Escrita por: Rodrigo Neves.
Convidado para segunda opinião: Fábio Tola (ftola) Game Developer da CoolMiniOrNot e um dos Admins do BoardGameGeek.
Sinopse do Jogo:
Lançado em 2008 pela extinta Warfrog Games, Afther the Flood é um jogo da época de ouro do designer Martin Wallace de expansão territorial, conflito e civilização leve. O autor é muito conhecido por clássicos como Railways of the World, Brass, Age of Industry, A Study in Emerald, London, Princes of Renaissance e Rise of Empires.
Afther the Flood é um desafio muito agradável sobre gerenciamento de recursos e conquista, incomum por ter sido projetado especificamente para três jogadores, nem mais, nem menos. O tema se estende por um vasto período de história suméria, aproximadamente 1500 anos de história. Há muita profundidade neste jogo... otimizar a suas ações, equilibrar as muitas ações disponíveis, decidir como gerar e gastar recursos são vitais para garantir a vitória. Fiel à história Suméria não há dinheiro disponível, então absolutamente tudo no jogo é financiado por recursos tabelados de vários valores.
Os recursos têm muitos usos diferentes e podem ser usados para financiar a alocação de trabalhadores e comerciantes, aumentar o seu poder militar, equipar seu exército, participar de leilão para ordem do próximo turno e principalmente marcando pontos de vitória por expansões de cidades. No entanto, as oportunidades comerciais são restringidas ou impulsionadas pelo domínio militar dos impérios oponentes. Exércitos podem efetuar comércio como um comerciante comum, mas além disto, sua presença em um território impede que os comerciantes dos oponentes façam a sua parte.
O combate é simples, rápido e muito bem implementado de forma que incentiva os muitos Impérios a aparecer, expandir e depois desaparecer sem deixar vestígios à medida que as eras passam. Mais uma vez muito temático. Os jogadores não representam uma determinada nação. Em vez disso, eles controlam temporariamente os impérios à medida que eles ascendem e pontuam no final de cada era, mas em seguida os impérios caem.
Mecânicas:
- Colecionar Componentes,
- Impulso de Área,
- Controle/Influência de Área,
- Rolagem de Dados
Síntese do Jogo:
Cada partida leva em torno de 3 a 4 horas de duração para quem não está habituado, sendo dividida em 5 eras ou turnos. Cada turno segue os passos:
Coleta de recursos básicos, apenas grãos e tecidos, com base na maioria relativa de trabalhadores nas zonas de irrigação e tecelagem. Como o jogo é uma otimização da rede de comércio de cada império, temos aqui a base intercambial para tudo. Ter maioria absoluta ou compartilhada de trabalhadores nestes espaços é muito bom, entretanto ter minoria é absolutamente péssimo! Ser "chutado" em ambas as zonas é garantia de sofrência e frustração na próxima rodada. Nesta etapa todos recuperam 8 trabalhadores para seu estoque disponível também.
Declínio (apenas nas eras 2 e 4), onde cada jogador remove todos os trabalhadores de Dilmun (simplesmente a maior região comercial e o único porto seguro, pois exércitos não conseguem entrar lá), e mais 1 de cada região não-Suméria. Nas zonas de irrigação e tecelagem, o jogador com a maioria dos trabalhadores reduz o seu número para 2, retirando x trabalhadores excedentes. Em seguida, todos os demais jogadores têm que retirar também x trabalhadores de lá. Sim... exatamente o que você pensou. Se o camarada com a maioria lá tinha um excedente de 2 ou mais trabalhadores a frente dos demais, ele acaba de ficar sozinho nas regiões, e isto é muito, muito, muito péssimo aos demais jogadores. Outro ponto: o jogador que se espalhou demais pelo mapa visando ter mais influência que todos os demais, acaba de ser basicamente extinto do mundo sumério. Entenda, este não é um jogo de se ter a maior rede comercial, mas sim aquela mais otimizada, eficiente e robusta.


Fase de ações dos jogadores, a parte nobre do jogo e que concentra o tempo realmente longo do jogo, pois são muitas ações disponíveis. Na ordem do turno, cada player realiza de 1 ação. Se alguém já tiver passado a vez, você deve descartar um item: recurso, trabalhador ou exército de seu estoque disponível, para tomar uma ação ou deve passar também. A era irá transcorrer assim até que todos os três jogadores passem a vez. São ações possíveis:
Construir uma cidade. Coloque um de seus marcadores de cidade na região central da Suméria com nenhuma outra cidade lá. Das 9 disponíveis, 7 delas lhe dará um poder especial. Geralmente as primeiras ações dos jogadores, na primeira era, serão disputando as cidades com os poderes que mais lhe interessam. Nas eras seguintes, só conseguiremos construir novas cidades após levar nossos exércitos as cidades adversárias e liquidarmos com elas antes.
Alocar trabalhadores. Gasta-se um recurso de valor x e coloque até x trabalhadores em um local fora da suméria, na região externa para atuarem como comerciantes ou nas zonas de ação: tecelagem, irrigação, escribas ou ferreiros. Neste momento, pode aproveitar este momento para usar cada escriba não utilizado para mover ou colocar um trabalhador extra. A alocação é um ponto chave do jogo e ao mesmo tempo conflituosa... Precisamos de recursos para alocar, nas os recursos somente podem ser comercializados e assim valorizados se existirem trabalhadores a disposição. É quase um paradoxo aqui: "quem precisa ser priorizado, o trabalhador ou o recurso?".
Comércio. Cada comerciante alocado nos postos comerciais tem permissão para trocar 1 recurso do estoque pessoal do jogador por 1 dos recursos disponíveis em sua região de alocação. No entanto, se qualquer exército inimigo está na região, os trabalhadores não podem fazer nada. Cada exército, por outro lado, pode conduzir um comércio como um trabalhador.
Fundação de um Império. Ao todo são 3 disponíveis a cada turno, um por jogador. Cada região disponíveis se encontra fixada em uma tabela, e elas concedem exércitos de tamanho diferentes. Você deve ter número de trabalhadores maior ou igual que qualquer outro jogador na região que pretende fundar seu império. Tome os exércitos designados e compre mais com recursos se desejar. Além disso, você pode equipar seu exército gastando mais recursos. Os impérios são classificados como A, B ou C em relação ao seu investimento em equipamentos, reajustados a cada vez que um império é fundado.
Expandir Império. Coloque um meeple de exército do seu estoque disponível em qualquer região adjacente. Se algum exército inimigo estiver presente, lute. O atacante rola 2d6. Se equipado melhor do que o defensor, mata com soma 5+. Caso contrário, precisa de 7+. Pode continuar a atacar até decidir terminar a batalha ou ganhar e colocar um exército na nova região. Se tiver um exército em região com cidade inimiga, descarte 2 exércitos do suprimento pessoal para destruí-la. Por fim, pode-se reforçar uma região colocando um 2º exército nela.
Passe a vez
Determinar Ordem de Turno. Ao passar a vez o jogador tem a escolha de participar de um leilão para ordem do turno seguinte, para isto basta ele optar por descartar recursos. Com base no valor dos recursos descartados ao passar, a ordem do turno é redefinida.
Pontuação. Cada jogador ganha 2VP por região com seus meeples do exército, ao final da rodada. Então, por ordem de turno, decida se quer ou não melhorar algumas de suas cidades: cada um requer descartar 2 madeiras + 0-4 recursos dentre os mais caros para ganhar de 4-20 VP. Se melhorada, coloque marcador na cidade, ela não marcará novamente durante o jogo. Note que a pontuação rola fortemente sobre a influência sobre a área e pela coleção de componentes de recursos para as cidades. Realmente uma pena não se ter recurso para fazer tudo de forma confortável: contratar trabalhadores, comercializar, contratar tropas extras, equipar exército, leilão da ordem do turno... parece que tudo precisa de recursos, mas bem difíceis de conseguir.
Avaliação:
Um problema habitual em jogos de 3 jogadores é que 2 pessoas lutam entre si e o terceiro acaba ganhando. Em After the Flood este não será um problema, uma vez que os impérios desaparecem no final de cada turno é impossível se criar um império invencível. O combate é muito simples e você tem chances boas de ganhar de ganhar mesmo se você tiver um exército mal equipado. Isso incentiva a luta e o conflito, que também ajuda a manter as coisas em equilíbrio. Mesmo em uma era apenas, se alguém conseguir criar um exército enorme, visivelmente a ponto de massacrar os demais, eles só precisam passar. Isto faz com que fique muito caro em recursos para jogador dominante continuar atacando por mais algumas rodadas.
Existem muitos recursos diferentes, muitas cidades com poderes um bom leque de ações. A árvore de decisão parece esmagadora e o jogo às vezes é frustrante para quem não é fã de fritar um pouco o cérebro. Devido a isso, não considero o After the Flood um bom jogo casual. É para heavy gamers mesmo. Também não é um jogo para quem se irrita fácil com as agressões dos amiguinhos. O fator sorte nos dados é pequeno, e estimula os ataques que muitas vezes são compensadores. Expandir seus exércitos pelo mapa também traz como benefício interromper as cadeias comerciais dos adversários. Em jogos com longo encadeamento de ações, como este, pode ser bem maldoso e prejudica o planejamento deles.
Um conceito interessante neste jogo é o de eficiência. Geralmente em euros tradicionais nos vemos planejando conseguir nossos objetivos com o mínimo de ações possíveis, para completar objetivos primeiro, conseguir maiorias antes e assim por diante. Em After the Flood esse não é realmente o caso, porque ser muito eficiente e sair do jogo antes pode lhe trazer problemas graves. Devido à forma como o combate funciona é benéfico jogar depois que os outros jogadores passaram, porque conquistar território é muito fácil. Ficar no final permite que alguém garanta mais território, ao passar cedo torna difícil fazê-lo. Então aqui não temos que fazer o que precisamos antes dos outros, mas sim fazer mais coisas no mesmo tempo que os demais. A questão não é minimizar tempo, mas maximizar resultados.
Além da otimização da cadeia comercial, você tem de fazer escolha cruciais: Quando começar um império? Cedo, para agarrar o melhor território, ou mais tarde para ver o que os outros jogadores fazem e como eles equiparam? Como expandir rapidamente? Quando gastar seus recursos em pontuação e quando guardar para o próximo turno? Com o declínio prestes a ocorrer, como alocar os trabalhadores para tirar mais proveito deles neste turno, porém sem deixar de salvaguardá-los para o seguinte?
Jogos da era do ouro do Martin Wallace tendem a me atrair. Eu apreciei bastante o After the Flood, inteligente, desafiador, apertado e que demanda bastante estratégia. O fato de ser para 3 jogadores poder ser uma bênção para alguns grupos e uma maldição para outros maiores que nunca conseguirão jogá-lo, vem da proposta do jogo e não tem muito sentido denegrir ele por conta disto. Mais um jogo que faço questão de manter na coleção.
Segunda Opinião por: Fábio Tola.
O Rodrigo muito gentilmente me convidou para escrever um pouquinho mais sobre o Martin Wallace, autor do obscuro After the Flood. Não faria sentido comentar cada título dos mais de 15 anos de publicações do autor - mas ele é um cara bem regular no seu estilo de jogos. Todos os seus títulos têm características bem marcantes, sejam para o lado positivo ou negativo, e que influenciaram o mercado de jogos mais pesados.
“- Mas que produção precária é essa?” É bastante comum encontrar protótipos nos eventos por aqui com produção bem mais caprichada do que os jogos do autor. Os componentes espartanos do Age of Steam ou do Brass fazem muitos torcerem o nariz quando vistos na mesa. Enquanto a funcionalidade dos jogos é excelente, as peças são as genéricas de madeira, e as cores chapadas no tabuleiro e componentes. Ilustrações? Só na capa dos jogos. É algo que destoa em um mercado atual, onde a produção gráfica e o uso de miniaturas tem por objetivo entregar uma experiência maior do que somente a funcionalidade do gameplay.
Por boa parte da sua carreira, os jogos do autor foram sempre auto-publicados - seja pela Warfrog Games, seja pela empresa que veio para substituí-la: a Treefrog Games. Em pequenas tiragens, o custo de arte fica mais pesado e impossibilita o uso de componentes diferenciados. Porém, muitos dos jogos excelentes do autor já encontraram novos lares. Steam, Liberté, Last Train e Brass são jogos que encontraram novos lares com uma produção mais caprichada.
“- Jogos pesados ou cruéis?” A ideia de jogo pesado se alterou de um tempo para cá. Atualmente um jogo pesado se faz um uso excessivo de mecanismos diferentes (tudo tem set collection, alocação de ações/dados/trabalhadores, bônus cruzados e detalhes mil). Ao (re)visitar jogos como Age of Steam, Automobile ou Brass percebemos poucos elementos, muito bem implementados e focalizados na mecânica básica do jogo. Troca-se uma quantidade de elementos excessivos, por uma exigência em se dominar a interação entre os poucos elementos que se apresentam, sob pena do jogador ficar para trás, praticamente de fora da competição real. Não é incomum um jogador desavisado 'ir à falência' no Age of Steam após um mal planejamento de gastos e empréstimos utilizados, ou ficar lá atrás na pontuação por implementar mais sua produção no Automobile. Não são triviais em uma primeira partida e privilegiam o domínio das mecânicas de jogo.
“- Por onde começar?” Uma das minhas linhas favoritas é a de jogos econômicos, na qual devemos dominar os esquemas de produção/ entrega/ investimento de um determinado sistema. A ‘maquininha de fazer pontos’ nem sempre é trivial. O Age of Steam é meu top10, e a edição Steam deixa a experiência um pouco mais acessível aos novatos. Nele o autor revisita alguns componentes de jogos da série 18XX, mas os utiliza de forma diferente - focado na construção de uma malha ferroviária para se entregar determinados produtos. É o ‘pick up and delivery’ minimalista e calculado com precisão. Vale experimentar também a versão mais aguada, que tira boa parte da competição impiedosa e leva o título próximo ao jogo família na série Railroad Tycoon / Railways of the World.
O Brass teve seu kickstarter iniciado na semana passada. Similar ao Steam, ele possui sistema de empréstimos para investimentos, mas elimina a construção aberta de trilhos e entregas, refinando a disputa pelos pontos de produção, matérias primas e mercados. Vale também visitar sua versão simplificada no Age of Industry. Um pouco mais moderno, o Automobile apresenta um mecanismo de logística de produção, que força os jogadores a disputaram as demandas nos diversos tipos de veículos, enquanto preocupados com a evolução das suas fábricas.
Ninguém vive sem jogos de conflito militar, seja direto ou indireto, e o autor também produziu alguns títulos respeitosos na área - vale citar o Liberté, que se aproxima à um jogo de área control entre três facções, inovando o estilo, Struggle of Empires é um jogo de expansão imperial do século XVIII com um elemento curioso: a criação de alianças forçadas em leilão protege os jogadores de seus inimigos. Ainda em impérios conflitantes, o Rise of Empires também apresenta um controle de área e planejamento minucioso, em um jogo mais longo do que os similares. O Few Acres of Snow visita conflitos para dois, utilizando a novidade (da época) de deckbuilding no combate entre britânicos e franceses na colônia americana.
O que faz então esse jogo bastante obscuro e antigo, com produção precária e título estranho, valer uma resenha? O After the Flood apresenta elementos de impérios em conflito ao mesmo tempo que a produção e especulação de produtos em um modo bastante singular - somente para três jogadores, explorando a assimetria que é inerente ao problema de 'dois lutam e o terceiro se beneficia'. Passa longe de ser uma ‘ludoteca básica’, mas certamente é uma experiência inédita e inovadora mesmo uma década após seu lançamento.