por Moisés Pacheco - PUBLICADO EM http://onboardbgg.com/2015/12/10/sobre-a-mesa-jester/

“O bobo está morto! Viva o bobo!
Aquele deveria ser apenas mais um jantar festivo organizado pelo Rei, com boa música e um rico banquete. Mas não, o bobo da corte sucumbiu a um ataque fulminante e não resistiu.
O rei, desolado com a perda de seu valoroso artista, organizou um torneio para encontrar o sucessor do bobo real.
Somente o Rei dos Bobos será o Bobo do Rei!”
O texto acima, adaptado do início do manual de Jester, dá uma boa ideia da temática envolvida no excelente Jester, o sétimo título do seloMS Jogos, de autoria de um dos designers mais respeitados do Brasil, Marcos Macri.
Em Jester, cada jogador assume o papel de um aspirante a bobo da corte real. Em três rodadas, cada bobo deve aprender as diversas habilidades artísticas tais como malabarismo, acrobacia, teatro, harpa, canto, poesia e mágica. Além disso, o aspirante a bobo real deve se preocupar em aumentar sua fama no teatro e influenciar os membros importantes das guildas e, especialmente, da corte, podendo, inclusive, manipular o interesse da realeza.
Mecânica:
– Administração de cartas
– Influência de área
– Seleção de cartas
– Coleção de componentes
O objetivo de Jester é terminar o jogo com o maior número de pontos de vitória. A maior parte dos pontos de vitória do jogo é obtida ao final da rodada.
Vou começar pela pontuação, pois acredito que ficará mais fácil de entender o porquê das ações dos jogadores.
Os pontos do final da rodada são recebidos da seguinte forma:
– Teatro: recebe a metade do valor da fama;
– Guildas: ganha dois pontos por guilda onde tiver a maioria de marcadores de influência;
– Corte: ganha 1 ponto para cada marcador na realeza, mais 6 pontos do conselheiro distribuído pelo número de marcadores;
– Pontos de prestígio: os pontos de prestígio são obtidos pelos selos de aulas artísticas que coincidem com o interesse da realeza. Os pontos de prestígio podem ser convertidos em pontos de vitória, dinheiro ou coroas.
No setup do jogo, são sorteadas 3 das 6 cartas de evento que farão parte da partida. As cartas de evento são cartas que determinam o custo das cartas de ação durante toda a rodada e também alertam qual guilda sofrerá os efeitos da peste negra (eliminação dos marcadores de influência). Também são sorteadas 5 das 7 cartas de “Favores do Rei” que farão parte do jogo.

As Ações
As ações do jogo (o Teatro, a Cidade, as Guildas e a Corte) são executadas a partir das cartas disponíveis na mão do jogador. Existem quatro tipos de cartas que levam a regiões específicas do tabuleiro com diversas opções. O seu peão (que representa o seu bobo) é alocado em um dos espaços que faz parte da região da carta de ação jogada no seu turno.
No Teatro, o jogador poderá se apresentar para aumentar a sua fama e receber algum bônus específico dependendo do tipo de peça desejada (comédia, tragédia, musical ou apresentação circense). A comédia concede uma coroa; a tragédia permite a você utilizar um marcador de influência; o musical dá o direito de comprar uma nova carta de ação; e a apresentação circense dá duas moedas. O primeiro jogador que se apresenta no teatro (apresentação individual), além do bônus do tipo de peça, ganha dois pontos de fama. Se houver um peão de outro (ou outros) jogadores, o bobo da vez ganha somente um ponto de fama e os demais ganham uma moeda (apresentação coletiva). Cabe ressaltar que a cada tipo de peça escolhida a mesma é anulada para o uso do próximo jogador.

Na Cidade, o jogador pode escolher um professor disponível para aprender uma habilidade artística. Para tanto, o bobo da vez deve pagar o custo da aula (que muda a cada rodada) e pegar o marcador correspondente. O jogador poderá alocar em seu tabuleiro individual um marcador de influência na trilha da respectiva habilidade aprendida. Além das aulas, o jogador pode confeccionar objetos que auxiliam na performance ao final da rodada. Se o jogador resolver encomendar o objeto, ele deve colocar o marcador do objeto na loja do artesão; porém, será necessária uma nova visita à cidade para retirar o objeto finalizado. Caso haja objetos de outros jogadores sendo confeccionados, o bobo da vez pagará mais caro pela encomenda. As casas dos professores são os únicos espaços do tabuleiro que limitam a alocação de um bobo por vez.
Na Corte, o jogador tem duas opções de ação. A primeira é tentar influenciar a realeza, mudando a preferência artística de um membro da família real, bastando trocar uma ficha de preferência por outra – por exemplo, convencendo o rei que acrobacia é melhor que poesia. Além disso, o jogador aloca um marcador de influência no espaço do rei, ganha um ponto de vitória e empurra os marcadores dos adversários para locais que, normalmente, dão menos prestígio.
A ação alternativa é se apresentar para um nobre. O jogador compra uma ficha de nobre e o acomoda em uma das cadeiras disponíveis. As cadeiras azuis dão bônus ao jogador da vez, as vermelhas dão penalidades aos demais jogadores. Algumas podem ser bem severas! No final da apresentação, o jogador recebe, além do bônus/efeito, duas moedas.
Nas Guildas, o jogador poderá alocar ou distribuir seus marcadores de influência entre as diversas associações disponíveis. O efeito das guildas é passivo e é ativado se o jogador atingir o mínimo de influência daquela casa, indicado no próprio tabuleiro. As Guildas disponíveis são:
– Guilda do Mestre Bufão: com quatro influências, ele poderá realizar duas aulas por vez quando visitar a cidade;
– Guilda dos Artesãos: se o jogador tiver três influências, ele poderá encomendar um objeto de graça na próxima vez que visitar a cidade;
– Guilda dos Diretores Teatrais: se tiver pelo menos quatro influências, todos os bônus das peças do teatro são dobrados;
– Guilda do Grão-Duque: com três influências, o jogador pode trocar dois selos de posição ao visitar a corte;
– Guilda dos Mercadores: tendo pelo menos três influências, o jogador pode, ao final da rodada, guardar duas cartas de ação utilizadas nessa rodada;
– Guilda dos Arautos: com três influências, o jogador pode converter pontos de prestígio em coroas na razão 1:1 (o normal é 2:1).
Após executar sua ação, o jogador pode comprar uma nova carta. Elas podem custar uma moeda ou duas (dependendo da carta de evento da rodada). Caso o jogador não possua cartas de ação na mão, no final do turno, ele deverá comprar uma nova. Se o jogador não tiver nenhuma moeda, ele deverá remover um marcador de influência do jogo permanentemente, receber três moedas e comprar uma carta.
O último turno da rodada é disparado quando um jogador visitar o mesmo local (Teatro, Guildas, Cidade ou Corte) pela terceira vez. Este jogador escolhe um favor real, recebe o bônus correspondente e vira a carta.
Em sentido horário, todos os outros jogadores fazem o mesmo.
No final da rodada, além da pontuação básica (que citei no começo do texto), as cartas de ação utilizadas são devolvidas e a pontuação do final da rodada é realizada. Uma coisa interessante que ocorre nesta fase são os pontos de prestígio. Eles são obtidos baseados na preferência da corte, acrescidos de um bônus por nobres sentados nas cadeiras e de outro bônus se o jogador possuir o objeto referente ao selo.
Os pontos de prestígio são convertidos em pontos (existe uma tabela de conversão nos tabuleiros dos jogadores), dinheiro e coroas.
As Coroas são o único elemento mantido atrás dos biombos. Elas podem ser utilizadas para se defender de um efeito negativo da ação da Corte (ser alvo de um nobre nas cadeiras vermelhas). Mas a principal função delas é ter a maioria no final do jogo, pois quem tiver menos coroas perde dez pontos.
Ainda no final das rodadas, os marcadores das guildas atingidas pela peste negra são devolvidos à reserva dos jogadores. Uma nova carta de evento é revelada e o preço das cartas de ação é atualizado. Os selos das cidades são misturados com os demais e repostos aleatoriamente, assim como os preços das aulas. Por último, a ficha de primeiro jogador é repassada ao próximo jogador que encerrou a rodada.
No final do jogo, além da pontuação normal da terceira rodada, os jogadores ganham pontos por um setcompleto de cartas na mão, objetos fabricados na frente do jogador, marcadores de influência na tabela de especializações (com direito a um bônus se completar um conjunto mínimo e máximo de habilidades artísticas) e maioria de marcadores de influências no tabuleiro.
A última coisa a ser feita antes de anunciar o novo bobo real é revelar o número de coroas atrás do biombo e torcer para não ter a minoria!
Considerações Finais:
O jogo supera em complexidade o seu antecessor Aquarium. A temática é bem amarrada com a mecânica, e os jogadores podem se sentir aprendendo habilidades, influenciando guildas, interferindo nos gostos da realeza, se apresentando nos teatros e difamando os bobos adversários.

Os diversos tipos de “pontos” do jogo podem confundir os marinheiros de primeira viagem: temos os pontos de vitória, os pontos de fama e os pontos de prestígio. O manual deveria ser maior, muitas informações importantes estão na coluna de resumo das regras. Como o YouTuber Igor Knop já havia alertado em seu vídeo de gameplay, uma guia de referência rápida faz falta. É um euro com uma boa dose de interação, bem apertado e punitivo. E, com certeza, é o jogo mais pesado lançado pelo Macri, o que era muito desejado pelos fãs do designer.
Jester soa como uma homenagem aos grandes designers europeus clássicos como Krammer, Knizia e, principalmente, Feld. A influência de Notre Dame do Feld, no meu ponto de vista, é nítida em Jester. Não estou dizendo que são jogos parecidos, mas Jester mostra, de uma forma bem positiva, uma boa, ou melhor, ótima dose de inspiração deste clássico jogo alemão (com direito a uma saladinha de pontos leve para quem gosta, como eu).
Tenho uma grande convicção de que Jester é o ponto alto, pelo menos até o momento, tanto da carreira do designer Marcos Macri, quanto de Diego Sanchez como artista. Um primor de jogo, que rivaliza com os clássicos jogos alemães de outrora. Após o bobo se curvar em agradecimento e as cortinas do teatro se fecharem, a única coisa que posso dizer ao terminar esse review é “bravo!”.
Pontos positivos:
– Mecânica funcional e amarrada com a temática
– Euro que remete aos jogos clássicos do gênero
– Diversas formas de pontuar
– Boa dose de interação não comum aos jogos do gênero
– Arte lindíssima
– Componentes de boa qualidade
Pontos negativos:
– Manual poderia ser mais explicativo
– Um guia de referência rápida fez falta
– A salada de pontos e a regra da conversão de pontos de prestígio podem incomodar alguns jogadores
– O caráter punitivo pode incomodar
– A tiragem limitada de 250 cópias tira a oportunidade de muitos conhecerem esta obra de arte