Não basta fazer o jogo certo. Ele também precisa estar na mão certa.
Era 2006, eu estava com alguns jogos que eu gostava muito e precisava reunir recursos para contratar um ilustrador.
Apareceu uma oportunidade:
- Um cliente sugeriu fazer um jogo para dar de brinde em um prédio de condomínios que seria lançado.
Resolvi aproveitar a oportunidade.
Basicamente queria passar a ideia de que as unidades eram ótimas, e que todos precisariam sair correndo para aproveitar e comprar o imóvel, pois senão ficariam sem. O ideal seria que fosse um jogo para família, muito simples de ser aprendido e muito divertido, um jogo que pudesse agradar a qualquer pessoa, pois este era o público-alvo. O jogo precisava ser barato, para ser dado de brinde.
Eu gosto muito de Toru, mas ele tinha alguns problemas complicados. Nele, você só pode trocar uma única peça, e sempre tem alguém que não está acompanhando o ritmo do jogo. Esta pessoa acaba se beneficiando, porque fica com várias peças na sua frente, e acaba escolhendo a melhor peça. Além disso, avisar que montou o conjunto e dizer “Torú” era uma coisa que me incomodava, porque as pessoas acabavam se machucando quando várias fossem pegar um dos dragões.
Dragões no Torú
Em uma oportunidade, estávamos jogando Torú e o meu padrinho, que não estava jogando, sigilosamente retirou um dos dragões da mesa. De todas as partidas aquela foi a mais divertida e isso ficou na minha cabeça.
Decidi usar Torú como base e fazer uma versão de cartas.
Trocar uma única carta era muito chato e deixava o jogo sem graça e muito lento. Tinha uma carta que seria o “curinga”, uma carta ruim, que ninguém queria e isso foi muito legal. Quando colocamos ela precisava trocar mais de uma carta, porque senão só ela ficaria sendo trocada. Então decidimos permitir poder trocar várias cartas, no começo só com os vizinhos, e, como um demorava muito para trocar, acabávamos trocando com outras pessoas, e isso surgiu por acaso, e depois a regra anterior não voltou mais.
Jogávamos com cartas normais, com as figuras e números, e elas acabavam amassadas. No meio da mesa ficavam moedas de meio dólar, porque eram bonitas e grandes. Foi uma loucura, e era divertidíssimo jogar assim.
Saíamos roucos dos playtestes.
No final do desenvolvimento, as pessoas precisariam montar o seu apartamento, com as cartas representando locais (sala, quarto, cozinha, etc), e pegar uma das chaves que ficavam no centro da mesa. Quem ficasse sem as chaves teria que morar de aluguel. A carta de “locação” iria ser uma senhora brava, com a mão estendida e um calendário no fundo.
Infelizmente, a construtora não aprovou o nosso projeto.
Apesar disso, ficamos com vontade de lançar o jogo.
Em 2010, surgiu a Funbox Ludolocadora, e propus que eles poderiam ter um jogo da ludolocadora, e eles gostaram da ideia e apresentei o jogo. Eles gostaram muito e aprovaram.
O Wagner, sócio da Vanessa na época que sugeriu esse nome: “Tinco”, devido a uma animação, onde um chinês fala “cinco” incorretamente.
Em 2011, surgiu a oportunidade de lançá-lo na RPGCon, e poderia ser uma boa data para isso.
Tínhamos apenas 4 meses pela frente.
Resolvemos que isso era tremendamente importante e seguimos adiante, porque o jogo era muito divertido, familiar e todos gostavam muito. Não tínhamos recursos para uma tiragem grande, e gostaríamos de fazer uma carta resistente. O Alessandro deu a ideia de fazermos ela em PVC, como cartões de crédito, e eu achei maravilhoso, porque a carta não estragaria. Procuramos vários fornecedores, mas nenhum queria produzir.
O Alessandro (de Oliveira) conseguiu um fornecedor, que aceitou fazer, desde que as cartas tivessem apenas uma cor na frente e sem borda, porque se poderia fazer a chapa com aquela única cor, e não teria problemas com a impressão e nem com o corte. Faríamos uma pequena tiragem de amostra, de teste, para depois fazer um pedido maior. O Marcelo Bissoli criou o logotipo, com o verso vermelho, e ficou muito bonito. Levamos os arquivos para a gráfica e decidimos que a embalagem poderia ser como capas de celular, porque poderíamos comprar poucas unidades.
Um dia antes do evento o jogo ainda não estava pronto. As cartas chegaram naquela tarde, e reunimos vários amigos para separar as cartas, contar e colocar dentro das caixas. Fomos acabar era mais de duas da manhã. O evento de lançamento era no dia seguinte. Várias cartas não pudemos usar, porque a tinta ainda estava fresca, ou porque tinha problemas de impressão, mas deu para montar uns 150 exemplares. Ainda não tínhamos um sistema para marcar os pontos.
No lançamento vendemos quase tudo. As pessoas adoraram o jogo e a bagunça. Quando fomos fazer mais exemplares, a empresa nos disse que a quantidade mínima seria de 20.000 exemplares. Tínhamos um problema, porque não tínhamos nem o valor para isso e nem como distribuir uma produção tão grande. Provavelmente levaríamos anos para vender tudo. E foi assim que o jogo saiu de catálogo, apesar de gostarmos muito do jogo. Sempre quisemos lançá-lo novamente.
Vídeo com a primeira edição do jogo Tinco:
Em 2012, a Funbox chegou a apresentá-lo para a Grow, eles disseram que gostaram do jogo, e que iriam falar com o departamento de marketing, mas não retornaram mais.
Só em 2014 este jogo teve uma nova oportunidade de cair na “mão certa”.
E que oportunidade!
Projeção da capa de Tinco
Mostrei para o meu editor no Animefriends, em uma mesa comigo e mais 2 pessoas, e ele adorou o jogo. Rimos à beça e ele decidiu publicar naquela hora. Deixei com ele os protótipos e por onde passou as pessoas foram se divertindo.
Inicialmente, o jogo teria apenas cores. Depois, para deixar acessível para daltônicos, decidimos colocar símbolos abstratos nas cartas. Para deixar o jogo mais interessante, decidimos criar duas versões do jogo, com símbolos (mais difícil) ou cores, que seria a versão mais fácil.
Os animais do kung-fu
O jogo teria número 5 em várias línguas e depois acabou mudando o tema para o mágico chinês, e só depois foi para os estilos do kung–fu, em especial por causa do nome: “Tinco”.
Para a ilustração, eu havia sugerido a Daniele Boleeiro, mas ela estava ocupada com outros projetos de jogos, e a Devir decidiu contratar um ilustrador chamado Benson Chin, porque ele tinha ascendência chinesa. Meu estômago deu reviravoltas porque eu não conhecia o trabalho dele, e nem saberia se faria um bom trabalho. Como era um jogo que eu gostava muito, torcia para que caísse na mão certa.
E mais uma vez ele foi para a mão certa.
Graffiti - Um Conto Urbano
O primeiro contato de um trabalho do Benson que eu tinha visto era com um quadrinho que se chamava “Graffiti”, escrito pelo Leandro Delmanto.
Quadrinhos de Benson Chi na revista Graffiti
O material era muito bem ilustrado, mas as ilustrações não tinham absolutamente nada de chinês, era como se um grafiteiro as tivesse elaborado, e essa era exatamente a proposta daquele material.
Conversei com o Benson pessoalmente na Devir, e passei o briefing que a Maria do Carmo Zanini escreveu. Naquele momento eu ainda não fazia ideia de como o jogo poderia ficar, porque não tinha visto nada do Benson.
Esboço de medalhões
Naquele dia o Douglas teve a ideia das peças serem um medalhão partido, e imaginei que isso ficaria sensacional.
Depois de algumas semanas, ele mandou o primeiro raft, apenas a lápis da carta do Louva- Deus, ainda sem pintar, e eu caí de costas. A imagem estava apenas em rabiscos, mas era simplesmente maravilhosa. Saí mostrando para todo mundo, e a arte estava ficando realmente absurdamente boa.
O Benson se dedicou muito a este trabalho, pesquisou várias fontes, desenvolveu técnicas novas, novos testes, coisas que ninguém havia feito antes e levou meses para terminar a arte, e foi quase um ano para fazer a arte e o design. Não importa. Com uma arte dessas, eu esperaria dois anos!
Com a arte pronta, o material foi para a Maria fazer a nova redação do manual de regras. Novamente, ele caiu na mão certa para a tarefa. Ela assistiu a mais de 20 filmes de kung–fu para fazer o manual de regras, para ter o tom certo, colocar o humor e frases verossímeis, engraçadas e pertinentes ao tema. O manual de regras teve o design modificado várias vezes e enquanto não ficou perfeito, o Benson não o largou. Foram várias idas e vindas para o manual, com o Marcelo Fernandes coordenando as diretrizes para a capa e o manual. Ele que insistiu para colocar o macaco na caixa, e com certeza o jogo não seria mesmo se não fosse isso.
O manual deu bastante trabalho. Foi um trabalho importantíssimo e provavelmente pouco valorizado. Quando você publica um jogo, se o manual de regras tem algum problema, mínimo que seja, você está perdido: receberá inúmeras críticas, tanto na internet como pessoalmente. Se o manual ficou perfeito, claro, bonito, com bom design, conciso e atraente, a única coisa que você escuta é o silêncio.
O Benson fez várias artes para o medalhão, mas a que mais gostamos foi esta, porque a peça tinha um furo no meio, e lembrava moedas chinesas.
Marcar os pontos era um problema, e não queríamos que fosse usado um papel à parte e nem queríamos colocar um tabuleiro, porque iria encarecer a produção e o custo final. A Maria do Carmo que deu a ideia de fazer a carta da torre no lago com um clipes para marcar os pontos e foi uma grande ideia. A ideia era ajudar as crianças que não trabalham bem com soma ou subtração de números negativos a conseguir marcar os pontos facilmente. Nós poderíamos começar com “5” pontos e ir do “0 “ ao “10”, mas preferimos “-5” a “+5” para reforçar a ideia de “5” – Tinco.
O resultado foi uma das cartas mais bonitas do jogo. Se me permitem, foi uma verdadeira obra de arte.
O jogo foi produzido, e por causa do Inmetro, não pudemos colocar clipes de metal e nem de plástico. Em cima da hora, para não perder o prazo, tivemos que fazer ele de papel, o que não foi o ideal. Provavelmente em uma nova tiragem, teremos tempo para pensar em uma solução melhor.
Atualmente estamos desenvolvendo uma versão do medalhão, agora em metal, para o deleite dos fãs do jogo. Tenho certeza que a versão do medalhão em metal, também está na mão certa, e eu acredito que ela ficará lindíssima.
O último exemplar de Tinco poderia ter sido vendido naquele evento em 2011, mas conseguimos persistir e fazer ele ter uma nova oportunidade. Não sei quantos jogos maravilhosos poderiam sair se tivessem uma boa oportunidade.
Em outubro de 2015, o jogo foi para Essen e foi aprovado pelos editores da Devir de outros países, e todos aprovaram a sua publicação. Devido a isso, ele será publicado em 4 línguas, e estará disponível para venda em 7 países: Brasil, Portugal, Chile, México, Estados Unidos, Espanha e Itália.
Não basta fazer o jogo certo. Ele também precisa estar na mão certa.
Excelente post, muito interessante conhecer o ponto de vista do autor. Parabéns pela persistência.
Recebi o meu hoje, comprado na Lúdica. Espero logo conseguir coloca-lo na mesa.
@G Barreto tive a oportunidade de jogar o Tinco só na semana passada com um amigo que veio com ela pro clube.
Que grata surpresa, é divertido demais e está muito, muito bonito! Jogamos 5 partidas, era pra ser o filler, mas foi o único jogo da noite.
Me lembrou o jogo do burro que jogava com baralho, mas muito mais dinâmico.
Espero colocar ele na mesa no nosso evento mês que vem.
Parabéns, é muito divertido!
Fico muito feliz em saber que você gostou do Tinco!
Neste momento estou trabalhando em uma expansão para ele, que virá com vários "modos de jogo" diferentes.
Com a expansão, o jogo ficou ainda mais frenético, e até agora a aprovação foi praticamente unânime de todos que jogaram.
Ela está em fase de ilustração ainda, mas acredito que em breve já estará disponibilizada.
Não conhecia o evento que vcs estão organizando.
Estes eventos são a melhor forma de divulgar o hobby para novas pessoas e mantê-lo vivo e em crescimento.
Parabéns por mais esta iniciativa!
Me mande em MP os dias e horários dos eventos que vcs organizam que vou ver a possibilidade de um dia dar uma passada por aí e jogar com vcs alguns protótipos, falar das novidades e deixar um abraço.
O Tinco é um jogo maravilhoso, pelo qual me apaixonei na primeira partida (que obviamente perdi miseravelmente, pois as outras pessoas na mesa já conheciam e eu era o único que ainda não conhecia o ritmo frenético). Isso foi lá na loja do Pitta, no final de 2015, e por acaso o Gustavo (criador do jogo e desse tópico) estava lá no dia, ou seja, tive o prazer de jogar as primeiras partidas com o próprio criador do jogo.
E hoje o Tinco é o jogo que eu levo pra qualquer festa ou pra qualquer reunião na casa de amigos. Todo mundo curte, mesmo quem não manja nada de boardgames. Até minha mãe aprendeu a jogar e adora...
Muito bacana ler esse diário e saber mais detalhes de como foi o nascimento do jogo. Estou ansioso agora pelas expansões!
a única coisa q não gostei do tinco foi a caixa, o jogo é maravilhoso, mas justamente por ser bom, eu quero levar ele sempre q encontro amigos pra jogar, e a minha caixa está toda detonada.. rs.. não rola de fazer uma edição de luxo, com uma caixa bem resistente? Eu meio q estou tentando criar minha edição de luxo (pq eu adorei esse jogo e quero q ele dure bastante.. haha), tô tentando elaborar uma arte de uma caixa q case com a arte do jogo, mandar imprimir numa gráfica e guardar, (só pra mim mesmo.. rs) e tentando feito louco encontrar aquele medalhão de metal dele, mas tá difícil, enfim, vi q vcs estão pensando numa expansão, isso muito me interessa, podia fazer numa caixinha filé pra guardar as cartas já existentes.. hahah
Desculpa a pala com caixas, é q gosto de guardar meus jogos todos bonitinhos e organizados, e como jogo muito o tinco, transportar ele pra todo lado nessa caixinha de papel, acabou deixando ela detonada..
Deixando essa pala de lado, adorei o artigo, adorei saber sobre a arte do jogo q é linda, e o jogo em si nem se fala, sou de Brasilia e joguei o de um amigo pela primeira vez, procurei feito um louco por aqui e não achei, tive q ir pra SP pra achar um e ser feliz!!! hahaha