"A delayed game is eventually good, but a rushed game is forever bad" Shigeru Miyamoto.
Quando se contempla uma ideia, é fácil se perder na idealização do produto final. Apaixonados pelos jogos que nos influenciam, desejamos desesperadamente realizar algo igual ou parecido, sem entender os esforços e dores que foram sacrificados para alcançar tal nível de polimento.
Uma êxtase ativa algo em nós que promete sucesso quando passamos certo tempo analisando a possibilidade das nossas ideias um dia virarem algo tão incrível quanto nossas inspirações. Partimos para a organização dos elementos vitais que irão compor o produto final, como heróis invencíveis partindo para uma batalha que trará glória e respeito dos outros. Está tudo pronto e inexistente ao mesmo tempo, tal qual uma espada que ainda nem foi desembainhada prometendo conquista.
Então, logo após externalizarmos o fogo que traz vida aos nossos desejos para o mundo real, o próximo passo conjura uma penumbra no lugar vazio de onde a ideia saiu. O medo nos olha de cima, nunca tendo saído da nossa frente, preparado para rir mais uma vez de algo que cairá no ostracismo mais uma vez.
Mas você persevera, acreditando no potencial do imaginário e focando naquilo que trouxe tanta coragem para criar algo. O final é logo ali, só precisa disso e daquilo. O demônio ri, pois é exatamente isso que ele mostra ao guerreiro: sua coragem pode levá-lo até tal lugar, mas o que derrotará tal adversário é seu esforço.

Ilustrações pertencem ao jogo Magic: The Gathering, usadas apenas como apoio.
Mesmo com um tanto de embelezamento, esta é a história de como comecei meus trabalhos no jogo que hoje se chama "As Casas de Tesselar". Em mais detalhes, a ideia original da versão de tabuleiro contava com uma mecânica de escolha alternada, também conhecido como "draft", onde jogadores deveriam escolher entre cartas de Heróis, Equipamentos e Poderes para montar um time de três heróis com equipamentos e poderes para derrotar o time inimigo.
Este conceito unia elementos dos jogos mais influentes na minha vida: Magic: The Gathering, com seu foco em drafting para colocar o ônus de um time coeso na habilidade do jogador em fazer as melhores escolhas para o seu time, o posicionamento estratégico de jogos como Xadrez, onde suas peças são tão fortes quanto o seu posicionamento perante as peças do oponente, e jogos de RPG estratégicos como Final Fantasy Tactics e muitos outros que contam com equipamentos e poderes especiais que podem ser combinados entre personagens para que os jogadores conseguissem expressar suas estratégias unindo heróis com diversos equipamentos e poderes diferentes.
Era uma ideia que na época possuía muito mérito, pelo menos na minha cabeça. Colocar seus heróis para batalhar com uma diversidade de equipamentos que foram imaginados para criar sinergias diversas era algo que me enfeitiçava, principalmente quando combinado com a escolha alternada, gerando variedade toda vez que um novo jogo começava.
Na primeira metade de 2024, cartas e seus efeitos começaram a surgir. Mantendo influências de outros jogos de cartas, o jogo contava com quatro "cores" que representavam estratégias diferentes em suas cartas, um conceito que se mantém até hoje. Todas as cartas estavam sujeitas às funções das suas cores, aspecto importante para o relacionamento do jogador com os elementos principais do jogo, permitindo que escolhessem cores e sinergias favoritas.
O campo de batalha que estes heróis lutavam era composto por azulejos hexagonais. Este arranjo, também mantido até o conceito atual do jogo, permitia que não houvessem dúvidas sobre a movimentação dos personagens, permitindo simplicidade no posicionamento das peças. Os únicos azulejos notáveis eram aqueles que os jogadores decidiam colocar seus heróis no começo da partida, todo o resto era composto por apenas espaços que delimitavam a área do combate.
Ilustrações pertencem ao jogo Magic: The Gathering, usadas apenas como apoio.
Cada herói possuía atributos que ditavam seu tempo no campo de batalha, a quantidade de dano que um herói inimigo toma de seus ataques, quantos espaços um herói pode andar no seu turno e um alcance que determinava os espaços mínimos para atacar outros heróis inimigos, além de efeitos especiais que ditavam a estratégia geral da cor. Cartas de equipamentos contribuíam para tais atributos, além de outros efeitos especiais, enquanto cartas de poderes permitiam um efeito que poderia ser usado durante o turno do herói.
Durante a escolha alternada, cada jogador recebe cinco cartas do baralho geral, o qual é embaralhado antes desta parte. Após escolher uma das cartas da mão, os jogadores trocam as cartas restantes, onde devem escolher uma para ficar e outra para o descarte, onde tal carta não poderá mais ser usada durante a partida. Trocando de mão uma última vez, os jogadores repetem esta escolha de manter ou descartar e partem para mão nova de cinco cartas, repetindo todo este processo até o baralho acabar.
A estrutura de turnos, também mantida até hoje, mandava os jogadores escolherem um herói com sua carta de pé, virá-la em 90° para demonstrar que aquele herói só poderia ser usado após todos os outros serem comandados, utilizar aquele herói da maneira que o herói com seus equipamentos e poderes permitia e então finalmente passando o turno para o próximo jogador, onde este repetiria esta mesma ordem.
Jogadores repetiriam estes passos até concluir o objetivo do jogo: derrotar todos os heróis do time inimigo, um jeito clássico de mostrar quais sinergias possuíam mais mérito durante a partida.
Com as cartas feitas, o tabuleiro com um tamanho baseado na quantidade média de espaços que os heróis podem se mover e regras pensadas da maneira mais simples para começar e terminar uma partida, estava na hora dos testes.
Testar um jogo pela primeira vez é algo assustador para qualquer desenvolvedor. Tanto tempo iterando numa ideia para ter olhares examinando cada detalhe que pensou e que principalmente não pensou gera uma ansiedade terrível, como se uma parte vital de nós estivesse sendo analisada por pessoas que jamais conseguiriam quem você é de verdade.
Embora nos desvincularmos deste medo é impossível, o valor de um entretenimento só é apreciado de verdade quando outros dedicam tempo de suas vidas para experimentá-lo. Querendo ter algo no meu nome após muitos projetos falhos, tive que encarar este demônio nos olhos e me preparar para o pior, então realizei meu primeiro teste.
Surpreendentemente, o primeiro teste não foi tão ruim quanto o esperado. Os elementos principais da ideia estavam sendo utilizados por mim e pelo meu adversário e as regras continham a experiência de uma maneira relativamente coesa. Haviam áreas que necessitavam de polimento pesado, mas se o objetivo era ter algo concreto, uma missão havia sido cumprida.
Dias após o teste se passaram e algumas arestas foram afiadas, a ideia tomando forma. Cartas receberam nomes fantasiosos e seus aspectos de jogabilidade alterados para algo que lembrasse algum tipo de balanceamento. Estava na hora de continuar testando.
Ilustrações pertencem ao jogo Magic: The Gathering, usadas apenas como apoio.
Após mais alguns testes, as partes que necessitavam de polimento atingiram um brilho pristino. Alterar algum número ou habilidade de certa carta não teria mudança significativa no jogo. Este ponto foi muito importante para os aprendizados de design que este projeto trouxe para mim, pois o jogo estava longe de ser lançado.
Quando se cria algo, principalmente focado no entretenimento dos outros, é importante entender os elementos mínimos da experiência. Num jogo como *"Super Mario World"*, alguns dos elementos básicos do jogo são a corrida e o pulo do personagem. Embora pareça óbvio, todos os outros elementos de jogabilidade são polidos a partir disso. Cada inimigo, obstáculo, armadilha e objetivo são estruturados de uma maneira que o jogador sempre esteja utilizando estes dois aspectos.
Este jogo que havia criado, embora tido atingido um nível alto de aperfeiçoamento, ainda tinha problemas entre seus elementos principais e a jogabilidade. A falha mais gritante era a disparidade de chance de vitória entre um jogador que tinha perdido um dos seus heróis para o outro que ainda comandava seus três. Quando um herói é derrotado, sua carta, seu equipamento e seu poder são removidos do jogo. Em outras palavras, um terço da sua estratégia foi completamente anulada, fazendo com que as chances de vitória fiquem muito mais determinísticas para um lado da mesa.
Nas suas primeiras versões, o jogo não possuía nenhuma aleatoriedade após a etapa de escolha alternada. Logo, relacionado ao problema anterior, qualquer lado que a balança pendia significava que ela provavelmente manteria-se assim até o final do jogo.
Além destes outros problemas, embora existisse uma quantidade razoável de heróis para serem escolhidos durante a etapa de draft, alguns testes mostraram a possibilidade de um jogador escolher um equipamento ou poder mais interessante do que um herói e ter o azar de não conseguir pegar mais nenhum herói para a partida.
Minha mente de designer correu para solucionar tais empecilhos. Mecânicas que ajudavam um jogador que havia perdido um herói foram inventadas e um aumento na quantidade de heróis ajudou os jogadores a garantirem os três que precisavam, mas nenhuma delas atingia o nível desejado para a experiência do jogo.
Buscar soluções para problemas nunca é um trabalho simples. Existem infinitas possibilidades de aperfeiçoamento, mas quando a base para algo não é sólida o bastante, tais possibilidades apenas mostram a fundação fraca na qual sua ideia está baseada. E esta lição aprendi quando resolvi chamar um amigo para me ajudar.
Tentando achar um número crítico de heróis para equipamentos e poderes, este amigo e eu ficamos pasmos em como as cartas de suporte do herói atrapalhavam as decisões dos jogadores. Heróis eram a peça de jogo mais importante, pois sem elas outras peças simplesmente não faziam nada. Os equipamentos e poderes eram apenas conceitos criados a partir da ideia inicial, sem entender o impacto delas na ideia final do projeto, e arranjar soluções para este problema só gerava novos que distanciavam o jogo do seu foco: combinar um jogo de cartas de escolha alternada com a estratégia do Xadrez.
Fiquei assustado com tal realização. Somando isso com os problemas de balanceamento quando um jogador perde um dos seus heróis, ficou claro que haviam muitas mecânicas envolvidas que não conversavam com o foco da experiência. Minha cabeça não parava de tentar arranjar mais soluções que inevitavelmente causariam problemas.
Se existia alguma maneira de resolver tudo isso, não consegui achar. Os sacrifícios necessários tirariam o jogo da sua promessa, e isso não era algo que eu estava disposto a largar. Mas isso também não quis dizer que o jogo ficou parado.
Quando se tem uma ideia, é importante não deixá-la no seu mundo por muito tempo. Os conceitos que criamos não passam de formas imperfeitas quando aplicadas no mundo real, e é apenas através de iteração e dedicação que conseguimos enraizar nossos projetos no mundo. Portanto, estava na hora de dar um passo para traz e reimaginar o projeto usando tudo que aprendi, e após muito trabalho, cheguei numa parte da trajetória que fiquei satisfeito, concebendo um conceito de design que tentarei utilizar para o resto da minha carreira: o Mínimo Design Viável, tópico do próximo capítulo do Diário de Desenvolvedor.