Já tinha lido o artigo em inglês e o reli agora. Bom, tenho muitas coisa pra pontuar sobre o texto. Vou tentar ser bem direto.
1. O artigo é muito bom. O autor é bem conciso em seus argumentos, o que não quer dizer que eu concorde com eles. O que me impressiona, e me deixa triste, é que hoje em dia nos deixamos levar muito facilmente por bons textos. Se o cara não gostou e escreveu bem, eu tendo a não gostar junto com ele. Se ele amou e também escreveu bem, eu tendo a amar junto ele. Cada vez menos eu vejo pessoas com opinião própria, em qualquer que seja a área. Nos nossos board games então, nem se fala. Nenhum argumento que o autor deu no texto é inquestionável. Assim como os meus para defender o jogo não o serão. Cada um tem que montar sua própria opinião baseado no DIFERENTES textos que leu e confirmá-las jogando. Não adianta em nada também formar sua opinião somente lendo textos (que é o que muitos fazem hoje, por exemplo, em relação aos jogos legacy), ou lendo artigo que só mostram um dos lados.
2. Tendo dito isto, quero lembrar que existem muitos gêneros de jogos. Assim como existem os family e party games, existem os jogos para jogadores mais hardcore. Existe jogador para o Dixit e para o Codenames, assim como existem jogadores para High Frontier e Twilight Imperium. Mas o que muita gente esquece é que existem os jogadores do meio, os que gostam dos jogos médios (leve/médios, médios ou mesmo os médio/pesados). Aqueles jogadores que gostam a experiência de jogar mas não estão dispostos, ou não curtem, ou não conheceram ainda a experiência maior de jogar um jogo mais profundo. Scythe é um jogo para esse público. Outros públicos vão achar o jogo muito pesado, se estiverem acostumados com party/family games apenas. Ou vão achar o jogo leve, se estiverem comparando-o com jogos mais pesados. cada jogo tem seu público e acho que isso tem se refletido cada vez mais nas avaliações feitas, nos textos produzidos e nas notas dadas no BGG, por exemplo. Assim como também se reflete em jogos dessa "categoria" estarem cada vez mais hypados, subindo nos rankings e etc. Na minha opinião o jogo pode não ser exatamente o que o autor do texto procurava, mas foi pra mim. Ele era exatamente o tipo de jogo que eu queria na mesa e todos que jogaram comigo ao vivo gostaram do jogo.
3. Há muitos argumentos bons no texto, mas também há argumentos muito bobos. Principalmente quando o autor fala sobre o tamanho do tabuleiro. Gente, isso realmente importa? O tabuleiro original já é enorme e quase não cabe na minha mesa. O tabuleiro estendido então praticamente não cabe na mesa de ninguém que jogue em casa. Não tem isso de que fica confuso ou de que as coisas não cabem nele. Somente se o cara tem mania de grandeza ou mesmo se quer enxergar durante toda a partida todos os detalhes da arte, nada mais justifica o tabuleiro maior a não ser a sua beleza. Outros argumentos questionaram que o tabuleiro não é modular. Minha resposta pra isso é que ele não precisava ser, uma vez que o que muda é a sua facção e as características dela. O tabuleiro precisava ser fixo pra que as habilidades das facções se equilibrassem. Quando você muda o tabuleiro do jogador (não o da facção) a sua posição inicial influencia em como você irá abordar o começo do jogo e se planejar para expandir. O tabuleiro modular iria complicar demais o funcionamento desse equilíbrio.
4. A assimetria do jogo está perfeita, a meu ver. Conheço jogos em que as facções/raças/nações sãs mais assimétricas e talvez mais interessantes, mas isso também faz com que a profundidade da estratégia seja maior. Pra jogadores que gostam dessa profundidade, talvez Scythe não seja o jogo mesmo. Porém, como a assimetria aqui é leve, mais rasa, qualquer jogador que nunca jogou o jogo consegue entender a diferença da sua facção para as outras e ter uma boa primeira experiência, sem sofrer demais no começo ou sem perder o jogo por muitos pontos de diferença porque não soube usar as vantagens de sua facção corretamente. Como em todo jogo assimétrico, existe um combo escondido em cada facção e se você não entender o combo do seu oponente, ele vai fazer o tal do rush e vencer facilmente. Em jogos mais profundos, isso é mais difícil de pegar, aqui não. Vejo como uma vantagem, não uma desvantagem.
5. Os jogos da Stonemaier Games tendem sim a ser mais leves, menos complexos e mais descompromissados. Essa é a premissa da empresa e você pode ver isso em Between Two Cities, Euphoria e Viticulture. Por que em Scythe isso seria diferente? Se a pessoa veio procurar por isso, procurou no lugar errado. Acho muito válido que eles façam esse tipo de jogo e se comprometam em entregar o que prometeram. Quero lembrar que não foi a empresa que gerou o hype de um jogo 4X cheio de batalhas, foram os fãs. O jogo foi anunciado como ele é e foi entregue o que se prometia. Nem mais e nem menos. É só ler o texto da campanha de financiamento coletivo do jogo que você vai ver que não havia qualquer menção a um jogo de combate assimétrico com gestão de recursos no meio. Se você quer isso, desculpa, mas vá jogar Twilight Imperuim. Ou Eclipse. Scythe é um euro, como se propôs a ser, e é competente nisso.
6. Scythe é um jogo tão temático quanto poderia ser. Como disse acima, trata-se de um euro. Ok, é um euro com miniaturas e colocado num universo de guerra. O tema é de um cenário pós-guerra, na verdade. Então o jogo tem que ser encarado como tal. Não vamos ter batalhas complexas num cenário como esse. O que mais se tem aqui é uma guerra fria. Você não vai atacar pra não se enfraquecer e ser atacado. É tudo uma questão de ameaçar e dominar/controlar os territórios. Quer algo mais temático do que esse cenário no leste europeu? As cartas são lindas, a arte é magnífica, mas também há tema nelas. Só não vê quem não quer. Basta ler o texto que você vai perceber o quanto o jogo está te situando no cenário, te fazendo passar pelos vilarejos, fazendas, cenários abandonados e exércitos espalhados pelo mapa. O encontros mostram isso a todo momento. O tabuleiro mostra isso a todo momento. É uma questão apenas de leitura. Claro, o cara pode ler só a parte que fala o que ele ganha/perde. Aí não vai ter tema mesmo. Assim como o cara que joga Robinson Crusoe e apenas lê o que ele precisa fazer. Qualquer jogo fica sem tema se você não se propõe a participar dele. Acho que aqui, faltou boa vontade do autor em querer ver o tema. Ele queria um wargame temático e não achou. Scythe é um euro temático.
Quero finalizar dizendo: o jogo tem falhas. Sim, ele tem. Não sou cego a elas. Assim como muitos outros jogos que são muito queridos pra mim, estão entre os meus favoritos. Não existe um jogo perfeito. Sempre tem algo que eu faria diferente, que eu tentaria mudar. Pra isso existem as house rules. A questão aqui é que por Scythe ter gerado um hype tão grande, a decepção com o que o jogo entregou foi proporcional, mas não por culpa do jogo, mas pela expectativa errada que foi criada. Apesar dos pontos que eu não achei incríveis (que inclusive apontei no meu texto sobre o jogo aqui), o jogo me surpreendeu e conquistou. É um dos meus favoritos hoje, mas não é ainda uma nota 10. Só que não se pode julgar um jogo pelo que eu esperava dele, mas sim pelo que ele me prometeu ser e o que ele entregou no lugar. Aí sim você poderá chegar aqui e falar aquilo que viu de bom e de ruim num jogo.