhor (que nunca usava nenhuma carta alta na primeira mão) e na dona da pousada (que jogava algumas cartas aleatoriamente quando percebeu que a gente tentava achar um padrão), eu vi que tinha ficado legal. Abandonamos a sueca, o buraco e ficamos só jogando “25″ (nome do jogo na época). Fui chutado pela namorada, mas o jogo ficou lá.
No final de 2006, quando conheci os modernos, retomei o jogo, na época, viciado em pôquer, tinha criado regras para apostar em quem colocou a carta mais alta. Depois, viciado em Magic, coloquei regras de Magic, o jogo ficou tão complicado que foi engavetado. Em 2009, eu conheci o Halaban e no bate-papo, ele me falou que a lei é “tirar regra, não colocar”. Tentei simplificar, jogando só com as fichas mas não deu certo. E mais uma vez, gaveta. No começo de 2012, quando começou a estourar Catarse, eu vi que havia uma boa janela para o cenário “autoral” e , com mais maturidade , nasceu o “Revolução dos Bichos 2.0″ que por questões autorais mudou para Warzoo um pouco depois.
R: A base da temática do jogo surgiu a partir de um trabalho seu na Universidade intitulado ”Como você continuaria o livro Revolução dos Bichos”. Como o jogo evolui este tema?
Fel Barros: Minha formação é literária. Fiz Letras na UFRJ. Antes disso, era metido a escritor. Escrevi alguns livros de conto (engavetados, vê um padrão aqui?) , ganhei alguns concursos de poesia mas sempre achava tudo que eu escrevia muito ruim. Eventualmente, tirei 10 numa narrativa no vestibular (há muitos anos, não contabilizados) e aí comecei a acreditar no meu potencial (até então eu só gostava muito de escrever). Quando eu me enveredei por esse caminho de Game Designer, eu jurei para mim mesmo que capitalizaria no Enredo. Comecei a procurar temas que fossem pouco explorados na database do BGG (dica, não são muitos) e ao digitar “platypus” (ornitorrinco em inglês) vi que nos 60 mil jogos da database, nenhum tinha Ornitorrinco no nome. Achei um absurdo, desenterrei o conto e decidi que faria um jogo sobre Revolução dos Bichos. No draft do caderno (eu sempre começo fazendo um jogo andando no metrô/fila de banco com o meu inseparável Moleskin do Hobbit), seria um Imperial com animais. Sem o Rondel, os bichos alcançaram “dominação mundial” (estilo planeta dos macacos) e você controla as facções assimétricas para fazer dinheiro. Era um projeto ambicioso demais e foi engavetado também. Comecei a ler sobre “reduzir os ciclos, lançar produtos pequenos” e percebi que eu tinha duas coisas muito legais: uma história original e um jogo original (pré-conhecimento de boards) daí juntei os dois.
O Warzoo é um cardgame, não vai captar nada de Revolução Russa ou metáforas do Orwell mas ele é ambientado no cenário descrito na página do Facebook: “Os Ornitorrincos decidem pela ruptura, as grades transformam a fazenda em um enorme zoológico e eles decidem declarar guerra.” Warzoo retrata justamente essa batalha pelo domínio do Zoológico. Há bastante profundidade na descrição dos personagens e suas características refletirão diretamente na mecânica da sua “carta”.
Finalmente, e acho que esse é o grande “pulo do gato”, os personagens e o jogo tem uma premissa muito simples: guerras não valem a pena. No sentido mais amplo da coisa. Além de algum deboche histórico (o motivo de todo personagem entrar na guerra é idiota) , toda a arte é feita com armas não-letais e os personagens sempre tem alguma referência bem-humorada por trás deles.
Redomanet: E como funciona o jogo?
Fel Barros: Faremos alguns vídeos para dar uma concepção exata de como funciona mas eu posso adiantar que o modo infantil é muito parecido com o “25″ de João Pessoa, obviamente, sem ficar com as 25 cartas na mão, já que ele deu tão certo com uma criança de 8 e outra de 7 anos. Acrescentei alguns elementos de blefe e fiz uma conta de padeiro que deu muito certo (não subestimem as contas de padaria!). No coração do jogo, ainda existe o gerenciamento de mão, mas agora você precisa gerenciar sua munição (jogo intermediário) , tentar não ser muito óbvio (blefe é um aspecto BEM relevante no jogo) e entender que o fundamento ainda é o mesmo, ganhar três posições e ganhar três vezes. No meio de tanta coisa pra tomar conta, vimos no playtest como é fácil perder o foco e quem jogou os três modos em sequência jogava bem melhor do que quem começou direto do “completo”.

R: As regras já estão fechadas? Como foi o processo de desenvolvimento até agora?
Fel Barros: O Warzoo é um sistema. A gente inventou outro nome ruim “Coluna 25″ para batizar o sistema. A parte do sistema que vai estar no manual está fechada. Como eu disse, a gente cortou muita regra para simplificá-lo , mas algumas podem aparecer lá na frente. A única regra que vai estar no manual e não foi exaustivamente testada é a de duplas em que cada um usa o próprio baralho. Faremos dois torneios esse mês usando esse sistema de regras e esperamos estar com ele azeitado até Março.
O desenvolvimento é um processo muito duro. O primeiro set de regras do Warzoo em 2012 foi enviado para 5 estados (SP, RS, PR, MG e Brasília), os feedbacks foram misturados mas cheguei a conclusão que o jogo era muito ruim. Depois de algumas partidas , ficava igual, não tinha muito replay e o baralho ser o mesmo não colaborava. Recorri ao genial Lost Cities para dar o primeiro grande upgrade. Usei aquela limitação das colunas (colocar sempre número maior) como algo a ser gerenciado, não é exatamente igual, porque não faria sentido no jogo (fiz ao contrário, colocar carta maior é passível de punição) mas foi de lá que veio o primeiro grande upgrade. O segundo, veio com o Yomi, que aplica um sistema de “tentar adivinhar o que o outro colocou”. A regra é simples, as cartas mais baixas (1,2 e 3) sempre ganham das cartas mais altas (10,11 e 12). Essa regra fez com que algo que era óbvio (começar jogando cartas altas) e que me incomoda demais em jogos (ser “scriptado”) em algo que pune o jogador novato, por enxergar a jogada óbvia e fazê-la, o jogador mais experiente consegue fazer com que um número baixo ganhe de um número alto. O último upgrade e esse foi o mais doloroso foi o da assimetria. Durante o desenvolvimento, elenquei mais de 200 habilidades especiais nas cartas. Fazíamos testes de 10 partidas, deck A contra B. Depois os testers trocavam de deck e fazíamos de novo. Era muito díficil achar um placar diferente de 7×3 ou 8×2 , o que é 70/30% para um deck, totalmente desequilibrado. Eventualmente, usei a técnica do “espelho”, de usar poderes similares/análogos entre os dois decks e começamos a chegar em 60/40, 40/60 e até 50/50 que é onde estamos hoje.
Outro problema era a confecção em si. Eu fazia o deck com uma canetinha, cortava o papel na tesoura e colocava no shield de Magic, depois passei a usar um programa chamado Balsamiq e, eventualmente, migrei para um que criava cartas de Magic. Comprei uma guilhotina para cortar as cartas e uma impressora com a capacidade de imprimir trocentas folhas coloridas e facilitou um pouco. Ainda assim, eu devo ter impresso, tranquilamente, + de 100 baralhos. Guardo numa caixa todos os papéis como recordação. Sem ilustração, os baralhos eram de Pokemon, Cavaleiro do Zodíaco, X-men, Looney Tunes. Quando eu vi que as pessoas se referiam a carta pelo nome, citando coisas como “Pernalonga é muito roubado” ou “adoro o Marvin”, “piu-piu tem que ser banido”, vi a importância que as pessoas dão ao enredo e o impacto que o personagem tem.
Entre um upgrade e outro , eu me via “querendo engavetar”. Queria usar o universo mas cogitei voltar pro Imperial, cogitei fazer um wargame, um ameritrash mas joguei tanto card game que decidi perseverar. Depois da assimetria, blefe e simplicidade, EU passei a gostar de jogar (até então era insuportável testar). E acho que esse é um segredo importante pra brincadeira, você tem que se divertir com seu jogo. Eu joguei duzentas partidas dele e ainda vejo algumas jogadas novas sendo feitas, talvez por ter concepções pré-definidas. Agora o momento que eu falei , “está fechado” veio através do Boelinger. Eu recebi o Chris Boelinger (autor de Earth Reborn, Dungeon Twister, etc) aqui em casa e , obviamente, ele pitacou, jogou e deu sua contribuição para o Warzoo. Além de incentivar o jogo totalmente sem texto, ele deu essa dica de “quando as pessoas estão se divertindo, rindo e querendo jogar de novo”, você tem um jogo pronto. E quando pessoas desconhecidas começaram a jogar o Warzoo, não porque eu pedi, mas porque viram outros jogando e quiseram jogar e se divertiram, eu tive a certeza de que estava “pronto”.
R: A arte do jogo está bem legal. Quem está ilustrando e trabalhando no design do jogo? Você participa desta criação?
Fel Barros: Ilustração é algo complicado. Ela é trabalhosa, cara e não valorizada. Recebi a indicação do Daniel Araújo através de um amigo do trabalho. Vi que o traço dele serviria perfeitamente para nós. Quando eu passei o primeiro briefing “Um elefante atirando amendoim porque a tromba dele é uma metralhadora” e ele me passou isso (Redomanet: ver imagem draft logo abaixo) , eu tinha certeza que queria trabalhar com ele. Para o design gráfico, eu convidei o Groo. Eu e ele trabalhamos várias vezes juntos e ele é um excelente playtest “hardcore” (aquele cara que já jogou muitos jogos e você precisa para testar originalidade/público-alvo/etc). Assim , formamos a nossa “equipe” de desenvolvimento.
A criação originalmente é minha mas tanto o Groo quanto o Daniel dão pitacos. O briefing contempla a mecânica da carta (as cartas altas, sem habilidades especiais, são “puro poder de fogo”, enquanto as cartas mais poderosas tem habilidades relacionadas). Por exemplo, a Cobra, que é um personagem importante no conto, tinha no briefing inicial que hipnotizava a carta adversária (ela faz cartas trocarem de lugar). Depois, quando abracei a causa da “referência pop”, falei que queria ela aquosa, para ser o Liquid Snake do Metal Gear Solid. A partir daí, eu comecei a fazer algo seguindo os ensinamentos do mestre Vlaada Chvátil. No manual do Dungeon Petz, ele diz que “queria fazer um jogo só para o Dave Cochard (um ilustrador que ele gosta muito de trabalhar junto) ilustrar. E foi por aí. Eu fazia o briefing, o Daniel voltava com o sketch para nós olharmos e quando ele dava a cor, eu escrevia a “história” dele. É um trabalho a seis mãos e nenhum personagem sai sem todo mundo opinar antes.

R: Por qual editora sairá este jogo?
Fel Barros: Será por um selo próprio. Em 2011, eu larguei a carreira de professor para me dedicar exclusivamente ao Game Design. Trabalhei e fui muito feliz durante dois anos, aprendendo com uma incubadora sobre o business. No mês passado, eu me desliguei da incubadora mas não dos jogos. Chamei o Daniel Araújo para ser meu sócio e trabalhamos full time no Warzoo. Hoje o meu trabalho é desenvolver, melhorar e aperfeiçoar o Warzoo em todos os aspectos. Em breve, colocaremos a página do selo, os sócios, tudo no ar e vocês poderão saber, em primeira mão, aqui no Redoma.
R: Você já tem previsão de como e quando será lançado o projeto no Catarse?
Fel Barros: A previsão (foco na previsão) é Março. No entanto, como eu tenho sido repetitivo nas redes sociais, estamos sendo muito cautelosos. Há oito meses iniciamos as conversas com as gráficas e outras pessoas que fizeram financiamento coletivo. Falei com a Funbox, Rovalde, pessoal do Selene, acompanhei alguns projetos de Kickstarter, li bastante a respeito, fizemos alguns planos de negócios diferentes, estamos nos cercando de todos os lados para evitar ao máximo os imprevistos.
R: Primeiramente, serão lançados dois decks: Ornitorrincos e Porcos. Você já possui uma previsão de quantos decks no total o projeto do Catarse pode fornecer se for bem-sucedido? Quantas e quais são os tipos de cartas que vem em um deck?
Fel Barros: Dois decks, mesmo que a gente chegue a um milhão de reais! Acredito muito em planejamento e respeito ao jogador, porque também sou um. Cansei de ver jogo que, claramente algo não foi testado, mas está ali porque tinha uma janela de tempo para ser lançada e não foi pensado como deveria. Assimetria é algo MUITO delicado. No próprio MTG, com uma equipe de 20-30 pessoas trabalhando nisso, o balanceamento passa batido. Imagina eu, com dois playtesters dedicados (dois jogadores de MTG, Raphael e Nicolau, primeiro e segundo lugar no campeonato) , vários esporádicos e uma agenda ingrata para torneios. Coletivamente, mais de mil partidas foram jogadas. Sempre que eu juntava oito pessoas para fazer o “melhor de 3 partidas”, eu saia com dados novos. Hoje , eu tenho uma visão mais clara de novos poderes, equilíbrio e customização dos decks mas no time frame do Catarse (45 dias, em média), não existe tempo hábil para inserir mais duas variáveis tão impactantes. O que teremos e já testamos é uma quantidade de cartas promos e pack de novos cenários. Essas cartas, de modo geral, são piores do que o deck-base mas são bastante temáticas/mecanicamente diferentes.
Isso porque cada baralho tem 25 cartas, 12 pares + 1 especial. Além disso, 5 cartas de cenário (uma variante para customizar os modos de jogo intermediário e avançado) e duas cartas especiais. O deck “Aliança dos Ornitorrincos” terá 60 cartas e o deck “Eixo Suíno” terá 60 cartas também.
R: Dois personagens já foram revelados: Shinobi e Ramfante, com um background criativo e cheio de humor. Quantos personagens virão em cada deck?
Fel Barros: São doze personagens diferentes, mais um personagem especial. Cada personagem aparece duas vezes no baralho. Como são dois baralhos, teremos 26 personagens e os dois sabotadores. Eventualmente, aparecerá a explicação para a “replicação” dos personagens no campo de batalha mas não quero adiantar os spoilers. Só posso adiantar que seguirá a mesma linha bem-humorada/nonsense que permeia todo o Enredo.
R: A impressão do jogo será feita totalmente no Brasil?
Fel Barros: Com certeza. Estudei durante muito tempo todos os trâmites de importação e cheguei a conclusão que não é um bom primeiro passo para um jogo autoral. Claro, se você vai lançar um jogo de outra empresa, e quer fazer uma tiragem mais modesta, faz sentido mas uma das razões do primeiro jogo ser um cardgame de 60 cartas é para entender melhor como funciona o mercado e a produção nacional. Nesse sentido, a presença do Groo no projeto foi fundamental. Ele trabalha há 20 anos com gráficas, então ajudou com especificações, material, indicações e poderá ajudar na produção. Outro fator que ajudou muito foram os “precedentes”. As gráficas aprenderam com os outros financiamentos a fazer caixa, marcador, componentes. As cartas faremos com a Copag, que, apesar de mais cara, garante a qualidade e sabemos que uma impressão futura contará com a mesma qualidade das cores no verso.

R: Em nosso fórum, você abriu uma pergunta sobre a caixa do jogo. Você já tem ideia de como será a caixa: lata, papelão ou blister? E o insert? Um dos requisitos que os jogadores mais pedem, é que a caixa caiba todas as cartas após colocarem os sleeves.
Fel Barros: Não quero adiantar muito para não criar falsas expectativas/não atendê-las (elas já estão altas demais!). O Blister nós colocamos mais a título de curiosidade mesmo. Algo do tipo , “o que será que eles acham disso, porque eu acho horrendo”. Essa expectativa bateu mas a caixa de lata (que eu acho sensacional), é preterida em relação ao papelão. Estamos estudando usar a caixa de papelão para ser o default e fazer uma edição de colecionador com as latas, quem sabe até uma “deluxe”/catarse-only” artesanal mas tudo vai depender dos números!
Quanto ao berço, teremos um de papelão e claro, com espaço para colocar os sleeves. Sou “sleeveholic”, tenho um estoque muito grande em casa, é contra meus princípios jogar sem protetor. Nas cartas de Magic, que são mais raras, eu uso dupla proteção. Imagina se eu faria um jogo que não atende os meus princípios básicos.
R: Fel, por favor, deixe uma mensagem para os jogadores que quiserem acompanhar o lançamento do projeto.
Fel Barros: Se você conseguiu ler tudo, parabéns! Warzoo é um projeto antigo, bem fundamentado, playtestado mas acima de tudo, um projeto pessoal de um apaixonado por jogos. Tenho 30 anos e estou “vivendo o sonho” de ter um selo de jogos que será herdado pelo meu filho, espero que todos possam ajudar, divulgar e, principalmente, jogar o Warzoo em casa e ter lembranças inesquecíveis das partidas!