Por G Barreto
Em 2011, estava em uma reunião com os organizadores da RPGCon para fazer um evento de tabuleiro dentro deste evento, que se realizaria em São Paulo. Seria a 1ª BGCon do Brasil, e seria o anúncio de uma nova fase dos jogos de tabuleiro nacional.
Na mesa comigo, estavam os representantes da
Funbox,
Ceilikan,
Vectoria Studio e o pessoal da
Riachuelo que também iriam participar. A
Galápagos e a
Ludus apoiariam o evento.
Não me lembro quem deu a ideia de que poderíamos dar um jogo de brinde para quem participasse do evento. Todos gostaram muito da ideia imediatamente, e se fosse barato, poderíamos “rachar” as despesas para viabilizar o jogo. Alguém deu a ideia de fazer um cartão de visitas que se pudesse jogar “Jô quem pô”.
Eu disse que não gostei da ideia, porque para jogar este jogo não seria necessário sequer um cartão de visitas. Argumentei também que seria um jogo muito simples, que ninguém guardaria e nem teria interesse em jogar. Acrescentei que estávamos fazendo a BGCon, e que gostávamos muito de jogos e por isso, o nosso jogo teria que explorar isso.
Disse que se fosse viável entregar como brinde 10 cartões de visita (ao invés de 1) eu acreditava que já conseguiria fazer um jogo interessante, e mais sofisticado.
Arte do jogo BGConFusão
O pessoal aprovou a ideia e o
Marcelo Bissoli, da
Vectoria Studio, disse que poderia fazer a arte. Todos aprovaram este projeto, e passamos a outras questões de organização do evento.
O evento aconteceria dali a dois meses, e para isso dar certo, eu precisaria criar o jogo rapidamente e ele teria que ter poucas ilustrações, para dar tempo de fazer tudo e imprimir.
Saí da reunião pensando, e naquele dia, à noite, eu já tinha chegado no jogo. Eu pensei em fazer um micro-game, como
Werewolf, onde cada jogador pega uma carta de personagem com o seu papel.
Eu gosto muito de “
Lobisomem”, mas ele tinha um problema: todos querem ser um personagem importante, mas às vezes são obrigados a jogar com um personagem coadjuvante, como um camponês, que está ali só para morrer. Além disso, um dos jogadores não participa do jogo, fica apenas como “narrador”. Outro problema é que nele há exclusão de jogador, e quem sai na primeira rodada, não pode fazer nada. Além disso, é um jogo com muito pouca estratégia. Apesar de tudo isso, é um jogo interessante, e é muito legal este elemento de blefe e dedução.
Havia outro jogo que eu também gosto muito, que é o
Ca$h 'n Gun$. O fato de todos os jogadores pegarem as suas armas e apontarem uns para os outros era algo tremendamente divertido.
No entanto, ele também tinha muitos problemas:
- Você tem poucos elementos para saber se alguém está blefando ou não.
- É um jogo muito raso, e por isso, enjoa muito rápido.
- Os personagens são iguais entre si.
Há outro jogo que eu também gosto muito, que é o
Citadels, com a escolha de personagens.
Ao mesmo tempo, a RPGCon era um evento de RPG, e gostaria que tivessem os personagens icônicos do D&D e da White Wolf. Resolvi misturar todos os jogos e acabou saindo um jogo bem bacana, que usava 12 cartas, e que não tinha os problemas que eu queria evitar.
Apresentei o jogo e os organizadores gostaram muito.
Para prestigiar a participação dos patrocinadores, cada um deles propôs um personagem para expansão do jogo.
A temática dele era que um mago, um clérigo, um guerreiro e um ladino foram a um castelo (D&D) que era dominado por um vampiro e um lobisomem (Storyteller). Lá descobriram que o mago (D&D e Storyteller) era um traidor, e agora todos querem sair desta confusão.
Mas ocorreram os seguintes problemas:
- o manual de regras precisaria caber no verso da folha da programação, que tinha o tamanho de uma folha A5.
- no entanto, era impossível fazer caber as regras neste formato.
- por causa disso, tive que mudar as regras originais, simplificando o jogo para fazer caber neste formato.
- o ilustrador fez um trabalho incrível, mas tinha prazo apertado, e só poderia usar 1 cor: preta.
- o tamanho da carta precisaria ser de cartão de visita, e por conta disso, o texto teve que ficar muito pequeno.
Por conta disso, o pessoal ganhou o jogo, mas sequer se interessaram em conhecer as suas regras ou tentar jogar e conhecer as regras “avançadas”, que disponibilizamos depois pela internet.
As limitações e dificuldades de produção impediram de mostrar como aquela mecânica era interessante.
Eu sempre quis retomar este projeto, porque a versão original era um jogo muito legal, com vários elementos de jogos que eu gostava e sem os problemas que eu não gostava.
Decidi que iria aprimorá-lo e lançá-lo comercialmente, como eu gostaria que fosse, com cartas grandes, coloridas e com as regras que imaginei inicialmente, sem remoções desnecessárias.
Testei ele por mais 3 anos, e neste período cheguei a conclusão de que eram necessários alguns ajustes na mecânica, na ilustração, produção, no tema e no nome também. Foi uma reformulação tão grande que passou a ser outro jogo.
Nome
O nome do primeiro jogo era
BGConFusão.
Uma brincadeira com o nome do evento e com a organização às pressas.
Como o jogo poderia ser publicado internacionalmente, queríamos um nome que não precisasse ser traduzido, e que funcionasse em várias línguas. Eu prefiro evitar nomes em inglês, mas “Dark” e “City” são duas palavras muito conhecidas para o público daqui, muito atraentes e que capturam o espírito do jogo.
A
Daniele Boleeiro fez um trabalho muito bacana com o logo.
Mecânica
Infelizmente, todas as expansões que desenvolvi na oportunidade, não puderam ser utilizadas, porque prejudicavam muito a estrutura do jogo. Nenhuma foi aproveitada. Houveram modificações até mesmo na mecânica base, para deixar o jogo mais equilibrado e mais justo.
As mímicas também mudaram, para ficarem mais diferentes entre si.
Possuída
Depois disso, a partir do tema outras expansões foram desenvolvidas, estas sim, equilibradas e interessantes: Possuída, Feiticeira Vodu, Morte, Fantasma, Alienígena, Anjo e o Repórter. Estas expansões ajudarão a manter a rejogabilidade e o interesse.
Tema
O tema medieval já havia sido explorado muitas vezes e muito bem em outros jogos, e nem todo mundo sabe o que é um “clérigo”, ou um “ladino”. Para dizer a verdade, é um tema que para mim, desde o RPG, já estava saturado.
Além disso, sendo o tema medieval geraria muita comparação com jogos totalmente diferentes, apenas pelo fato de terem o mesmo tema, e eu preferi evitar isso.
Preferi mudar o tema para algo mais atual, com uma cidade moderna, gótica, dominada pelas sombras, e que tenha personagens mais conhecidos pelo grande público, para facilitar o acesso deste jogo para todos. Adoro o tema de terror.
Eu precisava de um personagem conhecido que utilizasse ilusões para enganar os outros, e que fizesse sentido neste cenário, para substituir o mago ilusionista. Acabei passando por magos ilusionistas e fadas, mas o que ficou foi o demônio. Sei que este personagem vai afastar algumas pessoas, mas todas as outras opções traziam problemas maiores, e por isso ele acabou ficando. Por conta do demônio, outras expansões foram criadas também, e ele ficou um personagem muito interessante.
O nome “padre”, mudou para “sacerdote”, para não ofender outras religiões.
Produção
Como eram poucas cartas, se as cartas fossem grandes, seria muito mais legal jogar com elas e daria para aproveitar a arte.
Tiramos os marcadores de pontos com fichas porque elas saíam muito quando o pessoal batia na mesa, e deixamos apenas blocos de papel. Isso deixou o custo final mais barato também.
Ilustração
Este jogo é bem como quadrinhos, e por conta disso, contratei
Débora Caritá, uma ilustradora que trabalha com quadrinhos (Marvel, Dc, Dinamite comics), e ela fez um excelente trabalho. Fiquei muito feliz que ela tenha aceito ilustrar este material, apesar de ter muito serviço e muitos trabalhos internacionais.
Inicialmente, haviam apenas 6 personagens, nas quais as artes se repetiam: 2 vampiros, 2 lobisomens, 2 zumbis, 2 demônios, 2 caçadores e 2 sacerdotes.
Era para ser um jogo muito barato, e com isso, o lucro também é muito pouco, por isso, teriam que ser poucas ilustrações.
Caçador e caçadora
No entanto, a
Maria do Carmo Zanini me alertou que não haviam mulheres no jogo, e que isso era muito notado internacionalmente.
Por isso resolvi colocar uma versão feminina de cada um dos personagens, e na mímica, também temos a figura de uma jogadora.
Esta decisão dobrou o valor que tínhamos reservado para as ilustrações. Mas a vantagem é que deixamos o jogo mais interessante e as mulheres podem jogá-lo sentindo-se mais acolhidas.
Como produto final ele enriqueceu também, pois ficou com muito mais variedade de ilustrações para os jogadores apreciarem.
Design
O design deste jogo foi um trabalho sério. Queríamos colocar apenas símbolos e evitar completamente qualquer tipo de texto. A Daniele fez um primeiro estudo e achei lindo, com uma carta bem limpa e bem bonita.
Depois disso, vimos que os jogadores estavam com muita dificuldade em memorizar e aprender como se dá a relação entre os personagens. Colocávamos símbolos de “alvos válidos” como “todos menos o demônio”, por exemplo. Mas o pessoal perguntava, “Mas que todos?”
Cheguei a pensar que não tinha como resolver isso. Era um problemão, porque se as pessoas não aprendem o seu jogo, elas não o jogam.
Foi a
Maria do Carmo Zanini quem trouxe a solução, com uma barra embaixo, com símbolos e cores colocando a relação de todos em cada carta. Foram necessários criar mais símbolos e mudar totalmente o design, mas parecia ser um bom caminho.
Isso deu muito trabalho, tive que adiar o desenvolvimento e produção de outros jogos que eu gosto muito, mas valeu a pena: depois de vários testes de campo, vimos que o resultado foi ótimo, e o pessoal conseguia aprender o jogo facilmente, logo na primeira rodada.
Mesmo que alguém esquecesse uma regra era só olhar nas cartas que estava tudo ali. As soluções do design ajudaram muito o pessoal entender as regras.
Manual de regras
A MC Zanini escreveu o manual de regras e conseguiu criar a atmosfera que o jogo precisava. Só de ler as regras, o pessoal já sorria e se animava com o jogo, o que era maravilhoso. Ela colocou todas as situações possíveis para deixar o jogo sem dúvidas ou FAQs.
Fizemos vários “testes cegos”, e reforçamos pontos no manual de regras que precisam de esclarecimento ou reforço.
Até que chegou o ponto que o pessoal lia o manual e jogava de forma absolutamente correta, sem erros, e se divertia pra caramba.
Baixe o manual aqui.
Sinceramente, jogar ele agora para mim é uma grande satisfação, assim como assistir as pessoas jogando. Elas gargalham.
Por muito tempo, este foi o jogo que os meus filhos mais pediam para jogar. Eles adoravam poder interpretar o lobisomem e vir para cima de mim para me matar. No próximo turno, era a minha vez de me vingar. Crianças adoram monstros.
Tenho certeza que pais do mundo inteiro vão se divertir com os seus filhos tanto quanto eu me diverti com os meus.
Poder ver o jogo lançado como eu queria: com uma arte linda, carta grande, independente de idioma, e com as regras todas como eu gostaria que fossem.
A
Devir aprovou o jogo na sua totalidade, o que também me trouxe muita alegria.
Deu muito trabalho, mas o resultado final foi maravilhoso, e isso é apenas o que importa.
Em 2016,
Dark City sairá pela Devir, já com as regras em inglês também.
Torço para que as pessoas se divirtam com ele tanto quanto eu.
Gustavo Barreto