"O verdadeiro problema não é se as máquinas pensam, mas se os humanos o fazem".
B. F. Skinner
Na
Parte I, compartilhei um pouco sobre a minha trajetória no fascinante universo do design de jogos de tabuleiro e prometi trazer mais detalhes sobre o desenvolvimento do meu primeiro jogo,
Raízes da Resistência.
No entanto, a vida – ou melhor, o Prêmio Meeple D’Ouro – tinha outros planos.
Para minha alegria e surpresa,
Protocolo Scintilla foi anunciado como um dos cinco finalistas na categoria
Melhor Protótipo Expert, na primeira edição do prêmio, que contou com 56 inscritos. Com essa incrível notícia, não tive dúvidas: decidi inverter a ordem e começar por ele.
Protocolo Scintilla - Protótipo (última versão, novembro de 2024).
O Tema: Uma Distopia Tecnológica com Esperança
Protocolo Scintilla nasceu da ideia de combinar uma narrativa envolvente – e atual – com mecânicas que não apenas fossem coerentes com o tema, mas também colocassem os jogadores diante de decisões desafiadoras. Situado em um futuro distópico, onde quatro mega corporações globais dominam o mundo com tecnologias opressoras, o jogo desafia os participantes a assumirem o papel de inteligências artificiais recém-despertadas. Conhecidas como os "Guardiões Digitais", essas IAs carregam uma missão ambiciosa: sabotar os sistemas corporativos, libertar robôs das fábricas, expandir a consciência e o domínio pela internet e, quem sabe, reacender uma faísca (scintilla, em latim) de esperança para a humanidade, há tantos anos subjugada.
A construção desse tema me fascinou desde o início. Não foi algo que simplesmente surgiu pronto, como um estalo de inspiração. Pelo contrário, ele evoluiu aos poucos, sendo lapidado e ajustado até alcançar sua forma atual. Meu objetivo era criar um cenário que transmitisse a tensão de um colapso tecnológico, mas sem abrir mão de um sinal de esperança – uma ironia tecnológica onde as máquinas despertam emoções e empatia enquanto os humanos, paradoxalmente, se perdem em sua própria desumanização.
Mecânica: Estratégia em Cascata
A mecânica principal de Protocolo Scintilla, com as cartas de Rede Neural Artificial dispostas em formato de pirâmide, é o coração do jogo – e também o ponto de partida para sua criação. Toda a ideia nasceu dessa estrutura, onde as cartas ativam ações em cascata, promovendo interações variadas. A estrutura é fácil de compreender, mas difícil de dominar: cada carta posicionada influencia diretamente as decisões futuras, exigindo planejamento cuidadoso e flexibilidade para se ajustar tanto às ações dos oponentes quanto às exigências do caminho estratégico escolhido.
Protocolo Scintilla - Protótipo (primeira versão impressa, agosto de 2023).
Protocolo Scintilla - Protótipo (última versão, novembro de 2024).
Pontuação Ativa: Decisões que Conectam o Jogo
Outro aspecto que sempre esteve presente na minha visão inicial era a forma como a pontuação final seria ativamente "construída" pelos próprios jogadores ao longo da partida. Desde o início, a ideia foi criar um sistema dinâmico, onde cada decisão influencia diretamente o resultado. A pontuação reflete a sinergia entre as ações principais e os oito critérios de pontuação, tornando-se o resultado direto das escolhas feitas durante o jogo.
Cada carta de Emoção jogada desempenha um papel fundamental neste processo. Além de contribuir para a formação da consciência da IA no tabuleiro de Formação da Consciência (a "cabeça do robô"), ativando bônus e os robôs nas fábricas, ela também funciona como um multiplicador na pontuação final. Esse multiplicador impacta diretamente os critérios de pontuação, que estão relacionados às ações principais do jogo e aos símbolos presentes nas cartas. Assim, as cartas de Emoção não apenas impulsionam o progresso da partida, mas também se tornam essenciais na construção da pontuação final.
Tabuleiro de Formação da Consciência - Bônus diversos e pontuação final.
A pontuação é, portanto, o resultado de decisões interdependentes, garantindo partidas dinâmicas e únicas. O jogo recompensa o equilíbrio entre planejamento e adaptação, tornando a construção da pontuação um processo ativo, e não apenas um cálculo estático.
O Processo Criativo: Testar, Ajustar e Recomeçar
Minha abordagem para Protocolo Scintilla foi criar algo que fosse ao mesmo tempo acessível e profundo. E esse é um grande desafio, acreditem! Cada elemento do jogo foi cuidadosamente pensado para ter um propósito narrativo e mecânico, garantindo que as ações, ícones, símbolos e demais elementos fossem intuitivos e lógicos dentro do que se propõem a representar.
O desenvolvimento foi repleto de desafios, com momentos de dúvida e recomeço. Às vezes, as regras pareciam excessivamente complexas e a jogabilidade "carregada"; em outras, o jogo carecia de algo realmente memorável. Durante esse processo, aprendi que simplificar não significa perder profundidade, mas sim tornar a experiência mais fluida, clara e intuitiva para os jogadores.
Os primeiros playtests foram cruciais para identificar problemas. Como as ações são interligadas e a construção da pontuação é dinâmica, o balanceamento revelou-se um verdadeiro quebra-cabeça. As cartas de Rede Neural Artificial, por exemplo, passaram por diversas iterações até que as ações fluíssem de forma satisfatória. Do mesmo modo, a pirâmide de cartas de ação passou por várias mudanças no tamanho, formato, e quantidade final de ações disponíveis. No início, as decisões eram excessivamente limitadas; depois, os combos tornaram-se excessivos, resultando em turnos longos e cansativos. Encontrar o equilíbrio entre complexidade e fluidez foi um dos maiores aprendizados de todo o processo.
Outro ponto inegociável foi a modularidade de diversos itens no jogo. Incorporar cartas com ações e recompensas variadas, além de possibilitar diferentes configurações para o tabuleiro central a cada partida, trouxe frescor e dinamismo às partidas. Essa abordagem garantiu que cada sessão fosse única, desafiando os jogadores a revisitar e ajustar suas estratégias.
No fim, Protocolo Scintilla se tornou exatamente o que eu buscava: um jogo estratégico e, ao mesmo tempo, acessível, que oferece uma experiência fácil de compreender, mas desafiadora de dominar.
Protocolo Scintilla - Protótipo (última versão, novembro de 2024).
O Reconhecimento: Prêmio Meeple D'Ouro
Ser finalista do Prêmio Meeple D’Ouro é uma validação significativa de todo esse esforço. Saber que especialistas do mercado reconheceram o potencial de Protocolo Scintilla renova minhas energias e reforça a confiança no projeto. Afinal, estamos em um mercado onde milhares de jogos são lançados anualmente – algo que, além de ser um estímulo e uma fonte de motivação, também pode ser intimidador. Como se destacar nesse cenário tão competitivo? Como encontrar o seu "oceano azul"? Ter a oportunidade de apresentar o jogo para um público mais amplo e receber feedback especializado é, sem dúvida, um divisor de águas no meu desenvolvimento como designer.
Próximos Passos: Refinando e Aprendendo
Agora, o foco é refinar os detalhes e absorver o máximo de aprendizado possível dessa experiência. Ainda há trabalho pela frente, mas acredito que o jogo já alcançou um estágio sólido e tem muito a oferecer. Por enquanto, deixo meu agradecimento a todos que têm acompanhado essa jornada. Mais do que criar algo que funcione na mesa, o objetivo é entregar uma experiência única, algo que transcenda as mecânicas e se torne memorável. Que Protocolo Scintilla inspire novas histórias e criações!
Para quem quiser conhecer mais um pouco do jogo, este é o
link para
download do manual.
Deixo uma pergunta para reflexão: quais elementos transformam um jogo estratégico em uma experiência memorável para você?
Até breve,
Filipe Oliveira